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Sobre a United Airlines, o respeito ao consumidor, o YouTube e os smartphones

A tecnologia descentralizada está alterando o equilíbrio de poder em prol do indivíduo

17/04/2017

Sobre a United Airlines, o respeito ao consumidor, o YouTube e os smartphones

A tecnologia descentralizada está alterando o equilíbrio de poder em prol do indivíduo

No início da semana passada, a companhia aérea United Airlines gerou uma virulenta reação mundial na internet após passageiros de um vôo que ia de Chicago a Louisville (Kentucky) terem filmado e postado no YouTube um passageiro sendo literalmente arrancado à força de sua poltrona e arrastado para fora de um avião.

A remoção foi tão violenta, que o passageiro quebrou o nariz e teve cortes ao longo da face, tendo agora de fazer uma cirurgia facial.

Eis o vídeo:

A reação ao redor do mundo, principalmente nas redes sociais, foi instantânea, com várias pessoas fazendo incontáveis postagens no Twitter e no Facebook jurando que, de agora em diante, boicotarão a empresa.

As ações da empresa imediatamente desabaram 4%, o que significa que a United perdeu US$ 880 milhões em valor de mercado.

Em resposta, a companhia aérea emitiu um comunicado horrendamente orwelliano, pedindo "desculpas" por ter de "reacomodar" o passageiro, o qual havia sido selecionado "por computador" para dar lugar a alguns funcionários da empresa.

Após uma semana, eis o que se sabe:

1) Não havia nenhum problema de overbooking. A encrenca foi outra:

2) quatro tripulantes estavam sendo requeridos com urgência em Louisville para um vôo que sairia de lá em algumas horas;

3) a United, em vez de deslocar esses quatros tripulantes de Chicago para Louisville de carro (quatro horas de viagem), decidiu enviá-los em um vôo comercial da própria empresa.

4) Porém, como o vôo estava cheio, a empresa fez uma oferta de US$ 800 (valor máximo determinado pela FAA, a agência reguladora que controla o setor aéreo americano) para qualquer passageiro que desistisse.

5) Como nenhum passageiro se apresentou, a empresa selecionou quatro passageiros por computador para fazer a remoção. Um deles se negou e todo o problema aconteceu.

6) Quem fez a desastrada remoção do passageiro não foram funcionários da empresa, mas sim policiais da TSA (Transportation Security Administration), a agência estatal pertencente ao Department of Homeland Security (uma espécie de Ministério da Segurança Nacional) que é a responsável por policiar os aeroportos americanos.

7) Ou seja, a United recorreu a agentes do governo não apenas para facilitar a vida de alguns tripulantes como também para reduzir gastos com a locomoção própria destes quatro tripulantes.

A United nunca se adaptou à desregulamentação do setor aéreo

O setor aéreo americano foi desregulamentado em 1978 pelo então presidente Jimmy Carter. Ao contrário do que muitos ainda acreditam, foi Carter quem iniciou as principais desregulamentações da economia americana, e não Reagan.

Até a década de 1970, os preços das passagens aéreas nos EUA eram controlados pelo governo, que também concedia monopólios sobre determinadas rotas para determinadas companhias aéreas -- as extintas PanAm e TWA lucraram exorbitantemente com esta reserva de mercado -- e impedia a entrada de novos concorrentes.  

O mercado aéreo americano era extremamente regulado e protegido, beneficiando os grandes e mantendo de fora os pequenos.

Em 1978, porém, Carter aboliu a Civil Aeronautics Board -- agência reguladora que controlava todos os aspectos do mercado aéreo americano --, permitindo, pela primeira vez, a livre concorrência no setor.  Preços passaram a ser determinados pelo mercado -- e despencaram -- e outras empresas passaram a poder ofertar seus serviços para todas as rotas existentes.

Isso forçou as empresas aéreas americanas a se aprumarem e a se adaptarem. A partir dali, elas tinham de satisfazer o consumidor. Elas não mais estariam protegidas pelo governo federal. Novas empresas de baixo custo agora estavam liberadas para concorrer com as grandes.

Mas a cultura corporativista destas grandes empresas, acostumadas ao protecionismo estatal e à reserva de mercado, simplesmente não conseguiu se adaptar aos novos tempos. TWA e PanAm quebraram. Dezenas de outras entraram em concordata. Esta foi a maneira de os consumidores demonstrarem que reprovavam os serviços destes mamutes.

A grande exceção a esta regra foi a Southwest Airlines. Criada em 1967, a empresa havia começado operando exclusivamente dentro do Texas. Sendo uma empresa exclusivamente intraestadual, ela estava livre das regulamentações federais sobre os preços. Como a empresa não cruzava as fronteiras do estado, ela não estava sujeita aos controles de preços da Civil Aeronautics Board.

