Economia
Diminuir IRPJ e tributar dividendos: os prós e os contras da proposta de Paulo Guedes
Sempre que o assaltante lhe der uma opção melhor, aceite
Diminuir IRPJ e tributar dividendos: os prós e os contras da proposta de Paulo Guedes
Sempre que o assaltante lhe der uma opção melhor, aceite
No Brasil, a alíquota máxima do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica é de 15%. No entanto, há uma sobretaxa de 10% sobre o lucro que ultrapassa determinado valor.
Mas não pára por aí.
Há também a CSLL (Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido), cuja alíquota pode chegar a 32%; o PIS, cuja alíquota pode chegar a 1,65% e a COFINS, cuja alíquota chega a 7,6%. PIS e COFINS incidem sobre a receita bruta.
No final, a alíquota efetiva máxima sobre empresas chega a 34%. É simplesmente a 13ª maior do mundo.
(Adicionalmente, há também o ICMS, que varia de estado para estado, mas cuja média é de 18%, e o ISS municipal. Embora estes sejam impostos indiretos -- em tese arcados pelo consumidor --, eles afetam as receitas das empresas, pois estas seriam maiores sem eles. Não tente fazer a conta, pois você irá se apavorar.)
O atual Ministro da Economia Paulo Guedes quer reduzir essa alíquota máxima de 34% para 15%. Para contrabalançar essa redução, ele pretende implantar a tributação de dividendos, que hoje são isentos, para 15% (há veículos de imprensa dizendo que ele quer 20%).
Algumas considerações.
Não tributar dividendos é questão de lógica
Ao contrário do que dizem os progressistas demagogos, o fato de o Brasil, até o momento, não tributar dividendos não configura nenhum "privilégio para rentistas". E por um motivo simples: se os dividendos fossem tributados, isso equivaleria a uma dupla tributação.
A empresa já pagou 34% sobre seus ganhos. O que sobrou ela irá ou reinvestir ou distribuir como dividendos para seus acionistas (que são os proprietários da empresa, algo que qualquer pessoa física com conta em corretora pode se tornar).
Se esses dividendos também fossem tributados, isso nada mais seria do que uma bitributação.
Eis um exemplo tosco, mas que ajuda a entender: a empresa ganhou R$ 100, pagou R$ 34 de imposto e ficou com R$ 66. Se esses R$ 66 forem novamente tributados ao serem distribuídos para os proprietários da empresa, então é óbvio ululante que está ocorrendo uma bitributação.
Na prática, seria como se o Manoel, o proprietário da padaria, após pagar o IRPJ, também tivesse de pagar imposto sobre o dinheiro que sobrou e que ele sacou para pagar a conta de luz da sua casa.
Logo, não faria sentido nenhum o Brasil, que já possui uma das maiores alíquotas de imposto corporativo em todo o mundo (de novo: é simplesmente a 13ª maior do mundo), tributar também dividendos. A soma de um IRPJ efetivo de 34% mais tributação de dividendos tornaria insana a nossa já tresloucada carga tributária.
Os prós e contras da proposta
A proposta de Paulo Guedes de reduzir essa alíquota máxima de 34% para 15% é louvável. Por outro lado, sua intenção de contrabalançar essa redução implantando a tributação de dividendos em 15 ou 20%, com o objetivo de "não afetar a receita", é lamentável.
E por dois motivos.
Primeiro porque, em termos puramente filosóficos, a medida em nada altera o fato de que está havendo um confisco estatal da propriedade privada alheia. O dinheiro obtido por meio da produção continuará sendo igualmente confiscado, tendo mudado apenas o momento em que ocorre o confisco: antes, ele ocorria integralmente no momento da receita; agora, ele será reduzido no momento da receita, mas será aumentado no momento em que o proprietário for usufruir essa receita.
Segundo porque tal medida ressalta a propensão dos seguidores da Escola de Chicago em não admitir quedas na receita. É como se a receita do governo fosse algo sagrado e intocável, a qual deve, na melhor da hipóteses, ser mantida, jamais reduzida.
Em todo caso, para não ficarmos só no campo do negativismo, e reconhecendo que o mundo real possui inúmeras variáveis que dependem inteiramente da política, seria honesto dizer que, entre deixar como está ou optar pela medida de Guedes, esta segunda é preferível.
