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Afinal, o câmbio está barato ou caro? Eis uma maneira de estimar seu atual “valor correto”

Eleições e a situação fiscal do governo federal ainda trarão muitas emoções

22/08/2018

Afinal, o câmbio está barato ou caro? Eis uma maneira de estimar seu atual “valor correto”

Eleições e a situação fiscal do governo federal ainda trarão muitas emoções

Nota do editor: o artigo a seguir foi originalmente publicado no dia 7 de junho de 2018. À época, havia dados disponíveis até o mês de abril. Agora, já há dados até o mês de julho. Sendo assim, alterações nos valores calculados foram feitas para torná-lo mais atualizado. Adicionalmente, este artigo é uma atualização deste outro artigo. O leitor está convidado a comparar os valores e decidir quão corretas foram as previsões feitas. 

 

No dia 6 de junho de 2018, ainda na esteira da greve dos caminhoneiros, o dólar fechou o dia valendo R$ 3,84. Foi o maior valor da moeda americana desde 2 de março de 2016 (quando valia R$ 3,89).

Na manhã de 7 de junho, o dólar chegou a R$ 3,91.

Hoje, dia 22 de agosto, a moeda americana abriu o dia valendo R$ 4,08.

Para se ter uma ideia, ainda no início de março, a moeda americana estava cotada a R$ 3,21.

Isso significa que, em três meses (março a junho), a moeda americana encareceu 21,80%. E, em cinco meses (março a agosto), o encarecimento é de 27%.

Os temores de que haja uma desvalorização cambial ao estilo da ocorrida em 2015, quando, após a reeleição de Dilma, o dólar saltou de R$ 2,20 para R$ 4,24, são reais (e, com efeito, já estão acontecendo).

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Gráfico 1: evolução da taxa de câmbio (reais por dólar) de janeiro de 2014 até hoje (07/06/2018)

Já há medalhões do mercado financeiro -- como Rogério Xavier, da SPX Capital -- prevendo dólar a R$ 5,30, e dizendo que, no atual valor, o dólar "está de graça".

Com efeito, há reputados analistas internacionais dizendo que, após Turquia e Argentina, o Brasil pode ser o próximo na crise cambial dos emergentes.

É fato que, em todos os anos eleitorais, é comum haver turbulências cambiais. O ano de 2002 representa o exemplo mais claro disso. Mas os ingredientes atuais são mais explosivos: o governo federal está em uma pavorosa situação fiscal.

Eis a encrenca: o déficit nominal acumulado em 12 meses está em R$ 500 bilhões, o que significa que o governo tem de tomar emprestado R$ 500 bilhões por ano para fechar suas contas. Tal valor equivale a 7,5% do PIB. A título de comparação, o déficit americano é de 3,5% do PIB. O do Reino Unido é de 2,3% do PIB. O dos países da zona do euro é de 0,9% do PIB. Até mesmo o Japão, conhecido por seu governo perdulário, tem um déficit menor que o do governo brasileiro: 4,5% do PIB.

E daí? E daí que, com déficits tão altos, e sem conseguir cortar gastos, os investidores estrangeiros começam a duvidar da capacidade do governo brasileiro de honrar suas dívidas.

Uma coisa é você emprestar para governos deficitários de países ricos, como EUA e Japão, que não têm histórico de calote e cuja população, por ser produtiva, pode criar riqueza para ser tributada. Outra coisa é você emprestar para governos deficitários de países pobres ou em desenvolvimento, que têm histórico de calote e de desvalorizações cambiais (o que afeta os ganhos dos investidores estrangeiros quando convertem reais em dólares), e cuja população, não sendo tão produtiva quanto a dos países ricos (a produtividade do brasileiro é um quarto da do americano), não consegue criar mais riqueza para ser tributada.

Dado que a crise política não permitiu que nenhuma reforma (como a da previdência) fosse feita; considerando que os funcionários públicos não abrem mão de mordomias e seguem tendo aumentos salariais; e relembrando que a greve dos caminhoneiros resultou em novos rombos orçamentários, não é de se estranhar a inquietação dos investidores. Não há nenhum sinal de controle de gastos no governo.

Para piorar, as eleições deste ano estão totalmente imprevisíveis, havendo chances reais de uma esquerda mais radicalizada chegar ao poder em 2019.

Nesse cenário, manter dólares no Brasil se torna muito arriscado. Tudo indica que, por ora, os investidores estrangeiros estão saindo do Brasil em revoada, trocando reais por dólares, o que está pressionando pontualmente a taxa de câmbio.

No entanto, ainda assim há uma pergunta: o atual valor do câmbio está realmente "de graça"? Dadas as atuais condições da economia, qual seria o seu "valor correto"?

Sim, é possível responder a isso.

O que define o câmbio

Como Ludwig von Mises demonstrou ainda em 1912, em sua obra The Theory of Money and Credit, o determinante fundamental da taxa de câmbio entre duas moedas é o poder de compra relativo de cada uma delas. 

