Economia
A esquerda foi conferir como estava sua doutrinação sobre os mais pobres. Ficou atordoada
A esquerda foi conferir como estava sua doutrinação sobre os mais pobres. Ficou atordoada
A notícia está em todos os jornais e varreu as redes sociais: a Fundação Perseu Abramo -- criada em 1996 pelo Partido dos Trabalhadores (PT) para "desenvolver projetos de caráter político-cultural" -- fez uma pesquisa qualitativa para averiguar como estava "o imaginário social dos moradores da periferia de São Paulo".
A pesquisa foi feita entre 22 de novembro de 2016 e 10 de janeiro deste ano, baseando-se em entrevistas em profundidade com moradores de bairros periféricos de São Paulo, acima de 18 anos, com renda familiar mensal de até cinco salários mínimos e que deixaram de votar no PT. Ao menos 30% dos entrevistados são ou foram beneficiários de programas sociais implantados pelos governos petistas. Ou seja, é o perfil tido como característico do eleitor petista, ao menos no imaginário dos que consideram o PT representante natural dos "excluídos".
A intenção explícita desta pesquisa era entender por que o PT havia perdido votos naquela região na eleição municipal de 2016. Já a intenção implícita era ver como estava a aceitação das idéias e doutrinas de esquerda entre os mais pobres.
A esquerda sempre deu de barato que os pobres -- assim como os negros e os gays -- eram seus "aliados naturais". Por isso, ela sempre os tratou como uma massa amorfa, como um coletivo formado por indivíduos homogêneos destituídos de raciocínio crítico e de vontade própria. Para a esquerda, os pobres não passam de uma massa acrítica, que reagiria bovinamente a frases de efeito e que imediatamente se identificaria com todas as afetações de vitimismo e efusões de coitadismo repetidas em profusão por militantes.
Porém, o que a pesquisa descobriu sobre como realmente pensam os pobres deixou a esquerda atordoada. A íntegra pode ser acessada aqui. Abaixo, as melhores partes. (Todas as imagens abaixo foram retiradas do próprio relatório da Fundação Perseu Abramo).
Choque e espanto
Logo de cara, os pesquisadores já receberam a seguinte declaração atordoante:
Em seguida, a coisa piorou. A esquerda descobriu que todas as suas décadas de chavões e frases de efeito não conseguiram fazer os pobres incorporar a luta de classes e ver os patrões como inimigos. Os pobres -- um espanto! -- não têm ódio daquelas pessoas que lhes dão empregos e pagam salários.
Mas o golpe final veio com a constatação de que, para os pobres, o inimigo não são "os ricos", "o capital", e "as corporações". O grande inimigo é o estado.
A partir daí, as ilusões da esquerda foram ladeira abaixo.
Além de não verem o estado como indutor da qualidade de vida e das oportunidades, mas sim como um "inimigo" responsável por se apropriar do dinheiro dos impostos e fornecer serviços de baixa qualidade, os pobres ainda têm a petulância de crer em coisas reacionárias, como a ideia de que a melhor forma de ascensão social é pelo mérito pessoal.
A pesquisa, em suma, mostra que todo o conceito de luta de classes simplesmente nunca habitou o imaginário popular. Para os pobres, a "luta de classes" não ocorre entre ricos e pobres, mas sim entre o povo e o estado. O 'inimigo' é, em grande medida, o próprio estado, ineficaz e incompetente.
Mais: para os entrevistados, "todos são vítimas do Estado, que cobra impostos excessivos, impõe entraves burocráticos, gerencia mal o crescimento econômico e acaba por limitar ou sufocar a atividade das empresas".
E isso "abre espaço para o 'liberalismo popular', com uma demanda por menos Estado".
Por último, para não esgotar a paciência do leitor, eis o quadro de constatações próprias da pesquisa. Destaque especial para a maneira como a Fundação Perseu Abramo, no item 1, tenta explicar o simples e natural desejo de maior poder de compra da população pobre: para a esquerda, o pobre querer consumir mais é uma prova de que "o capitalismo tenta desprover o cidadão de todos os elementos que constituem a identidade (cultura, identidade de classe)".
O item 3 merece especial atenção. Os pobres, quando podem, correm dos serviços estatais e vão procurar socorro no mercado e na iniciativa privada. E entendem perfeitamente por que os serviços estatais não funcionam e nem têm como funcionar.
