Política
Trump reverteu praticamente todas as suas promessas de campanha - para deleite do establishment
É assim que funciona a política, e é difícil entender por que as pessoas ainda se surpreendem
Trump reverteu praticamente todas as suas promessas de campanha - para deleite do establishment
É assim que funciona a política, e é difícil entender por que as pessoas ainda se surpreendem
Aconteceu o esperado: os eleitores de Trump estão assistindo à captura do Executivo americano pelo establishment de Washington.
A captura é tão explícita, que todas as suas mudanças de postura estão sendo elogiadas pela grande mídia. O Washington Post, embora continue o atacando 24 horas por dia, já admite que ele vem adotando "posições mais centristas". A BBC também fez a mesma observação.
Em menos de 100 dias, Trump deu uma guinada de 180 graus em várias áreas: Síria, Afeganistão, a promessa de revogar o ObamaCare, a alegação de que a China manipula sua moeda, relações com a Rússia, a importância da OTAN, a promessa de sair do NAFTA, a suspensão de novas contratações de funcionários públicos, a abolição do Ex-Im Bank, a re-nomeação de Janet Yellen como presidente do Federal Reserve, e a urgência de uma reforma tributária. Confira toda a lista aqui.
Comecemos pelos mais óbvios.
Durante toda a sua campanha eleitoral, Trump prometeu abertamente abolir o ObamaCare e, em seu lugar, simplesmente liberar a concorrência entre as seguradoras de saúde (o governo federal americano proíbe que a seguradora de um estado forneça serviços em outro estado). Tal mudança seria ótima.
Porém, logo após sua eleição, ele mudou o tom e, em vez de abolir, passou a falar em "substituir". Para isso, lutou pela aprovação de um novo modelo para o sistema de saúde, repleto de concessões aos democratas, elaborado pelo congressista republicano Paul Ryan.
Este modelo, denominado de RyanCare, era tão repleto de meios-termos, concessões e acomodações estatistas, que a ala mais libertária do Partido Republicano -- denominada de Freedom Caucus -- bloqueou sua aprovação. Trump, então, declarou guerra a eles.
Só que isto será de pouca serventia a Trump, pois ele não possui grandes poderes políticos nos distritos destes congressistas. Com efeito, a maioria deles teve um desempenho eleitoral muito melhor que o de Trump em novembro passado.
Já o Export-Import Bank vem concedendo subsídios a grandes empresas exportadoras há décadas. A função deste banco é fomentar a exportação, e ele faz isso concedendo garantias para instituições bancárias que financiam as exportações de algumas empresas americanas. Na prática, o banco estatal serve aos interesses da Boeing e subsidiam as importações de produtos americanos pelos estrangeiros. Quando candidato, Trump disse que iria abolir o banco. Agora presidente, ele diz que apóia o banco.
Para o candidato Trump, a China manipulava a moeda para adquirir uma vantagem exportadora. O governo chinês, segundo Trump, estaria diminuindo artificialmente o valor de sua moeda. Como ele estaria fazendo isso é algo que Trump nunca explicou. E nem mais precisará, pois isso já é passado. Para Trump, a China não mais é uma manipuladora de moedas. O problema agora, segundo Trump, é o dólar, que estaria muito forte.
Ainda mais esquisita foi sua justificativa para essa sua mudança de postura: segundo o próprio, ele parou de criticar a China simplesmente porque precisa da ajuda do país contra a Coreia do Norte.
E quanto ao Federal Reserve? Enquanto candidato, Trump criticou a política de juros baixos do Banco Central americano. Disse, corretamente, que ela prejudicava os poupadores. E que Janet Yellen deveria se envergonhar do que está fazendo. Não mais. Agora, a política do Fed é ótima, e Trump já até fala em conceder a Yellen mais um mandato como presidente do Banco Central americano.
E quanto ao inchaço da folha de pagamento do governo federal americano? Em seu terceiro dia como presidente, Trump assinou uma ordem executiva congelando a contratação de novos funcionários públicos fora das forças armadas. No início de abril, o congelamento derreteu, e as contratações federais voltaram a ser liberadas.
A mais recente deserção ocorreu em relação à OTAN. Para o candidato Trump, a OTAN era obsoleta. Não mais. Agora, a OTAN é muito boa.
E quanto aos cortes de impostos para a classe média? Ele ainda tem de introduzir um projeto de lei.
