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Economia

A falácia do “preço justo” está de volta - e com direito a prisões de comerciantes

Por que tal expressão atenta contra a lógica (exceto em uma situação causada pelo próprio estado)

04/06/2018

A falácia do “preço justo” está de volta - e com direito a prisões de comerciantes

Por que tal expressão atenta contra a lógica (exceto em uma situação causada pelo próprio estado)

Depois de a greve dos caminhoneiros causar uma grande escassez de produtos nos supermercados, o que levou a uma alta em seus preços, a mídia, as autoridades e os "especialistas" voltaram a usar uma expressão que andava meio sumida: o tal "preço justo".

Já há até uma tal 'Operação Preço Justo' ocorrendo em alguns estados do país, em que policiais civis fazem batidas em estabelecimentos para fiscalizar os preços e prender aqueles comerciantes que estejam vendendo mercadorias a um preço considerado "alto" pelos burocratas.

É o totalitarismo estatal em seu esplendor. Uma volta à era dos fiscais do Sarney e das tabelas da Sunab -- algo que, em nome do nosso bem-estar, tem de acabar imediatamente.

Como a expressão 'preço justo' mistura um conceito econômico com outro moral, devemos analisá-los separadamente.

O que é o preço

Os preços são mecanismos por meio dos quais compradores se comunicam com vendedores e vice-versa.

Por esse motivo, antes de entendermos a função dos preços, é importante fazer uma distinção entre "preços" e "propostas", dois termos distintos que, em nosso uso diário, tendemos a tratar como sinônimos.

Um preço é apenas uma razão (no sentido matemático do termo, isto é, o resultado de uma divisão) resultante da interação de duas mercadorias; é o quociente resultante da interação entre a oferta de uma mercadoria e a demanda por ela.

Preços surgem quando duas mercadorias são trocadas por dois indivíduos em uma transação concreta.

Entretanto, os "preços" que vemos no supermercado para cada bem disponível não são preços, mas sim propostas -- e se tornarão preços somente se o bem for comprado.

Se o "preço" de um saco de batatas está colocado a $500, mas ninguém compra, então é errado dizer que o preço dele são $500. O supermercado tentou vender a $500, mas tal valor foi recusado.

Empreendedores, sendo humanos, podem cometer erros. Um empreendedor pode oferecer um bem por um "preço" (proposta) alto demais e então descobrir que ele não conseguiu vender unidades suficientes para fazer o investimento valer, sendo então forçado a diminuir o preço para aumentar as vendas.

Isso não significa que o preço inicial estava errado e que o novo preço está certo: significa apenas que o empreendedor está reagindo à nova informação adquirida após sua primeira tentativa. Se mais informações chegarem, o preço será novamente ajustado, para cima ou para baixo.

Essa, aliás, é a essência do processo empreendedorial: reagir às mudanças que ocorrem no mercado, tentando sempre se adaptar às novas preferências demonstradas ou antecipadas pelos consumidores.

A função dos preços em uma sociedade

Tendo em mente este básico, podemos dizer que, grosso modo, em economia, o preço é um conceito que pode ser traduzido como o 'termômetro da escassez': é o mecanismo que transmite aos agentes do mercado, tanto do lado da oferta quanto da demanda, informações sobre o nível de escassez de determinada mercadoria ou serviço.

Em um mercado sem intervenções, tabelamentos, estabelecimentos de pisos ou tetos, a variação do preço de um produto informa as condições de oferta e demanda do mesmo.

Mais ainda: preços possuem um papel fundamental em uma economia de mercado.

O sistema de preços, quando deixado a funcionar livremente, é um engenhoso método de comunicação e coordenação. Os preços livremente formados nos informam não apenas sobre a abundância ou escassez de cada bem ou serviço específico, como também coordenam como cada bem e serviço será usado em um dado processo de produção. 

Para os consumidores, um aumento nos preços de um produto sugere que este se tornou mais escasso. Consequentemente, os consumidores irão reduzir o consumo deste produto em decorrência deste aumento do preço e procurar por substitutos mais baratos.

