Economia
Reguladores e burocratas - concursados e comissionados - seguem retardando o nosso progresso
Mesmo quando há uma genuína boa intenção, tudo fica atravancado pelos interesses da corporação
Reguladores e burocratas - concursados e comissionados - seguem retardando o nosso progresso
Mesmo quando há uma genuína boa intenção, tudo fica atravancado pelos interesses da corporação
Se Margaret Thatcher estivesse hoje na equipe econômica do governo, teria suas iniciativas barradas pela máquina herdada de governos anteriores, em geral concursados.
Poucos se dão conta de que o Ministério da Economia é formado por uma maioria de burocratas, usualmente de economistas e juristas que exercem o poder há décadas e que podem emperrar avanços.
Muitos obstáculos à adoção de melhores práticas têm origem na máquina, não na opinião pública ou no Congresso. Toda e qualquer iniciativa de diminuição da ingerência estatal tem que ser negociada com burocratas com obsessão por controle, resistência à modernização, desconfiança da boa-fé do cidadão e apego fetichista a papéis, despachos e carimbos.
O Instituto Mises Brasil sempre fez questão de enfatizar esta realidade pouco ressaltada ao público: na prática, não é a classe política quem comanda as coisas. Políticos vêm e vão. A classe política é apenas o verniz do estado; é apenas a sua face pública. Ela não é o estado propriamente dito. Quem de fato comanda o estado, quem estipula as leis e as impinge, é a permanente estrutura burocrática que comanda o estado, estrutura esta formada por pessoas imunes a eleições. São estes, os burocratas e os reguladores, que compõem o verdadeiro aparato controlador do governo.
Uma rápida lembrança
Posso dizer que tenho experiencia prática com tudo isso, ainda que um tanto "à distância".
Refiro-me ao Programa de Desburocratização proposto e executado por meu pai, Helio Beltrão, ministro da Desburocratização nos anos 1980.
O Programa de Desburocratização original se dedicou ao pequeno: o cidadão comum e o pequeno empreendedor.
Afinal, é o pequeno quem mais perde tempo e dinheiro nas filas dos guichês e nos cartórios, os quais, além de gerarem dias de trabalho perdidos, são a própria definição do estrangulamento de sua iniciativa empreendedora. O rico, por outro lado, consegue se defender recorrendo a despachantes; já a grande empresa possui batalhões de contadores e advogados.
Ou seja, nem todos são iguais perante a burocracia. A burocracia é agente primordial de desigualdade de oportunidade entre os brasileiros.
Durante a vigência de cinco anos, o Programa de meu pai eliminou mais de 1 bilhão de documentos e atestados, reduziu drasticamente as visitas aos cartórios, instituiu o conceito legal de micro e de pequena empresa, aliviando-as de impostos e exigências (hoje, incorporado ao Simples Nacional), e criou os Juizados de Pequenas Causas, em que disputas de até 20 salários-mínimos dispensam a necessidade de advogado.
Após a saída do ministro, no entanto, e como esperado, os entraves voltaram a infernizar o pequeno empreendedor, em parte devido à ação de interesses poderosos (como as máfias dos alvarás), mas também por conta da cultura de centralismo e desconfiança. Os burocratas, afinal, concursados ou contratados por apadrinhamento político, continuavam firmes no poder. E assim, como que por gravidade, regressou o pressuposto de que o cidadão mente sempre, até prova-carimbo em contrário.
Consequentemente, em vez de se punir com o Código Penal os 0,1% de falsários e corruptos, a sociedade foi inundada com procedimentos, autenticações, alvarás e selos, que por si sós causam mais corrupção e danos do que a alternativa com menos papelório. Todo o trabalho anterior havia se revelado em vão.
Cabe mencionar que, mais adiante, iniciativas pontuais foram tentadas, mas faltou à cúpula dos governos seguintes vontade política para prosseguir. A burocracia é como unha: é preciso cortar toda semana.
As coisas mudaram - e tudo continua igual
A atual equipe econômica comandada por Paulo Guedes, que tem boas e genuínas intenções desburocratizantes, sofre como a do investigador Eliot Ness em sua missão para parar Al Capone: é pequenina e usualmente sabotada pelos interesses da corporação interna.