Colocando de outra forma, o que determina a taxa de câmbio entre duas moedas independentes é a paridade do poder de compra entre elas. O equilíbrio de longo prazo -- ou a taxa de câmbio "final" entre duas moedas -- sempre será exatamente igual à razão entre o poder de compra das duas moedas. 

Por exemplo, se o preço de um mesmo produto é de US$ 500 nos EUA e de R$ 1.000 no Brasil, então a taxa de câmbio entre as duas moedas teria de ser de 2 reais por dólar.  A essa taxa, um brasileiro vai pagar o mesmo valor por esse produto, seja ele comprado aqui no Brasil ou nos EUA. 

No entanto, se o câmbio não estiver em R$ 2 por dólar, então o equilíbrio ainda não foi atingido, o que significa que há oportunidades de lucro para um especulador por meio de um processo chamado de "arbitragem".

Funciona assim: suponha que um mesmo bem A esteja custando R$ 2 no Brasil e US$ 1 nos EUA (já considerando impostos). Nesse caso, a julgar pelos preços de A, nota-se que o poder de compra do real é menor que o do dólar. No entanto, suponha também que a taxa de câmbio vigente esteja em R$ 1 = US$ 1.  Pela taxa de câmbio, o poder de compra de ambas as moedas é igual. 

Logo, comparando-se os preços com a taxa de câmbio, vemos que o real está sobrevalorizado e o dólar está subvalorizado. O real está sobrevalorizado porque seu poder de compra, que é menor que o do dólar, está igual ao do dólar quando se analisa a taxa de câmbio. Assim, claramente o câmbio está errado. 

Um especulador esperto irá vender A em troca de reais (irá obter R$ 2) e, em seguida, irá trocar R$ 2 por US$ 2 (pois a taxa de câmbio é de 1:1). Ato contínuo, irá recomprar esse bem por US$ 1, que é o seu preço de mercado, embolsando o dólar extra. 

Essa contínua troca de reais por dólares encarecerá o dólar em relação ao real, finalmente levando a taxa de câmbio para seu valor correto, de R$ 2 por dólar.

Ou seja, essas operações -- as "arbitragens" -- fazem com que a taxa de câmbio e a razão do poder de compra entre as duas moedas sejam levadas à sua relação correta.

Portanto, e falando mais popularmente, o valor da taxa de câmbio de longo prazo entre duas moedas será determinado pelo poder de compra de cada uma delas -- ou, sendo mais realista, será determinado pela perda do poder de compra de cada uma delas, ou seja, pela inflação de preços ocorrida nos dois países.

Se duas moedas começaram com uma taxa de câmbio de 1 para 1, mas uma moeda apresentou uma inflação de preços de 100% (com os preços indo de 100 para 200) e a outra apresentou uma inflação de preços de 60% (com os preços indo de 100 para 160), então a nova taxa de câmbio será de aproximadamente 1,25.

Logo, para se estimar a "taxa de câmbio correta" entre duas moedas, o que você tem de fazer é analisar o histórico da inflação de preços de ambas para ver qual foi a evolução da perda do poder de compra de cada moeda. 

Ato contínuo, você simplesmente divide o atual poder de compra de uma pelo da outra.

Mas é de crucial importância ressaltar o seguinte ponto: para se fazer essa análise da evolução da taxa de câmbio e do poder de compra de uma moeda, não é correto pegar um período de tempo aleatório, calcular a inflação de preços ocorrida apenas durante este período, e então fazer elucubrações sobre qual seria a taxa de câmbio correta. 

A literatura sobre isso é bem clara: você não apenas tem de pegar todo o histórico inflacionário de uma moeda, como também tem de considerar a taxa de câmbio do dia do nascimento desta moeda.

E então, só então, poderá fazer alguma projeção. 

O "valor correto" do câmbio

Dado que o real foi criado em julho de 1994 (a um câmbio inicial de 1 para 1 em relação ao dólar), o certo é ver qual foi a sua perda de poder de compra em relação ao dólar desde julho de 1994. Esta é a data de partida. Nenhuma outra data serve.

Ao contrário do que fazem outros analistas, você não pode pegar, por exemplo, janeiro de 2003 (a um câmbio inicial de 3,55) ou mesmo janeiro de 2016 (a um câmbio inicial de R$ 4,24) para então fazer sua análise. Não faz absolutamente nenhum sentido começar uma série que envolve todo o histórico de perda do poder de compra de uma moeda a partir de uma data aleatória. A data tem de ser a sua data de nascimento.

Pois bem.

Quando o real foi lançado, no dia 1º de julho de 1994, 1 real valia 1 dólar. Portanto, já temos o "câmbio de nascimento".

De julho de 1994 até julho de 2018 (última data para a qual há dados), o IPCA acumulado foi de 490,37%. Isso significa que algo que custava R$ 100 em julho de 1994 custou em abril R$ 590,37.

Neste mesmo período, o CPI (Consumer Price Index) americano acumulado foi de 69,82%. Isso significa que algo que custava US$ 100 em julho de 1994 custou em abril US$ 169,82.