E há dois motivos para se aceitá-la.
1) O fato de o confisco na base cair de 34% para 15% já é louvável por si só.
Sempre que o assaltante permitir que o esbulho imediato seja menor, aceite a proposta. É verdade que você, como proprietário da empresa, não poderá usufruir este dinheiro imediatamente (pois aí viraria dividendo, e ele seria tributado), mas ao menos você agora terá à sua disposição mais dinheiro para reinvestir e aumentar seus lucros futuros.
Tendo mais dinheiro para ser reinvestido (pois o confisco caiu de 34% para 15%), o retorno nominal sobre o investimento será maior. Antes, a empresa lucrava R$ 100, pagava R$ 34 de imposto e ficava com R$ 66 para reinvestir (ou distribuir dividendo). Agora, essa mesma empresa irá pagar R$ 15 de imposto e terá R$ 85 para reinvestir.
No longo prazo, reinvestir continuamente R$ 85 em vez de R$ 66 fará com que os retornos nominais sejam muito maiores. Investir R$ 66 a uma taxa de lucro de 10% ao ano gera R$ 72,60 em um ano. Investir R$ 85 à mesma taxa de 10% ao ano gera R$ 93,50 em um ano.
Ou seja, do ponto de vista da empresa, o montante disponível para investir será maior e, consequentemente, os lucros auferidos serão maiores (o que permitirá maiores dividendos). E isso, por sua vez, permitirá mais novos investimentos.
Para a economia como um todo, isso será muito positivo: o fato de empresas terem montantes maiores disponíveis para serem investidos tende a se traduzir em expansão de fábricas, em aumento da capacidade produtiva, em mais bens e serviços sendo produzidos, em aumento de contratações, em maiores salários e, como corolário, um maior padrão de vida para todos.
A única maneira de uma economia enriquecer é aumentando a taxa de investimentos produtivos. Se o capital disponível para esses investimentos produtivos aumentar, então tal medida é digna de apoio.
2) O fato de que "a tributação na origem foi reduzida" e que o restante da tributação só ocorrerá se você usufruir o capital em benefício próprio -- ou seja, ao receber dividendos -- ao menos dá a opção de postergar essa tributação.
Sim, você continuará sendo espoliado ao coletar o dinheiro, mas ao menos você agora pode evitar essa tributação caso opte por postergar o recebimento desse dinheiro (embora as empresas sejam obrigadas por lei a distribuir dividendos, a frequência com que isso ocorre pode ser alterada). Está longe de ser o ideal, é claro, mas ao menos você agora tem opção.
O assaltante está dizendo: "Entregue 34% agora ou 15% agora e 15% depois. Escolha!". A segunda opção é um pouco mais aceitável.
A lógica, aliás, é a mesma para a diferença entre a tributação direta e a indireta. Dos impostos diretos (Imposto de Renda, IPTU, IPVA, ITR etc.) você não consegue escapar. Já dos impostos indiretos você consegue: basta não consumir determinados bens e serviços. É o ideal? Claro que não. Mas ao menos é uma opção.
Para concluir
É importante ressaltar que toda a análise acima parte do óbvio princípio de que a "tributação de dividendos" se refere aos dividendos pagos por empresas com capital aberto na bolsa de valores. Afinal, sempre que economistas falam sobre "tributar dividendos", eles tendem a se referir apenas aos dividendos pagos por empresas negociadas em bolsa. O senso comum sempre foi esse. A análise também vale para empresas de capital fechado que estejam sendo contempladas por essa redução tributária de 34% para 15%. Estou partindo deste princípio.
Entretanto, caso a proposta de Guedes envolva a tributação de dividendos de micro e pequenas empresas que estão no Simples Nacional -- e que não estão tendo redução de impostos (ao menos, não por ora) --, então, obviamente, a situação muda, pois aí estaria havendo aumento de impostos. Mas quero crer que o governo não será tolo a esse ponto.
Isto posto, vale repetir o que foi dito ao longo do artigo: entre deixar como está ou aceitar a proposta de Guedes, é válido reconhecer que a segunda opção é melhor, desde que o governo não invente novos impostos ou aumente outras alíquotas já existentes.
Ainda está longe do ideal, mas ao menos é melhor que o atual arranjo. Sempre que o assaltante lhe der uma opção melhor, aceite.
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