Quando a desregulamentação veio em 1978, as concorrentes da Southwest foram quebrando, um por um. Elas haviam sido criadas sob os termos da regulamentação federal. Elas não estavam preparadas para concorrer naquele novo ambiente de livre concorrência de preços. Já a Southwest estava muito bem preparada.

United Airlines: o mais perfeito exemplo da regulação

Em 1970, o principal slogan da United Airlines era "Fly the Friendly Skies" (voe nos céus amigáveis). Era completamente sem sentido.

Outro slogan, adotado em 1976, era "You're the boss" (Você é o chefe). Também sem sentido, pois, quando a United adotou este slogan, o consumidor não era o chefe; os burocratas federais eram os chefes. Mas, a partir de 1979, isso mudou. E o consumidor de fato se tornou o chefe.

A United nunca conseguiu se ajustar a este arranjo de livre concorrência. Tanto é que, após anos operando no vermelho, a empresa entrou em concordata em 2002. Foi a maneira de os consumidores dizerem que não mais queriam seus serviços. No entanto, o governo federal, contrariando os desejos dos consumidores, utilizou dinheiro de impostos (dos próprios consumidores) e socorreu a empresa: nada menos que US$ 644 milhões.

Com isso, o governo anulou o desejo dos consumidores, e manteve a empresa viva contra as demandas dos consumidores. A partir daí, é claro que seus serviços não iriam melhorar.

Sobre o incidente da semana passada, há uma variedade de vídeos postados. Apenas um ou dois foram escolhidos pela mídia. Para toda a coletânea, clique aqui.

Em poucas horas, a Southwest Airlines fez a seguinte propaganda:

southwest.png

Nós espancamos a concorrência. Não você.

Obviamente, após os vídeos terem viralizado, o presidente da empresa veio a público se desculpar. Tarde demais.

Eis aí uma modernidade para a qual a administração da United jamais se atentou: a denúncia de passageiros pela internet. Há vários vídeos antigos denunciando amadorismos da United. Veja uma coletânea aqui.

A United se tornou famoso por este vídeo produzido por um cidadão cujo violão foi destruído pelos empregados da United. Após reclamar junto à empresa e pedir uma indenização, a United se recusou a atendê-lo. Então ele teve uma ideia: fez um vídeo a respeito -- em forma de clipe -- e postou no YouTube. O título: "United Quebra Violões". Já teve mais de 17 milhões de visualizações.

Quando o vídeo ainda estava com um milhão de visualizações, a United implorou para que ele tirasse o vídeo do ar. Ele não apenas se recusou, como ainda fez mais dois vídeos.

Tudo indica que a gerência da United Airlines ainda não se deu conta de que vivemos no mundo do smartphone e do YouTube. Mas ela não está sozinha. Burocratas ao redor do mundo também ainda não entenderam a nova realidade. Antes do smartphone e do YouTube, eles agiam com impunidade. Não máximo, havia um relato de um leitor por meio de uma carta enviada a um jornal. E nada ocorria.

Hoje, não mais. As burocracias, tanto pública quanto privada, não mais podem agir impunemente. Smartphones e YouTube alteraram as regras.

Se uma empresa aérea maltrata um passageiro e a imagem vai parar na internet, não apenas o passageiro garante grandes chances de indenização por causa de toda a comoção, como também a própria opinião pública passa a pressionar para que o presidente da empresa seja demitido.

No entanto, o mais deletério de tudo (para a empresa) é a simples decisão dos consumidores de não mais utilizar a companhia aérea. Pior: tais pessoas podem agora fazer campanha nas redes sociais estimulando o boicote a esta empresa, convencendo os outros a não mais voar pela United -- ao menos até que haja uma mudança na administração.

Tais reações não apenas são perfeitamente pacíficas, morais e até mesmo prudentes, como ainda mostram que quem está no comando é aquela pessoa que jamais deveria ser desrespeitada: o consumidor.

Conclusões

Os vídeos e a enxurrada de consequências negativas que eles geraram -- da perda de US$ 800 milhões em valor de mercado à ameaça de boicote generalizado, passando pela exigência de renúncia do presidente da empresa até o pedido de indenização do passageiro -- mostra à United quem ainda é o chefe: os consumidores.

O livre mercado continua vivo e forte. O YouTube é uma prova disso. Smartphones com câmeras de vídeo também. A descentralização da tecnologia produz liberdade. Gera mais poder ao consumidor. E tambem pode forçar empresas ineficientes, protegidas e burocratizadas a alterar suas políticas.

Agora só falta termos esse mesmo poder sobre os governos.

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Leia também:

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Afinal, a expansão da tecnologia irá aumentar ou diminuir o controle do estado sobre o indivíduo?

No capitalismo de livre mercado, quem sempre ganha é o consumidor

Sobre o autor

Gary North

é Ph.D. em história, ex-membro adjunto do Mises Institute, e autor de vários livros sobre economia, ética, história e cristianismo. Visite http://www.garynorth.com

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