Para os produtores, os preços maiores deste produto informam que pode haver maiores oportunidades de lucro para entrar neste mercado específico. Estes novos concorrentes irão ou produzir mais deste produto, aumentando sua oferta, ou produzir bens alternativos para concorrer com o produto em questão.

Este é o processo de descoberta que define a essência do mercado. E é este processo, quando deixado a ocorrer livremente, que garante que os preços estejam sempre em níveis que tendam a equilibrar oferta e demanda.

Por isso, assim como quebrar o termômetro não resolverá a febre, impedir que um determinado preço flutue livremente só provocará excedentes ou escassez.

Milton Friedman resumiu a questão de forma magistral: 

Os economistas podem não saber muito. Mas de uma coisa sabemos muito bem: como produzir excedentes e escassez. Quer um excedente? Faça o governo legislar um preço mínimo, que se situe acima do preço que de outra forma prevaleceria no livre mercado. Foi o que fizemos em diversas ocasiões e acabou resultando em excedentes de trigo, de açúcar, de manteiga, e de vários outros bens, trazendo prejuízos para seus produtores. Quer uma escassez? Faça o governo legislar um preço máximo, que se situe abaixo do preço que de outra forma prevaleceria.

Tudo depende de que lado você está

Todos nós temos estranhos e contraditórios desejos acerca de como os preços devem funcionar. Ficamos ultrajados quando os preços dos alimentos e da gasolina sobem. Nunca queremos que eles aumentem e nunca achamos que eles devem aumentar. 

No entanto, a coisa muda em relação a, por exemplo, imóveis e ações. Quando os preços caem, as pessoas se desesperam. "Como é possível que minha própria casa caia de preço?!". "Os preços das ações em meu portfólio desabaram na crise! Estou mais pobre! Isso é injusto!" 

Ou seja, como indivíduos, desejamos que alguns preços sempre subam e que outros sempre caiam. No final, tudo vai depender da posição em que estamos: se na do consumidor ou na do produtor. 

Enquanto proprietários, somos de fato "produtores" de nossos imóveis e ações, o que quer dizer que estamos mantendo nossos imóveis e ações com a esperança de que, algum dia, iremos colocá-los à venda. Queremos que seus preços sempre subam. 

Já em relação às coisas que queremos comprar, como gasolina, alimentos, roupas, viagens, alugueis, eletroeletrônicos etc. queremos que seus preços sejam os mais baixos possíveis. Queremos que seus preços caiam continuamente. Queremos poupar recursos.

Portanto, o que está em jogo aqui é o interesse próprio. 

Pense na mesma situação do ponto de vista de alguém que esteja comprando um imóvel. Esta pessoa, obviamente, quer o preço mais baixo possível, de modo que, para ela, um eventual estouro de uma bolha imobiliária seria uma dádiva. Porém, tão logo ela se torne uma proprietária de imóvel, a situação se altera. Agora ela quer que os preços subam constantemente.

O mesmo vale para o proprietário de um supermercado. Se os preços cobrados não afetassem sensivelmente seu volume de vendas, ele iria querer os preços mais altos possíveis. Já esse mesmo indivíduo, enquanto consumidor, quer comer nos melhores restaurantes ao menor preço possível.

E funciona assim em todos os mercados. Compradores sempre querem pagar $0 por algo. Vendedores sempre querem vender esse algo por $1 trilhão (ou qualquer outro valor que ele considere astronômico). Sendo assim, como é que a pessoa que quer pagar $0 e a pessoa que quer receber $1 trilhão chegam a um acordo? Ambos chegam a um meio termo, um valor no qual o produto vale mais para o comprador do que o dinheiro que ele está disposto a abrir mão, e no qual o dinheiro que o comprador dará pelo produto vale mais para o vendedor do que o produto. Os termos resultantes são chamados de preço.

E esse preço será influenciado pela concorrência (interna e externa) entre os vendedores e também entre os compradores. Quanto mais vendedores ofertando o mesmo produto, menores os preços. Quanto mais compradores demandando o mesmo produto, maiores os preços.