Segundo um dos entrevistados: "O ensino é bem melhor na particular. Meu neto estudava numa escola particular, só que ele saiu porque não tinha condições mais de pagar, mas se ele tivesse lá ainda, ele já estaria lendo (…) tem muita diferença do ensinamento (…) Porque eu acho que você está pagando você pode exigir e em escola pública você vai exigir de quem? Não pode exigir!"
Mais ainda: para os pobres, ser ajudado pelo estado é sinônimo de "desvalorização individual". A coisa foi em definitivo para o vinagre quando os pesquisadores perguntaram especificamente sobre as cotas. Diz a pesquisa: "(Os entrevistados) não negam a importância de políticas públicas e garantia de acesso a oportunidades, mas rejeitam aquelas que parecem 'duvidar' das capacidades individuais, como as cotas."
Treze constatações
Para poupar o leitor, eis as 13 principais constatações da pesquisa:
1) Não há luta de classes entre ricos e pobres -- ao contrário, há empatia com empresários e patrões.
2) O inimigo é o estado: ineficaz, incompetente, cobra impostos excessivos, impõe entraves burocráticos, gerencia mal o crescimento econômico e acaba por limitar ou sufocar a atividade das empresas. O mercado é mais confiável.
3) Há um "liberalismo popular", com demanda por menos estado -- "se pago impostos, tenho o direito de cobrar".
4) Há identificação não com quem pertence ao mesmo grupo, mas com o grupo a que se almeja chegar -- essa é a negação completa da "ideologia de classe" inventada por Karl Marx.
5) A ascensão social está associada à coragem, ousadia, disciplina, mas acima de tudo ao mérito.
6) Estudar é fundamental para subir na vida.
7) O empreendedorismo é a aspiração de quem quer vencer pelas próprias forças.
8) Há mais individualismo que solidariedade.
9) Religião e família são o centro da vida.
10) A igreja é vista como instituição de apoio para evitar o caminho do desemprego e do crime.
11) A política é suja, gera desconforto e influencia a vida -- dos serviços públicos aos impostos altos.
12) Não há lógica no uso de termos como "esquerda" ou "direita", nem polarização -- todos os partidos são iguais.
13) A crise ética da sociedade não é resultado de vícios estruturais, e sim de mau comportamento individual, que deve ser resolvido, antes de mais nada, pela família.
A conclusão
A pesquisa, por fim, afirma que o padrão de vida dos pobres da periferia de São Paulo aumentou em decorrência das políticas dos governos petistas, mas, estranhamente, essa melhoria levou os moradores a "se identificarem mais com a ideologia liberal, que sobrevaloriza o mercado".
Mesmo com a crise econômica, tais pessoas, ao contrário do que os petistas esperavam, reagiram movidos pela "lógica da competição", isto é, pela ideia de que é preciso que cada um trabalhe duro para superar os problemas. Tal visão é incompatível com uma ideologia que anula o indivíduo em favor da "classe trabalhadora".
De quebra, a pesquisa também constatou que "as categorias analíticas utilizadas pela militância política ou pelo meio acadêmico não fazem sentido para os entrevistados". Ou seja, coisas como "esquerda" e "direita", "progressistas" e "reacionários", "mortadelas" e "coxinhas" simplesmente "não habitam o imaginário da população".
Finalmente, a pesquisa constatou que "a cisão entre a classe trabalhadora e a burguesia não perpassa o imaginário dos entrevistados". Ou seja, toda a discussão sobre a divisão da sociedade entre "nós" e "eles", promovida pelo PT e pela esquerda em geral, é significativa somente nas redes sociais.
Como conclusão final, os pesquisadores anunciam a descoberta da pólvora: "O campo democrático-popular precisa produzir narrativas contra-hegemônicas mais consistentes e menos maniqueístas ou pejorativas sobre as noções de indivíduo, família, religião e segurança".
E vaticinam: "Este cenário de descrédito da política, compreensão do Estado como máquina ineficaz somada à valorização da lógica de mercado e à ideologia do mérito abrem espaços para candidatos e projetos como o do João Doria -- 'um não-político, gestor trabalhador que ascendeu e, por isso, não vai roubar'."
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