E o muro na fronteira com o México? Ele ainda tem de introduzir um projeto de lei.
E quanto a expulsar os imigrantes ilegais? Ele ainda tem de introduzir um projeto de lei. A administração diz que não mais haverá deportações em massa. Quando candidato, Trump disse que deportaria de 2 a 3 milhões de imigrantes ilegais que eram criminosos. Isso significa que teria de haver mais de 2.000 deportações por dia, durante quatro anos, para se chegar a 3 milhões. O custo seria de aproximadamente US$ 25.000 por deportação. O governo Obama deportou 333.000 apenas em 2015. Este número não mudou.
Algumas das mudanças, disseram membros do governo, demorarão para ser implantadas por causa dos custos, e também porque algumas das políticas terão de ser anunciadas por meio do registro federal. Funcionários do governo se recusaram a estimar os custos para a burocracia adicional necessária, inclusive a contratação de mais juízes especializados em imigração para acelerar as audiências, bem como a construção de um significativo número de novas casas de detenção para alojar imigrantes ilegais à espera da resolução de seus processos judiciais.
"Isso não irá acontecer amanhã", disse um funcionário do Department of Homeland Security. [O Ministério da Segurança Nacional dos EUA].
Quando ocorrerá?
E quanto ao NAFTA? Quando candidato, Trump disse que retiraria os EUA do acordo comercial. Até agora, não apenas nenhuma mudança foi apresentada, como, de acordo com o site Vox:
Uma proposta do governo Trump que recentemente passou a circular no Congresso não parece querer uma transformação radical do NAFTA. Muito menos quer a sua abolição. Com efeito, todo o texto do documento parece ... construtivo.
A proposta adota um teor surpreendentemente radiante em relação à importância do livre comércio com os parceiros dos EUA no NAFTA, Canadá e México, reconhecendo seus "interesses e valores em comum". O documento contém vários daqueles fraseados convencionais sobre 'acesso ao mercado' e 'redução das barreiras comerciais' que costumam acompanhar este tipo de texto.
E, embora haja algumas cláusulas contra as quais México e Canadá possivelmente protestarão, é notável a ausência das propostas protecionistas tão defendidas por Trump durante sua campanha, as quais garantiriam que o acordo fosse revogado.
Essa agora é de especial interesse para aqueles que imaginavam que Trump atacaria os globalistas e a Nova Ordem Mundial:
O governo dos EUA pede a remoção de um dos três principais processos de solução de disputas judiciais sob o NAFTA, conhecido como Capítulo 19, o qual permite a criação de tribunais internacionais para ajudar a ordenar desavenças acerca de medidas criadas para punir fraudes comerciais. No entanto, não pede a eliminação do mais controverso de todos -- o sistema de solução de disputas judiciais envolvendo investidores e governos, o qual permite que investidores processem governos em tribunais comerciais privados, basicamente concedendo a grandes corporações o status de países sob a lei internacional.
Por fim, e quanto às tarifas sobre produtos importados? Ele ainda tem de introduzir um projeto de lei.
Esta última, ao menos, está sendo uma louvável reversão de postura.
Qual a surpresa?
Eleições presidenciais nada mais são do que um show de marionetes. A maioria das promessas de campanha, para o bem e para o mal, não se concretiza após as eleições.
No entanto, e curiosamente, as pessoas seguem acreditando em promessas eleitorais e votando de acordo com elas, aparentemente sem se dar conta de quão pouco as campanhas e manobras eleitorais têm a ver com os resultados concretos do governo eleito. As pessoas votam por uma coisa e recebem outra completamente diferente.
Quando as pessoas vão às urnas, elas não estão votando em políticas específicas (exceto no caso de um referendo), mas sim em pessoas específicas -- as quais, tão logo eleitas, não estão comprometidas com absolutamente nenhuma promessa. Uma vez no poder, eles podem fazer o que quiser. Tão logo o poder sobe à cabeça, elas estão livres para se comportar de qualquer maneira, desde que consigam se safar.
Portanto, não, Trump não cometeu nenhuma traição eleitoral. Ele simplesmente está dando continuidade a uma tradição da democracia.
Como bem disse o Procurador-Geral John Mitchell (governo Nixon) antes de ir para a cadeia: "Observem aquilo que fazemos, e não aquilo que falamos".
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