Economia
Você trocaria um aumento de até 30% em seu salário pela manutenção da previdência social?
O assalto ao trabalhador vem disfarçado de ‘direito social’
Você trocaria um aumento de até 30% em seu salário pela manutenção da previdência social?
O assalto ao trabalhador vem disfarçado de ‘direito social’
Uma pergunta: você, empregado com carteira assinada, trocaria um aumento de uns 20% a 30% em seu salário, hoje, por uma promessa, feita por políticos, de que você irá receber algum dinheiro daqui a 20, 30, 40 anos?
Se você defende a previdência social[1], então, por definição, a sua resposta a essa pergunta deveria ser positiva, sem titubear. "Sim, senhores políticos, troco! Fiquem à vontade para levar até quase um terço do que eu ganho. Pela previdência, vale a pena!"
À primeira vista, defender a previdência social pode não parecer o mesmo que abrir mão de um aumento imediato de 20% a 30%. Mas é.
O seu próprio comprovante de pagamento, ao fim do mês, traz um desconto que certamente você já notou (caso seja minimamente atento). Esse desconto pode chegar a 11% do seu salário, o que não é pouca coisa. Essa é a fatia que você paga compulsoriamente ao INSS (embora tal pagamento seja eufemisticamente chamado de "contribuição").
Mas não pára por aí. Adicionalmente, há outro custo da previdência social que equivale a outros 20% do seu salário. No entanto, tal custo não aparece descontado em seu comprovante de pagamento; ele fica escondido na contabilidade do empregador. Pior: a cortina de fumaça contábil faz parecer que esses 20% adicionais são pagos ao INSS pelo "patrão", e não por você, assalariado.
Ledo engano.
Na aparência, as coisas são assim: o assalariado paga ao INSS de 8 a 11% do seu salário bruto. Já o patrão paga, também ao INSS, mais 20% sobre esse mesmo salário bruto. E muitos acreditam que esses 20% são um custo exclusivo do patrão, não sendo arcados pelo assalariado.
Mas eis o que realmente ocorre.
1) Você é meu empregado. Eu lhe pago R$ 1.000 de salário bruto mais R$ 200 de contribuição patronal ao INSS (e mais R$ 80 de FGTS, mas deixemos isso de lado).
2) Isso significa que você, para me ser útil, tem de produzir no mínimo R$ 1.200 (o valor correto seria R$ 1.280 por causa dos R$ 80 do FGTS, mas, de novo, vamos ignorá-lo para simplificar o debate).
3) Esse é o seu custo para mim: R$ 1.200 (estou também desconsiderando vários outros encargos, apenas para facilitar o raciocínio).
4) Se você não criar valor de pelo menos R$ 1.200 para mim, não irei lhe contratar. Logo, esses R$ 1.200 (salário bruto de R$ 1.000 mais R$ 200 de INSS) são um dinheiro que poderia ir perfeitamente para você. Afinal, esse é o valor que você me custa.
5) É óbvio que esses R$ 200 dados ao INSS saíram do seu salário. Trata-se do seu custo para mim. Se eu, o patrão, estou arcando com ele é porque você, o assalariado, está produzindo esse valor. É exatamente da sua produção como empregado que saem esses R$ 200. Você, como empregado, não ganhou nada a mais. (E, não fosse essa alíquota de 20%, você poderia ter esses R$ 200 acrescidos ao seu salário.)
Ou seja, muita gente acredita que esse pagamento de 20% ao INSS "sai do lucro" do empregador, e não do salário dos empregados. Chegam a rotular todo esse esquema de "conquista social", como se fosse uma "vitória" dos trabalhadores sobre empregadores, finalmente forçados a temperar sua "ganância", a reduzir seus ganhos e a fazer "contribuições patronais" para a aposentadoria de seus empregados. Doce ilusão.
Como o empreendedorismo e a geração de empregos são afetados
Eis um exemplo prático.
João economizou R$ 100 mil e resolveu ganhar um dinheiro extra, sem deixar o seu emprego principal. Ele sabe que investindo os R$ 100 mil no mercado de capitais, livre de grandes riscos e com quase nenhum esforço pessoal, conseguiria ganhar R$ 500 por mês.
Logo, não vale a pena se arriscar e se esforçar para ganhar menos que isso. Esse é um ponto chave. Há um lucro mínimo abaixo do qual empreendimentos se tornam inviáveis por não oferecerem retorno compatível com alternativas de investimento disponíveis no mercado. Sem esse mínimo de lucro, João desistirá da empreitada. Literalmente, partirá para outra.
Com isso em mente, João resolve avaliar o seguinte plano de investimento: comprar um bom automóvel, se filiar a um aplicativo de mobilidade urbana e contratar um motorista profissional para dirigir o carro. Repare, ele não quer ser motorista de aplicativo, mas sim o capitalista que financia tudo isso.
Ato contínuo, os R$ 100 mil serão investidos na compra e licenciamento do carro e na aquisição de um smartphone. As corridas geradas pelo aplicativo têm o potencial de proporcionar um faturamento médio de R$ 5.000 por mês. As despesas com impostos, seguro, combustível, plano de dados, depreciação e manutenção do carro, lavagem, água mineral, balinhas etc. devem totalizar cerca de R$ 3.000 mensais. Se o lucro mínimo pelo qual João está disposto a seguir com a realização do plano é de R$ 500 por mês, sobram R$ 1.500 para pagar o motorista.
Eis a contabilidade:
Faturamento: R$ 5.000
(-) Despesas: R$ 3.000
(-) Lucro mínimo esperado: R$ 500
(=) Pagamento máximo ao motorista: 1.500
Não há mágica possível. Se um motorista custar mais do que R$ 1.500 por mês, João desistirá do plano. Preferirá aplicar o dinheiro em outra das alternativas mais lucrativas que estão disponíveis.
