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“Para impedir que os ricos influenciem a política, temos de aumentar o estado!”. Faz sentido?

A incapacidade de ver causa e consequência

03/08/2017

“Para impedir que os ricos influenciem a política, temos de aumentar o estado!”. Faz sentido?

A incapacidade de ver causa e consequência

O temor é recorrente e os argumentos são sempre os mesmos: em uma sociedade bastante desigual, em que poucos indivíduos são extremamente ricos, estes se tornarão capazes de controlar a ação do governo e de conseguir privilégios à custa do resto da sociedade.

Por meio do lobby, das propinas, das doações de campanha e das trocas de favores junto a políticos e burocratas, estes super-ricos conseguirão obter privilégios do governo -- como a aprovação de leis que lhes são favoráveis, subsídios, reservas de mercado, e crédito barato junto a bancos estatais -- e, consequentemente, irão se beneficiar à custa dos concorrentes e da população como um todo, aumentando ainda mais as desigualdades de renda e de poder.

Isso é o que a literatura econômica chama de rent seeking: a captura das instituições regulatórias, de políticos e de burocratas com o objetivo de obter privilégios em prol de grupos interesses.

Tais privilégios, além de criar reservas de mercado, distorcer a concorrência, dificultar a entrada de novos empreendedores e diminuir as opções dos consumidores, também afetam a distribuição dos poderes de uma sociedade, fazendo com que os mais ricos se tornem ainda mais poderosos e se distanciem ainda mais dos mais pobres.

Por esta ótica, a acumulação de riqueza pode constituir um risco para a sociedade: com efeito, a captura do poder político por parte de uma oligarquia privada que suborna os governantes corruptos não só é um fenômeno que se observa com regularidade histórica em qualquer comunidade humana, como também é inerente à natureza do homem, sempre inclinada ao abuso do poder e à exploração de seus congêneres.

Para combater tudo isso, alguns já chegaram a propor uma fixação de limites para a acumulação patrimonial: ou seja, propor que exista um limite máximo de capital que uma pessoa possa legitimamente acumular. Tão logo o indivíduo atingisse este valor pré-determinado, o estado passaria a confiscar toda a sua riqueza extra que viesse a ser adquirida a partir daí.

Igualmente, outras pessoas simplesmente dizem que, já que os ricos capturam o estado e o moldam a seu favor, então a solução seria aumentar ainda mais o poder do estado para que este seja ainda mais poderoso que os ricos e não se curve a eles.

Falta de lógica

Obviamente, trata-se do ápice da ingenuidade dizer que a solução para o risco da captura do estado por parte das oligarquias econômicas é conceder poderes ainda mais extraordinários a políticos e burocratas.

A simples existência de mandatários tão poderosos ao ponto de poder expropriar maciça e arbitrariamente a propriedade dos cidadãos constitui um risco ainda mais temível do que a simples existência daquela oligarquia econômica. Afinal, por que temer unicamente o abuso de poder "dos ricos", mas não o abuso de poder dos governantes onipotentes?

Se o objetivo é contrabalançar o perigo do surgimento de uma classe de multimilionários que manejam o estado em interesse próprio, o que deve ser feito não é multiplicar o poder deste estado ao ponto de que este seja capaz de destruir a cada um destes multimilionários. O que deve ser feito é minimizar a margem de atuação legítima do estado sobre a sociedade.

Quem teme que os ricos passem a controlar o estado está, por definição, reconhecendo que o estado se tornou suficientemente poderoso para atemorizar a todos os cidadãos. Logo, a solução não é dar ainda mais poderes a esta instituição maléfica, mas sim lhe retirar o máximo possível.

Um poder político estritamente limitado é um poder político que a ninguém interessa controlar, pois nada poderá conseguir por meio dele.

A autoridade política

Para entender de onde vem o desejo de controlar o estado, é necessário antes entender por que a maioria das pessoas aceita e legitima que o estado faça coisas que, caso fossem feitas por agentes privados, seriam vistas com horror.

Por exemplo, a maioria das pessoas vê com naturalidade que o estado restrinja -- por meio da burocracia, da alta carga tributária e das variadas regulamentações -- a liberdade de empreendimento das pessoas, mas consideraria uma aberração caso um grupo qualquer, de maneira idêntica, também coibisse outras pessoas de empreender.