Com isso, é possível ver por que é totalmente absurdo tentar moldar a política nacional em torno dos interesses de apenas um dos lados de uma transação. Tentar, por exemplo, manter os preços dos imóveis e das ações altos e crescentes representaria uma trapaça contra os compradores. E tentar manter os preços baixos seria uma vigarice contra os atuais proprietários. Manter os preços dos alimentos altos ajuda os agricultores, mas prejudica os consumidores. Já uma redução forçada nos preços dos alimentos pode empolgar os consumidores, mas os produtores podem acabar sendo tão prejudicados a ponto de irem à falência, o que resultaria em uma acentuada redução na oferta de comida. E isso não seria bom para ninguém.

O que é um "preço justo"?

Por tudo isso, a alegação de que haveria um "preço justo" nos leva a inferir que existiria um preço injusto, o que é uma contradição em termos, já que, por definição, toda troca livre é sempre voluntária e, consequentemente, vantajosa para todas as partes.

Se você entra em um supermercado e compra 1Kg de batatas, mesmo em tempo de escassez como agora, é porque valoriza mais o produto do que o dinheiro que pagou por ele. O raciocínio inverso vale para o dono do supermercado. Ninguém obrigou você a comprar nem o vendedor a vender.

Como o conceito de justiça é um conceito moral e não econômico, não é difícil inferir que uma transação justa é aquela livremente acertada entre compradores e vendedores, locadores e locatários, mutuantes e mutuários em qualquer transação.

Transação justa é aquela que, acima de tudo, respeita a propriedade privada e a liberdade dos contratantes. Justo, portanto, é o preço que você aceita pagar em troca de uma mercadoria ou serviço -- até porque quem determina o preço, no fim das contas, é sempre quem paga.

Quando realmente ocorre uma injustiça

Agora, de fato há maneiras de um preço se tornar uma questão de injustiça: isso ocorre quando os preços resultam de um ato de força ou são influenciados por ele, como ocorre quando há protecionismo, monopólios estatais, reservas de mercado e demais medidas impostas pelo governo que geram restrições artificiais da oferta. 

Por trás de cada um destes atos, encontramos coerção: um grupo de pessoas ditando ordens ou restringindo transações voluntárias de uma maneira que é incompatível com a liberdade de escolha. 

Comprovadamente, isto não é justo.

Assim, quando reclamamos que algum preço é injusto, temos antes de analisar quais restrições estão ocorrendo no mercado, ou examinar o papel que os impostos, as tarifas protecionistas, as regulações e as reservas de mercado garantidas pelo governo estão desempenhando em jogar os preços para um nível muito acima do que estariam caso houvesse um ambiente de plena liberdade de mercado.

Conclusão

Se analisada um pouco mais a fundo, essa falácia de que o "preço justo" deve ser estabelecido arbitrariamente por alguns burocratas iluminados, e não de comum acordo entre as partes contratantes, é, na verdade, uma inversão completa de valores. E, na maior parte das vezes em que é utilizada, trata-se de uma forma indireta de justificar a interferência dos governos nos mercados -- para benefício de alguns e prejuízo de outros.

Ao contrário do que sugerem os intervencionistas, o que determina, em última análise, a justiça de uma transação não é o custo efetivo do vendedor ou a capacidade de pagamento do comprador, mas principalmente as expectativas das partes em relação à transação.

E, no que diz respeito àqueles que acreditam que todos os preços deveriam sempre se mover de tal maneira a beneficiar seus próprios e específicos interesses econômicos em detrimento de todos os outros indivíduos, apenas uma observação: não confundam seus desejos com justiça. Os preços vigentes em uma economia de mercado são um reflexo de acordos cooperativos envolvendo pessoas dotadas de liberdade de escolha. Ninguém tem o direito de interferir nisso. Não seria algo justo.

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Sobre o autor

João Luiz Mauad e Leandro Roque

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas)

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