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Economia

Criptomoedas privadas versus criptomoedas estatais - eis a batalha que nos aguarda

Por que os governos querem emitir sua própria criptomoeda

31/10/2017

Criptomoedas privadas versus criptomoedas estatais - eis a batalha que nos aguarda

Por que os governos querem emitir sua própria criptomoeda

Recentemente, o governo da Rússia anunciou que vai lançar o CryptoRublo, isto é, o rublo em forma de criptomoeda. Isso ocorreu apenas uma semana apos Vladimir Putin ter criticado duramente o Bitcoin e outras criptomoedas privadas.

Ao anunciar a medida, o ministro das comunicações Nikolay Nikiforov reconheceu que seu objetivo, ao menos em parte, é sair na frente de outros governos:

Com convicção afirmo que temos de emitir o CryptoRublo por um motivo muito simples: se não fizermos isso agora, daqui a uns dois meses nossos vizinhos da União Econômica Eurasiática o farão.

Ao agir assim, a Rússia repete uma medida já anunciada por outro país que também se tornou hostil às criptomoedas privadas: a China. Em julho passado, o Banco Popular da China tornou-se o primeiro Banco Central do mundo a anunciar que desenvolveu um protótipo criptomonetário por meio do qual planeja oferecer moedas digitais em paralelo ao tradicional renminbi.

Com efeito, não é nada surpreendente que as primeiras incursões no campo das criptomoedas estatais provenham de dois países que possuem um amplo histórico de restrição a uma internet livre e aberta. Ao passo que o Bitcoin se originou como uma maneira de driblar tanto o controle estatal da oferta monetária quanto o sistema bancário convencional (regulado pelo governo), a realidade atual é que cada vez mais os governos estão vendo essa tecnologia como uma forma de aumentar seu controle sobre a economia.

Em outras ocasiões, o Banco Central da Inglaterra, o Banco Central do Canadá e alguns outros bancos centrais também já expressaram a intenção de emitir suas próprias moedas digitais.

Para não ficar para trás, o FMI -- o qual, segundo analistas como Jim Rickards, está se preparando para, com sua moeda, substituir o dólar americano como a próxima moeda internacional de reserva e de transações -- recentemente insinuou que já planeja emitir sua própria criptomoeda no futuro. Enquanto alguns defensores de criptomoedas ingenuamente celebraram os recentes comentários elogiosos da diretora-gerente do FMI Christine Lagarde sobre o Bitcoin e o grande futuro das moedas digitais, tais elogios simplesmente refletem a crescente conscientização dos tecnocratas de que o sistema financeiro está mudando e que eles devem estar preparados para isso.

Considerando que os Bancos Centrais de todo o mundo continuam intensificando sua "guerra ao dinheiro em espécie", não é surpreendente ver Lagarde e outros se adaptarem ao conceito tão rapidamente.

Com efeito, são dois os principais motivos dessa incursão estatal nas criptomoedas.

1. Abolir o dinheiro em espécie

Governos odeiam o dinheiro em espécie. Embora seja a forma original de dinheiro, o fato é que o dinheiro em espécie simplesmente não tem como ser rastreado pelo governo. O governo não tem como saber a localização de cada cédula, quem está em posse dela, ou mesmo se ela ainda existe. Isso faz com que o dinheiro em espécie seja o meio de pagamento preferível para tráfico de drogas, contrabando, evasão de impostos, lavagem de dinheiro e financiamento de atividades terroristas.

O mundialmente famoso economista Kenneth Rogoff, professor de Harvard e ex-membro do FMI, publicou recentemente um livro pavorosamente intitulado The Curse of Cash (A maldição do dinheiro vivo). O livro vem colhendo elogios efusivos de gente como Ben Bernanke, Alan Blinder e Michael Woodford. Em seu livro, Rogoff simplesmente defende a abolição de todo e qualquer dinheiro em espécie, e não apenas de cédulas de alto valor nominal. Embora admita que usar dinheiro vivo tenha algumas vantagens, Rogoff alega exatamente o que foi dito acima: segundo ele, o grosso do dinheiro vivo é utilizado para facilitar a evasão de impostos e para financiar atividades ilegais, como tráfico de drogas e de seres humanos, bem como o terrorismo.

Rogoff também argumenta que uma economia sem dinheiro em espécie deixaria a política monetária mais eficiente, impedindo que as pessoas retirassem dinheiro dos bancos sempre que os banqueiros centrais -- aconselhados por economistas sagazes como Rogoff -- decidissem que a taxa de juros ótima para uma economia tem de ser negativa.

(Essa, aliás, é a razão de o Banco Central Europeu ter parado de emitir as cédulas de 500 euros. Nos EUA, o ex-secretário do Tesouro Lawrence Summers está agitando pela abolição de cédula de 100 dólares).

Em uma sociedade em que uma moeda digital (criptomoeda) emitida por um Banco Central seja plenamente adotada, o dinheiro físico estará efetivamente abolido e o governo poderá monitorar toda e qualquer transação financeira de cada um dos cidadãos, podendo inclusive invalidar aquelas que ele considerar ilegais.

2. Fazer um ajuste mais fino da política monetária

Bancos Centrais têm toda a confiança de que podem regular e controlar a economia por meio de suas políticas monetárias. Só que nem sempre elas funcionam como inicialmente planejado.

Por exemplo, eles aumentam a base monetária (isto é, injetam dinheiro no sistema bancário) para estimular a economia; no entanto, nem sempre os bancos emprestam esse dinheiro. E, quando emprestam, nem sempre é para quem os burocratas queriam. Aquele dinheiro que deveria ir para a economia real (comércio, serviços e investimentos físicos) normalmente é direcionado para o mercado financeiro para fins especulativos.