Eis alguns recentes exemplos práticos.
A competição regulatória, pública ou privada, é saudável para o desenvolvimento. Significa que um produto homologado por órgão internacional competente pode ser comercializado livremente no país, independentemente de aprovação prévia por agência reguladora nacional.
Muitos países adotam essa prática.
O decreto 10.229, de 5 de fevereiro e que passa a valer em junho, é um passo inicial do Brasil nessa direção. Em casos de avanços tecnológicos internacionais de segurança comprovada, e que tornem regulamentações brasileiras desatualizadas, a legislação permitirá que o produtor brasileiro utilize normas de institutos internacionais renomados como o ISO, o Codex Alimentarius e o IUT como alternativa ao Inmetro, à Anvisa e à Anatel, respectivamente.
Tanto a indústria quanto o consumidor poderão seguir a norma internacional caso o órgão brasileiro deixe de atualizar a questionada restrição em até seis meses.
Cito três casos entre inúmeros que serão impactados.
1) O suplemento melatonina, substância produzida naturalmente pelo corpo humano e indicada para distúrbios do sono, enxaqueca e diabete, é vendido livremente nos EUA e em boa parte dos países europeus, mas não no Brasil. Aqui, a venda é proibida, embora o suplemento possa ser conseguido com uma prescrição médica.
2) O último modelo do relógio digital Apple Watch consegue fazer um eletrocardiograma de um ponto só. Ele capta os pulsos elétricos do coração para indicar arritmias e anormalidades. A Anvisa proibiu.
A agência reguladora considerou que o relógio, por ter essa função, era um aparelho de saúde, e que, consequentemente, teria de ser regulado por ela. Logo, a Apple não pode vender Apple Watch no Brasil com essa função habilitada. No entanto, a Anvisa se deu conta de que o "safado do brasileiro" poderia comprar o relógio lá fora e trazê-lo para cá. Ato contínuo, ela pediu para a Apple instalar uma função de geolocalização para impedir que essa função estivesse disponível.
Ou seja, esta função está bloqueada em todo o território nacional por determinação da Anvisa, que a considera um "equipamento médico" sob sua jurisdição.
Não tem nada na lei brasileira que autorize isso. Foi uma regulamentação da Anvisa, que um burocrata de lá criou e implantou.
3) Pesagens de rotina em estradas ainda exigem que caminhoneiros realizem paradas longas, com riscos de roubo e oportunidades de corrupção, tudo por causa da proibição, pelo Contran, da balança dinâmica em movimento para caminhões com cargas líquidas, gasosas e sólidas a granel. Mas este procedimento é comum no exterior.
Só nos resta torcer, e muito, para que o decreto 10.229 realmente revogue essas, e mais várias outras bizarrices.
Guerra à máquina
No fim, somos todos reféns da regulação arbitrária e desatualizada, ao passo que o resto do mundo desfruta de melhoria de padrão de vida propiciada por novos produtos e serviços.
Ruim para o consumidor, pior ainda para a indústria. Maquinários novos são proibidos, normas técnicas estão estagnadas no século passado, e o custo Brasil se perpetua.
Desburocratizar não é racionalizar, reorganizar administrativamente ou tornar mais eficiente o serviço público, e sim remover o excessivo centralismo burocrático que obstaculiza nossas aspirações de desenvolvimento individual e econômico.
A máquina, comandada por pessoas que estão encasteladas lá dentro, concursadas ou comissionadas, sabota o progresso. Em tese, tais pessoas estão defendendo o interesse do Brasil, mas têm uma obsessão pelo controle, um apego a procedimentos e defendem perigos que só existem na cabeça deles.
Thatcher, que se inspirou nas ideias F. A. Hayek, virou referência no mundo não por sedução teórica, mas por seus resultados práticos. O ritmo dos resultados do Ministério da Economia deve ser ditado pelos liberais, e não pelos sabotadores do avanço, veteranos da máquina pública.
Creio que Paulo Guedes sabe que o compromisso do Brasil deve ser com a urgência, e não com o formalismo, impecável no papel, mas inibidor e asfixiante do desenvolvimento.
O brasileiro clama por um abre-alas para sua liberdade, mas o corporativismo teima em atravessar o samba.
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