2017 – A independência da Grã-Bretanha
O anúncio da primeira-ministra Theresa May sobre o Brexit agora há pouco representa uma reação realista às demandas dos britânicos, e o mais fiel e balanceado exemplo da nova visão mundial que está se disseminando e que vigorará pelas próximas muitas décadas.
Como um cético da eficácia dos mecanismos de representação democrática, reconheço que, pelo menos neste exemplo pontual, a vontade do povo parece refletida nesta declaração de princípios.
Theresa se posicionou como firme defensora do livre mercado ("o comércio não é um jogo de soma zero", disse), desejando uma Grã-Bretanha como "global trading nation" (nação que comercializa com todo o mundo), respeitando sua tradição, história e cultura de internacionalismo e de comércio com todos.
Esclareceu que haverá um "Hard Brexit", com:
a) a saída do mercado único (o qual permite o livre movimento de pessoas, de bens e serviços) -- o que, na prática, significa o controle das fronteiras;
b) o fim da jurisdição da Corte Europeia de Justiça e a repatriação de todos os poderes de Bruxelas para a Grã-Bretanha; e
c) a rejeição da união aduaneira completa, pelo menos no que disser respeito a qualquer tentativa da União Europeia de impedir o Reino Unido de realizar acordos de livre comércio com outras nações (explicitamente rejeitou a CET, a tarifa externa comum; ver mais aqui).
Theresa, no entanto, deseja fechar um ambicioso e ousado acordo de livre comércio com a União Europeia (assim como com outros países).
Adicionalmente, considera que uma eventual imposição pela União Europeia de um acordo punitivo ao Reino Unido seria calamitoso e contra seus próprios interesses. E, em um surpreendente tom ameaçador, disse que se for este o caso:
i) não fechar um acordo é melhor que fechar um mau acordo;
ii) pode baixar impostos para atrair investimentos que iriam para a EU (a imprensa já diz que ela pensa em transformar o Reino Unido em um paraíso fiscal);
iii) pode trocar o modelo econômico para atrair negócios.
Adicionalmente, embora tenha dito que fará um acordo de cooperação de inteligência e segurança com a União Europeia, ficou subentendido que, caso a UE imponha alguma punição (como tentar isolar comercialmente o Reino Unido), o acordo de inteligência estará condicionado à negociação de acesso ao mercado único.
Os demais pontos relevantes são:
1) o acordo com a União Europeia será submetido à apreciação das duas casas do Parlamento, em dois votos separados;
2) haverá restrição ao número de imigrantes oriundos da União Europeia;
3) poderá haver um acordo que preveja algum tipo de pagamento anual à UE, mas não será 'vasto' como é hoje (o Reino Unido, em termos líquidos, paga 136 milhões de libras por semana para a União Europeia); e
4) é preciso haver um acordo de transição com fases claras, de forma a evitar correria próxima à data-limite de saída em 2019.
Em uma reviravolta inacreditável, o partido UKIP e seu líder Nigel Farage conseguiram virtualmente tudo que vinham defendendo há anos, em uma clara vitória que paradoxalmente pode representar o fim do próprio partido, pois alcançou o que se propunha. Lembremos também que o manifesto da campanha do Partido Conservador em 2015 se comprometia com o "dizemos SIM ao mercado único".
Este ano de 2017 está prometendo ser tão interessante quanto o de 2016.
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