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Acabar com a dedução de despesas com saúde pode sobrecarregar ainda mais o SUS

Além, é claro, de representar um efetivo aumento de impostos

27/08/2019

Acabar com a dedução de despesas com saúde pode sobrecarregar ainda mais o SUS

Além, é claro, de representar um efetivo aumento de impostos

Dentre as ideias que têm circulado sobre mudanças na legislação tributária brasileira está a de estabelecer um teto, ou até mesmo eliminar por completo, as deduções com despesas de saúde da base de cálculo do imposto de renda da pessoa física.

Uma razão frequentemente apontada para justificar a proposta é a de que essa dedução beneficia desproporcionalmente os mais ricos, que são quem paga imposto de renda e podem arcar com o sistema privado de saúde.

Pouco ou nada se fala sobre o efeito que a medida poderá ter sobre o SUS, sistema de saúde estatal, aquele que em teoria deveria atender os mais pobres. Um raciocínio econômico básico, no entanto, aponta para o risco de agravar o inescapável e acachapante problema da escassez de oferta de serviços deste sistema.

Pelas regras atuais, um cidadão que preenche o modelo completo da declaração de imposto de renda pode deduzir da base de cálculo desse tributo todas as despesas em que incorra com planos de saúde, médicos, exames laboratoriais, fisioterapeutas, dentistas e outras de natureza similar.

Assim, quem deixa voluntariamente de utilizar o abarrotado serviço público de saúde, mesmo já tendo pago os impostos que sustentam esse serviço, recebe um incentivo. Nada mais justo, não? Deixei de usar algo pelo qual já paguei, aliviei o excesso de demanda sobre a saúde estatal, subsidiei uma vaga para alguém, talvez mais pobre que eu, e, por isso, recebi um desconto naquilo que o leão toma de mim.

Para os que ganham mais de R$ 4.664,68 por mês em 2019 (cerca de 10% dos trabalhadores, a julgar pela PNAD IBGE), por exemplo, e que portanto são tributados pela alíquota marginal de 27,5% do imposto de renda, R$1.000,00 gastos com saúde podem resultar em um custo líquido de "apenas" R$ 781,00.

  • Salário bruto: R$ 4.665
  • Gastos com saúde: R$ 1.000
  • Salário líquido com a dedução: R$ 3.470,05
  • Salário líquido sem a dedução: R$ 3.251,48
  • Diferença gerada pela dedução: R$ 218,57
  • Despesa líquida com saúde: R$ 781,43

Faça os cálculos aqui.

Se a dedução das despesas for eliminada, portanto, esses trabalhadores vão encarar um aumento de quase 30% no custo líquido dos serviços de saúde privada (de R$ 781, no exemplo acima, para R$1.000 -- variação de 28%).

Para quem é tributado pela alíquota mínima do IR (quem ganha entre R$ 1.903,99 e 2.826,65 ao mês) o aumento do custo das despesas com saúde seria menor, mas ainda assim significativo. Quem ganha R$ 2.000, por exemplo, teria um aumento de 7,2%.

Consequências

O que o raciocínio econômico mais elementar nos indica que ocorrerá quando há aumento de preço? Tudo o mais constante, que a demanda pelo serviço será menor.

Neste caso, é normal que pelo menos algumas pessoas passem a consumir menos serviços de saúde privada.

E, dado que demandar serviços de saúde não é algo realmente opcional, é de se esperar que tais pessoas, caso necessitem de tais serviços, irão abarrotar ainda mais as filas do SUS, piorando não somente a sua própria situação, como também a dos mais pobres, a quem pretensamente se queria fazer justiça.

Há uma realidade incontornável sobre a oferta "gratuita" de serviços: a quantidade efetivamente demandada sempre será maior que a ofertada. Em termos mais técnicos, a demanda tende ao "infinito", pois o custo é zero

E, no caso de serviços "gratuitos" de saúde, a situação é piorada: dado que o dinheiro advém de impostos e não da qualidade dos serviços ofertados, não há um sistema de lucros e prejuízos a ser seguido. Logo, não há como ter racionalidade econômica na administração. Com efeito, nem sequer é possível saber o que deve ser melhorado, o que está escasso e o que está em excesso. Não há como inovar ou se tornar mais eficiente.

Consequentemente, com a quantidade demandada sendo crescente e com a oferta sendo inevitavelmente restrita (pois não há racionalidade econômica para guiar esta oferta), escassez e racionamento tornam-se uma inevitável rotina.

Tem-se, assim, a tempestade perfeita. Como os recursos para a saúde são limitados e gerenciados de maneira burocrática, mas a demanda é crescente e "gratuita", filas de espera para tratamentos, cirurgias, remédios e até mesmo consultas de rotina viram a norma. No extremo, pacientes são abertamente rejeitados, cirurgias são canceladas e pessoas são deixadas para morrer sem tratamento.

Estas características, inevitáveis em qualquer sistema estatal de saúde (vide a lista de exemplos práticos ao fim deste artigo), serão acentuadas caso o governo implemente esse aumento de impostos -- sim, acabar com deduções representa um aumento de impostos.

Conclusão

Ao passo que as deduções com despesas em educação têm um limite (até R$ 3.561,50), não há limite para as deduções com despesas médicas -- a estimativa do governo é de que cerca de 20% dos pagadores de impostos utilizem esse mecanismo atualmente.

Por isso, uma eventual redução geral nas alíquotas do imposto de renda, como vem sendo cogitado, dificilmente poderá compensar o aumento das despesas trazido por essa abolição da dedução. Afinal, como demonstrado no exemplo acima, com o fim da dedução, houve um aumento de quase 30% nas despesas líquidas com saúde. Logo, o Imposto de Renda teria de ser reduzido em uma magnitude que aumentasse a renda líquida final do indivíduo em 30%, e isso apenas o faria ficar na mesma -- ou seja, algo fora de cogitação (principalmente quando se sabe que a intenção de qualquer governo é aumentar a arrecadação). 

Em suma, qualquer eventual redução nas alíquotas tem um limite; já as deduções são ilimitadas. No final, as despesas líquidas serão maiores com a abolição da dedução.

Prevalecendo essa má ideia, veremos muita gente "surpresa" com o surto "inesperado" de demanda pelos serviços do SUS, com a consequente degradação dos serviços prestados e aumento das filas de espera. Mas políticos, burocratas e jornalistas não ligarão causa e consequência. Apenas demandarão que ainda mais impostos e intervenções sejam aplicados ao problema, como de costume.

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Sobre o autor

Alexandre Garcia de Carvalho

É administrador, pós-graduado em Economia Austríaca pelo IMB e Master of Business Administration pela University of Michigan

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