Dado que a taxa de câmbio, como explicado, tem de refletir o poder de compra relativo entre ambas as moedas, então a divisão de um poder de compra pelo outro fornecerá uma estimativa razoável de qual deve ser o "câmbio correto". 

Dividindo-se R$ 590,37 por US$ 169,82 temos um câmbio de 3,47 reais por dólar.

Observe que este valor de mercado está hoje abaixo do atual valor de R$ 4,08, o que indica que o real estaria desvalorizado em relação ao dólar.

Entretanto, o IPCA não necessariamente é o mensurador definitivo. Podemos também utilizar o IGP-M, que historicamente acumula taxas maiores que o IPCA.

De julho de 1994 a julho de 2018 (última data para a qual há dados), o IGP-M acumulado foi de 655,52%, o que significa que algo que custava R$ 100 em 1994 custou em abril R$ 755,52.

Dividindo-se R$ 755,52 por US$ 169,82 temos um câmbio de 4,45 reais por dólar.

Esse valor mais extremo é bem mais alto que os 4,08 atuais, indicando que de fato ainda pode haver espaço para mais desvalorizações. Por essa métrica, o real ainda estaria valorizado em relação ao dólar.

Entretanto, vale ressaltar que, ao menos por enquanto, não há nenhuma base para dizer que o valor correto do dólar é R$ 5,30, com insinuou Rogério Xavier. Caso o dólar chegue rapidamente a esse valor no período eleitoral, aí sim, por todas as métricas possíveis, podemos dizer com certeza que o real estaria extremamente desvalorizado.

Portanto, temos que, pela teoria da paridade do poder de compra, o valor mínimo do "câmbio correto" hoje seria de 3,47. E o máximo seria de 4,45. Isso dá um valor médio de 3,96.

Consequentemente -- e tendo-se em mente exclusivamente o cenário atual (os valores aqui encontrados, por motivos óbvios, não se aplicarão daqui a um ano) --, se o dólar cair para menos de R$ 3,47, o real estará sobrevalorizado, o que ajudará bastante no combate à inflação de preços (com efeito, foi isso o que foi previsto em artigo semelhante publicado em maio de 2016, e foi exatamente o que de fato ocorreu até o final de 2017: o câmbio caiu para baixo do "valor mínimo" e ajudou enormemente a segurar o IPCA). 

Caso o dólar fique acima de R$ 3,96, isso tenderá a estimular a inflação de preços. Caso fique acima de R$ 4,45, tem-se carestia forte. E caso chegue aos R$ 5,30 de Rogério Xavier, estaremos flertando com a Argentina.

Conclusão

Por acaso estaria eu dizendo que um destes três é o valor corretíssimo e acurado para o câmbio? Claro que não. Mas o que posso dizer, e sem sombra de dúvidas, é que o valor "correto" do câmbio, ao menos considerando o atual arranjo da economia, está entre esses valores. Por enquanto, ainda está longe de R$ 5,30.

Isso, entretanto, não significa que o dólar não possa de fato chegar a R$ 5,30. É sim possível que turbulências políticas, bem como a eleição de um populista, o levem a esse valor. No entanto, caso isso aconteça, vale ressaltar que o real estará bastante subvalorizado, pois seu poder de compra é maior do que esse valor indica. Caso chegue a esse valor, especuladores poderão ganhar muito dinheiro fazendo arbitragem.

Um exemplo de subvalorização do real aconteceu em 2003. O real começou o ano extremamente desvalorizado por causa da eleição de Lula. Sua eleição levou a uma grande fuga de capitais. Porém, tão logo sua equipe econômica ortodoxa pôs em prática seu plano de governo (superávit primário acima de 4% e SELIC a 26,50%), o real rapidamente se valorizou e voltou ao seu "valor correto" (daquela época).

Este assunto é de crucial importância porque defender a desvalorização da moeda é uma política que, infelizmente, nunca morre. E aqui não estou me referindo a Rogério Xavier, que não defende isso, mas sim à equipe econômica de alguns candidatos à presidência.

Desvalorizar o câmbio é uma política vista como a solução mágica para todas as agruras econômicas. É vista como estimuladora de exportações, como a solução para a baixa competitividade de nossas empresas e indústrias, e como a salvadora da balança comercial. 

No entanto, tudo o que ela realmente consegue alcançar é destruir a renda da população (principalmente dos mais pobres), elevar o custo de vida, elevar os custos de produção das empresas e das indústrias, e enfraquecer toda a economia. (Veja todos os detalhes teóricos e empíricos aqui).

Por tudo isso, sempre que algum economista disser que sabe o valor correto do câmbio de equilíbrio, faça esse cálculo e veja quão realmente honesto ele está sendo. Não lhe conceda um passe-livre. Não permita que ele defenda livremente a destruição do poder de compra do seu salário, da sua renda, da sua poupança.  

Em qualquer civilização, o poder de compra da moeda deveria ser inegociável.

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Leia também:

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Sobre o autor

Leandro Roque

Leandro Roque é editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

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