Agora digamos que João, esse empreendedor da mobilidade urbana, encontre um candidato qualificado, experiente e bem recomendado, disposto a dirigir o carro. Ao fazer uma proposta de trabalho, no entanto, João é surpreendido com a seguinte informação: o candidato a motorista dispõe de uma sentença judicial que obriga seus eventuais empregadores a pagar pensão de alimentos para seus filhos, no valor de R$ 300 por mês, em adição ao salário contratado, sem descontar da remuneração.
A pensão de alimentos, segundo detalha essa hipotética sentença judicial, deverá ser registrada na contabilidade de João, como despesa deste. Não pode constar como desconto no comprovante de pagamentos do empregado.
Restarão então a João duas alternativas: propor ao motorista um salário de R$ 1.200 ou desistir de contratá-lo, assim conservando mais um desempregado no mercado.
Caso o candidato aceite a proposta de R$ 1.200, estará pagando integralmente a pensão de alimentos dos filhos, na forma de um salário R$300 menor que o empresário estava disposto a pagar, ainda que o desconto correspondente não conste de seu demonstrativo de pagamento mensal, mas sim da contabilidade de João.
O artifício contábil, no entanto, possivelmente fará com que tanto o juiz quanto (e ironicamente) o próprio empregado comemorem ter sido lograda uma "conquista social", na crença infundada de que o custo da pensão de alimentos foi assumido integralmente por João.
Uma objeção ao raciocínio aqui exposto, digna de exame, é a seguinte: mas e se o empreendedor tiver disponível para gastar com mão de obra bem mais do que o valor de mercado da remuneração do empregado? Digamos que o faturamento mensal hipotético gerado pelas corridas do aplicativo fosse 20% maior que o inicialmente considerado, chegando a R$ 6.000, mas que os custos fossem os mesmos:
Faturamento: R$ 5.000 6.000
(-) Despesas: R$ 3.000
(-) Lucro mínimo esperado: R$ 500
(=) Pagamento máximo ao motorista: R$ 1.500 2.500
Nesse caso, uma regra que force o patrão a pagar um "extra" em cima do salário contratado não estaria, de fato, transferindo parte do lucro para o trabalhador? Sim, é possível. No entanto, em uma economia de livre mercado, uma situação de lucros anormalmente altos como o indicado acima não se sustentaria por um período prolongado de tempo.
A concorrência entre os aplicativos para servir aos clientes faria com que eles abaixassem os preços das corridas até que os ganhos se normalizassem em torno do retorno mínimo exigido pelos investidores.
Inversa e simultaneamente, o potencial de altos lucros acirraria a competição para comprar carros, contratar motoristas etc., fazendo subir o custo total, o que também forçaria os ganhos a retornarem ao normal.
Esse é outro ponto chave: lucros "anormais", "abusivos", "predatórios", se eliminam com livre concorrência. Não com legislação trabalhista.
Uma vez que os lucros sejam normalizados, voltando aos R$ 500 mensais do nosso exemplo hipotético, o trabalhador estará fatalmente pagando a totalidade do custo da sua "conquista social". Não tem escapatória. Quem sempre arca com a imposição de um custo artificial, extra-mercado, é o empregado.
Entendido tudo isso, voltemos à previdência.
Você aceita?
Aqueles 20% de "contribuição" que seu patrão faz ao INSS -- mas você não vê, pois o valor está disfarçado como despesa na contabilidade do patrão, em vez de claramente destacado no seu comprovante de pagamento -- são equivalentes à nossa pensão de alimentos fictícia: quem paga, integralmente, é você mesmo, em adição ao desconto demonstrado no seu comprovante.
Não se deixe enganar pelo jogo de espelhos da contabilidade. O total da conta que você paga pela previdência pode chegar a mais de 30% do seu salário: os 20% do patrão mais o 11% descontados do seu salário.
A experiência no Chile ilustra bem esse fenômeno. A privatização da seguridade social levada a cabo pelo governo daquele país entre os anos de 1981 e 1982 resultou em uma queda nos encargos médios sobre a folha de pagamento dos trabalhadores do setor de manufatura de 30% para 8,5%, no mesmo período. Este estudo concluiu que a redução nos encargos parece ter sido integralmente repassada aos trabalhadores por meio de aumentos salariais, sem afetar de maneira significativa o nível de emprego[2].
Em troca de sacrificar até quase um terço de tudo o que você produz, o que você ganha? Tão somente uma promessa, feita pelos políticos de hoje, de que, daqui a algumas décadas, os políticos do futuro honrarão o combinado e tomarão dinheiro à força dos seus filhos e netos -- e também dos filhos e netos dos seus familiares e amigos, e dos demais contemporâneos deles -- para entregar a você.
E, obviamente, todo este valor prometido virá descontado, pois é necessário garantir os proventos dos próprios políticos e burocratas, pois ninguém irá fazer esse trabalho sujo de graça, certo?
Logo, a pergunta é simples e direta: esse arranjo tem credibilidade? É justo, com você mesmo e com os trabalhadores do futuro? Vale a pena?
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[1] Aqui eu meu refiro ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS, com receitas e despesas diretas devidamente segregadas no Fundo do Regime Geral de Previdência Social, estabelecido nos termos dos acórdãos 1204/2012 e 1274/2013 do Tribunal de Contas da União. Deixo de propósito fora desta discussão os demais componentes da Seguridade Social brasileira, saúde e assistência social, e as formas indiretas de financiamento. Entendo que os incluir complicaria a análise, sem aprimorar as conclusões aqui apresentadas.
[2] Ver DE CARVALHO, A. Social Security:. MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy, Law and Economics, v. 6, n. 1, 24 abr. 2018, p.11.
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