Economia
Três luzes verdes, duas amarelas e uma vermelha - a Argentina segue balançando (dados atualizados)
O que melhorou, o que ficou no meio do caminho e o que se tornou crítico desde a posse de Macri
Três luzes verdes, duas amarelas e uma vermelha - a Argentina segue balançando (dados atualizados)
O que melhorou, o que ficou no meio do caminho e o que se tornou crítico desde a posse de Macri
Nota do Editor
O dólar está se fortalecendo em todo o mundo, mas na Argentina a coisa está sendo especificamente mais feia. Desde abril deste ano, o dólar já subiu 10%. E desde abril do ano passado, já subiu incríveis 43,5%.
Para conter essa escalada, o Banco Central da Argentina acabou de anunciar, nesta sexta-feira, 4, uma elevação da taxa básica de juros para 40% ao ano. Para se ter uma ideia, a taxa estava em 27,25% há apenas uma semana. A instituição já havia aumentado os juros ontem (quinta-feira) e elevou hoje de novo. E, na sexta-feira da semana passada, também já havia elevado. O objetivo é tentar conter a maior demanda por dólares e a consequente desvalorização do peso. Em uma semana a taxa básica subiu 12,75 pontos percentuais.
Desde que Macri foi eleito, este Instituto vem repetindo em nossos artigos sobre a Argentina: o câmbio é o segredo da estabilidade (de qualquer governo). Se ele se descontrolar, sua presidência vai ser curta. E o segredo para não deixar o câmbio descontrolar é restringir a expansão monetária e controlar o déficit fiscal. O governo Macri, dominado por gradualistas, não fez nada disso. Se continuar gradualista, corre o risco de não terminar o mandato -- como, aliás, ocorre com todo argentino não-peronista.
O artigo a seguir, publicado originalmente em janeiro de 2018, contém algumas atualizações que explicam a atual situação.
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O que houve de melhor e de pior na economia argentina desde a posse de Maurício Macri, em dezembro de 2015? Quais os avanços? O que ainda pode melhorar? Houve retrocessos?
A melhor maneira de fazer uma análise abrangente e ao mesmo tempo concisa é recorrendo à metáfora do semáforo de trânsito, com cada "luz" indicando o melhor, o mediano e o pior das medidas e políticas implantadas nestes últimos dois anos.
O balanço geral é que, levando-se em conta a herança que recebeu, o atual governo argentino está se movendo relativamente bem, gerando melhores expectativas e condições para o investimento.
Entretanto, é imprescindível destacar um pronunciado divórcio entre os discursos e as medidas concretas.
Luzes verdes
Não há dúvidas de que a primeira luz verde da economia foram as reformas mais liberalizantes do primeiro semestre da administração. Tudo aquilo que para a grande parte da opinião pública pareceu brutal foi o que de melhor fez o governo desde seu primeiro momento.
A abolição do cepo cambial[1], a eliminação das "retenções" (taxação média de 30% das exportações da indústria e dos produtos agropecuários, exceto a soja, cuja tarifa de exportação foi reduzida de 35 para 30%), o acordo os credores estrangeiros, e a atualização das tarifas dos serviços de utilidade pública (congelados durante o governo Kirchner) foram medidas extremamente necessárias para normalizar a economia.
A Argentina estava afogada em um emaranhado de controles e intervenções que haviam levado o país ao estancamento econômico. Ainda há muito a ser desregulamentado, mas, sem dúvidas, o que já foi feito indica um movimento na direção correta.
Outra luz verde deste período foram os discursos presidenciais. Desde aquela vez em que Macri disse que o papel do governo era como o de um zelador de um campo de futebol (que tem de aparar a grama e pintar as linhas dos contornos, mas deixar que o setor privado "jogue a partida") até os seus mais recentes, em que destaca a necessidade de reduzir o gasto público para a economia voltar a crescer, o presidente parecia estar marcando um rumo claro e de acordo com os pedidos dos economistas mais sensatos.
O problema da decadência argentina é o excesso de estatismo, o qual se transformou em um gasto público impagável, em um emaranhado de regulações paralisantes, e em um pronunciando isolamento em termos de comércio internacional. Em suas declarações mais recentes, Macri reconheceu esses problemas e afirmou estar disposto a encará-los.
A terceira luz verde é a atual recuperação da economia. Após o inevitável reajuste de 2016, a recuperação subsequente era previsível. Hoje, a grande maioria dos setores cresce e o setor privado voltou a criar emprego.
Gráfico 1: crescimento econômico acumulado em 12 meses
O mais positivo, ademais, é que desta vez a economia não está se recuperando em decorrência de políticas fiscais e monetárias ultra-expansionistas, mas sim com um Banco Central cujo objetivo passou a ser realmente o de reduzir a inflação de preços e um Ministério da Fazenda que se autoimpôs metas fiscais mais rígidas (mais abaixo veremos com que grau de êxito).
Ou seja, atualmente, a economia argentina cresce não por um estímulo ao consumismo de curto prazo, mas sim porque há maior confiança e mais liberdade econômica para investir, poupar e produzir.
Luzes amarelas
A primeira luz amarela destes dois anos é a luta contra a inflação de preços.
A carestia, de fato, está desacelerando. Com efeito, terminou o ano de 2017 em seu mais baixo nível desde 2011, sendo quase a metade do que foi em 2016. Esta, a priori, é uma notícia muito boa.