Por que então toleramos que o estado incorra em atividades que condenaríamos de imediato caso fossem executadas por indivíduos?

Porque, como bem explicou o filósofo Michael Huemer no livro  The Problem of Political Authority, o estado usufrui autoridade política. Autoridade política seria a legitimidade política socialmente reconhecida ao estado para impor leis e usar a coerção sobre a sociedade (sociedade esta que, por sua vez, tem a obrigação política de obedecê-lo). Segundo Huemer, embora a autoridade política seja limitada territorialmente (um estado possui autoridade política somente dentro de seu território), ela é total dentro deste território (todos, ou quase todos, os cidadãos são obrigados a obedecer ao estado). 

Adicionalmente, o estado teria a legitimidade para legislar sobre diversas questões e o conteúdo dessas legislações seria quase ilimitado. Por fim, o estado é apenas um exercício de supremacia, pois, dentro deste território, não há nada que esteja hierarquicamente acima dele.

Neste sentido, podemos definir o estado como aquele ente ao qual a imensa maioria dos cidadãos concede e reconhece autoridade política. O estado, portanto, pode fazer o que faz porque o conjunto da sociedade aceita lhe conceder um vasto poder discricionário -- poder este que a sociedade concede somente ao estado.

Por outro lado, ao menos no Ocidente, os lobbies, os grupos de interesse e os empresários carecem de autoridade política. Se a possuíssem, poderiam atuar à margem do estado, e consequentemente não teriam de exercer essa onerosa intermediação lobista sobre o estado. Se possuíssem autoridade política, poderiam por conta própria fechar mercados, criar monopólios, impor tarifas de importação, e conceder subsídios para si próprios.

Obviamente, por carecerem de autoridade política para exercerem, sozinhos, todos estes despautérios, a sociedade jamais aceitaria que nenhuma empresa ou associação de pessoas se arrogassem tais poderes. 

E, exatamente por carecerem de autoridade política própria, é que os ricos e poderosos encontram apenas uma única via para exercê-la em proveito próprio: valendo-se da autoridade política que possui o estado.

E a isso se dedicam: a exercer pressão sobre os mandatários, a quem os cidadãos reconhecem autoridade política. 

Em outras palavras, os políticos -- detentores de poderes que a sociedade concede apenas a eles -- se aproveitam de sua posição privilegiada e terceirizam os direitos de uso de sua autoridade política no mercado negro dos lobbies e das propinas (naturalmente dominado pelos ricos). Aquele grupo de interesse ou aquele empresário mais pujante receberá o favor do político correspondente.

A estratégia dos políticos, portanto, consiste em "patrimonializar" a autoridade política que a população lhe concedeu. O político capitaliza essa sua autoridade e a arrenda a quem oferecer mais.

A solução

Quanto maior e mais poderoso um governo, quanto mais leis e regulamentações ele tem o poder de criar e impor, mais os multimilionários poderosos e com boas conexões políticas irão se aglomerar em torno dele para obter privilégios e se beneficiar à custa dos concorrentes e da população como um todo.

Um estado grande e poderoso sempre acaba se convertendo em um instrumento de redistribuição de riqueza: a riqueza é confiscada das maiorias desorganizadas (os pagadores de impostos) e direcionada para as minorias organizadas (lobbies, grupos de interesse e grandes empresários com conexões políticas).

A crescente concentração de poder nas mãos do estado faz com que este se converta em um instrumento muito apetitoso para todos aqueles que saibam como manuseá-lo para seu benefício privado.

Multimilionários fazem lobby e conseguem extrair privilégios do estado exatamente porque o estado detém um grande poder regulatório e decisório. Logo, aumentar ainda mais o poder deste estado fará com que seja ainda mais lucrativo capturá-lo.

A única maneira lógica de combater essa distorção é reduzir o estado a uma mínima expressão, limitando enormemente (ou até mesmo eliminar) a autoridade política que socialmente concedemos e reconhecemos ao estado.

Se o estado perde seu poder de conceder privilégios àqueles grupos que o capturam, estes não irão adquirir autoridade política para obter privilégios à custa da sociedade. 

Mas, para que isso seja possível, é necessária uma longa e trabalhosa mudança na mentalidade da população.

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Sobre o autor

Juan Ramón Rallo

É diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri.

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