Já as moedas digitais permitem um total controle sobre o que poderá ser feito com este dinheiro. Como elas são programáveis, o governo poderá até mesmo controlar exatamente como e com quem este dinheiro será gasto.

Exemplo: suponha que o governo planeja subsidiar alguns agricultores que cultivam milho. Para apoiar este setor da agricultura, o governo pode adicionar diretamente uma quantia específica de dinheiro digital nas carteiras desses agricultores -- por exemplo, $ 100 milhões -- e programar esse dinheiro para ser enviado a determinados vendedores de fertilizantes em um determinado momento, permitindo que cada agricultor só possa gastar no máximo $ 10 milhões por ano. Assim, o governo consegue garantir que os agricultores não gastem o subsídio em outras coisas e que o dinheiro não flua para outros setores, como o mercado de ações ou o mercado imobiliário.

Ainda que este tipo de política monetária esteja fadado ao fracasso, o fato é que, da perspectiva do governo, a moeda digital emitida por seu Banco Central é uma ferramenta mais eficaz. Para o governo, um Banco Central atuando com sua própria criptomoeda permitirá um planejamento e um gerenciamento mais eficazes da economia.

As exchanges (casas de câmbio) já estão começando a ser reguladas

Essa grande utilidade, para o governo, das criptomoedas estatais é a razão por que devemos esperar mais escrutínio e regulação sobre as casas de câmbio, hoje usadas exclusivamente pelas criptomoedas privadas.

Há relatos de que o governo chinês, que fechou algumas casas de câmbio privadas em setembro, está pretendendo reabri-las sob uma maior regulação. A Rússia também está fazendo o mesmo: em vez de apenas proibir as casas de câmbio privadas, o governo está aumentando a regulação sobre elas.

Essa aparente mudança de postura pode também ser explicada pelo fato de que a proibição das casas de câmbio imposta pelo governo chinês não só não funcionou, como também resultou em um acentuado aumento na utilização da plataformas peer-to-peer em resposta a essa repressão do governo.

Assim como o governo prefere contas bancárias estritamente reguladas em vez de dinheiro em espécie, burocratas estatais também reconhecem o benefício de ter casas de câmbio reguladas em vez de proibidas. Com efeito, várias casas de câmbio já se mostraram dispostas a coletar e entregar ao governo informações confidenciais de seus clientes em troca de licenças operacionais emitidas pelo estado. Assim como bancos, essas casas de câmbio estão sendo aliciadas como futuras coletoras de impostos para o governo.

Calmaria antes da tempestade?

Embora esta perda de privacidade possa indignar os entusiastas mais antigos do Bitcoin, é compreensível que muitos usuários atuais estejam satisfeitos com esses acontecimentos.

Afinal, ao passo que grande parte do apelo inicial do Bitcoin era exatamente o fato de ser uma moeda digital não rastreada pelo estado, uma das principais razões para o seu astronômico aumento de valor é o seu crescente apelo entre pessoas comuns, as quais procuram a moeda não para fugir do estado, mas sim como um investimento. Para essas pessoas, a regulação estatal é bem-vinda, pois elas acreditam que trará maior segurança.

Com efeito, não só ajudou a aumentar seu atrativo como um investimento, como também ampliou seu uso diário. O Japão, por exemplo, viu um grande aumento da aceitação do Bitcoin por varejistas tão logo um firme quadro regulatório foi implantado pelo governo

É de imaginar se essa harmonia entre governo e consumidores continuará assim que as criptomoedas controladas pelo estado realmente se estabelecerem.

Afinal, já vimos o governo se valer dos "suspeitos de sempre" -- terroristas, traficantes, sequestradores e outros criminosos -- como justificativa para aumentar seu controle. O uso crescente de Bitcoin por hackers e extorsionários fornece uma desculpa mais moderna. Com efeito, não é tão difícil prever um cenário no qual os governos resolvem confiscar e estatizar todas as casas de câmbio reguladas por ele após algum ataque terrorista ou coisa parecida. Ou, indo mais além, um cenário em que os governos ordenam legalmente a substituição de um ativo privado (Bitcoin) para a criptomoeda emitida pelo governo.

O exemplo da China demonstra que a natureza inerentemente descentralizada do Bitcoin provavelmente sempre assegurará um certo grau de funcionalidade fora do alcance do governo. Ao mesmo tempo, no entanto, o aumento do apelo popular da criptomoeda também significa um aumento da dependência de serviços de terceiros, o que pode levar a menos pessoas deixando sua moeda em carteiras privadas. E, dado que as casas de câmbio mais populares -- portanto, mais lucrativas -- têm um incentivo para manter um bom relacionamento com as autoridades legais, é fácil ver como isso pode cair como uma luva para os reguladores estatais.

Atualmente, entre os usuários das criptomoedas privadas, está havendo um intenso e furioso debate: de um lado, aqueles que priorizam a "eficiência" e que querem tornar o Bitcoin uma moeda mais convencional e acessível às pessoas; de outro, aqueles que querem manter a natureza do Bitcoin como uma moeda descentralizada e fora de qualquer alcance dos governos.

Com alguma sorte, a essência austro-libertária original do Bitcoin prevalecerá, e seus usuários mais antigos terão mais influência e não aceitarão que a moeda se submeta a esta tentativa de controle estatal.

Sobre o autor

Tho Bishop

É consultor político da Bishop Associates, em Panama City Beach, Flórida, e diretor das mídias sociais do Mises Institute americano.

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