Gráfico 2: taxa de inflação de preços acumulada em 12 meses
Não obstante, apesar da queda, o fato é que o Banco Central não cumpriu suas metas. A inflação de preços foi de 25% em 2017, ou 8 pontos percentuais acima do teto da meta estabelecida. [N. do E.: como se nota, na Argentina a tolerância com a inflação é abismal; daí o profundo empobrecimento vivenciado pelo país nas últimas décadas].
Trata-se de uma diferença importante, a qual afeta a credibilidade do Banco Central e, consequentemente, de todo o sistema.
Pode até ser que o Banco Central tome medidas para que isso não volte a acontecer no futuro; porém, dado que as metas não foram cumpridas, e considerando que o país segue tendo uma das inflações de preços mais altas do mundo, o combate à mesma segue sendo uma conta pendente.
Outra luz amarela são as grandes reformas ainda pendentes. O governo se jacta de estar negociando junto ao parlamento o pacote de reformas mais ambicioso da história. No entanto, esse pacote -- anunciado após a vitória de seu partido nas eleições de 2017 e com um enorme capital político -- foi formulado em conjunto com aqueles que são os responsáveis pelos problemas mais prementes do país.
A reforma trabalhista, por exemplo, está sendo negociada com os sindicatos, os principais inimigos de um mercado de trabalho mais livre e flexível, o qual os faria perder privilégios.
A reforma tributária, por sua vez, embora tenha pontos positivos e reduza impostos para alguns setores, prevê aumento de impostos para outros setores, com o argumento de que será "neutra" em termos de arrecadação. A verdade é que, para que a reforma fiscal tenha um efeito verdadeiramente positivo, ela não deve ser "neutra" em termos de arrecadação, mas sim tem de reduzir a arrecadação em conjunto com o gasto público. O que se viu neste sentido, até agora, foi pouco e nada.
Estas reformas anunciadas, por enquanto, ficam apenas na metade do caminho, e é possível (e preocupante) que não cheguem a ter um efeito real no crescimento econômico de que o país tanto necessita.
Luz vermelha
A luz vermelha mais brilhante da era Macri é o desequilíbrio das contas públicas. E ela está afetando tudo.
"Não é sustentável este déficit orçamentário da Argentina; tem de ser diminuído. Tem de haver uma atitude do cidadão de exigir austeridade, de que o governo cuide bem do dinheiro."
Estas palavras não são minhas, mas do próprio presidente do país. Como dito acima, seus discursos são bons, mas e a prática?
Desde que tomou posse, Macri, para ficar politicamente de bem com todos, anunciou aumentos para os aposentados, para os salários dos professores, e aceitou frear o ajuste tanto das tarifas (congeladas durante todo o governo de Cristina Kirchner) quanto da reforma do setor público.
Tudo isso gerou um déficit de quase 5% do PIB.
Gráfico 3: déficit fiscal do governo federal em relação ao PIB
E, para cobrir esse déficit, o governo Macri recorreu às duas magias tipicamente argentinas: endividamento e inflação monetária. Mas, mesmo com a Argentina sendo novamente aceita no mercado internacional de crédito, o governo não conseguiu abrir mão de sua outra forma de financiamento, que sempre foi a principal: criando dinheiro.
Como mostra o gráfico abaixo, a expansão da base monetária -- uma variável totalmente sob controle do Banco Central argentino -- foi de mais de 65% desde janeiro de 2016.
Gráfico 4: evolução da base monetária argentina
Como consequência, a oferta monetária segue crescendo intensamente sob o governo Macri. O M1 cresceu mais de 70% no mesmo período.
Gráfico 5: evolução do M1 argentino
Essa mistura de frouxidão fiscal coberta por expansão monetária está sendo fatal para o câmbio. O dólar já encareceu mais de 100% desde o final de 2015.
Gráfico 6: evolução da taxa de câmbio da Argentina
Tudo isso, obviamente, começa pelo déficit fiscal coberto com emissão monetária.
O governo federal da Argentina teve, por três anos seguidos, um déficit fiscal superior a 5% do PIB. Não há muitos países no mundo em condições similares [excetuando-se os países da África e aqueles em guerra, apenas Brasil, Bolívia e Venezuela estão piores], e até o próprio Ministro da Fazendo disse que "se não reduzirmos o déficit fiscal iremos nos expor a uma crise macroeconômica".
Sendo assim, o que o governo está esperando para reduzi-lo?
Conclusão
Os dois anos e meio do atual governo Macri merecem uma avaliação positiva em termos gerais, mas também apresentam algumas contas pendentes e, pior, luzes vermelhas que merecem atenção imediata -- as quais, se não forem domadas, colocarão tudo a perder.
[1] Implantado pelos Kirchner, o cepo cambial consistia no controle do mercado de dólares pelo governo, que dificultava a compra de dólares para importações e obrigava os exportadores a converter os dólares de suas exportações em pesos a uma taxa artificialmente valorizada, o que diminuía as receitas em peso; o Banco Central pagava aos exportadores somente 63% do valor de seus produtos vendidos para o exterior. A inevitável consequência dessa medida foi estimular os produtores a estocar sua produção e vendê-la no mercado paralelo.
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