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Economia

Com a explosão dos custos para a classe média, o Obamacare foi o definidor da eleição americana

A tentativa da socialização da medicina nos EUA gerou elevação de preços e precariedade de serviços

16/11/2016

Com a explosão dos custos para a classe média, o Obamacare foi o definidor da eleição americana

A tentativa da socialização da medicina nos EUA gerou elevação de preços e precariedade de serviços

A grande plataforma de Barack Obama sempre foi a reforma do sistema de saúde americano.  No dia 23 de março de 2010, ele promulgou o Patient Protection and Affordable Care Act (Lei de Proteção ao Paciente e de Assistência Acessível), que passou a ser popularmente conhecido como Obamacare.

Há quatro elementos essenciais do Obamacare que merecem ser mencionados:

1) Os planos de saúde são legalmente obrigados a fornecer cobertura a todos os requerentes, independentemente de seu histórico médico. 

Para isso, foi criado um sistema parcial de "classificação comunal" para os prêmios, o que significa que os planos de saúde passaram a estipular seus prêmios baseando-se (majoritariamente) na geografia e na idade dos requerentes, e não no sexo ou nas condições médicas pré-existentes.

2) As apólices dos planos de saúde têm de atender a padrões mínimos (chamados de "benefícios essenciais de saúde"), o que inclui não haver um limite máximo para indenizações anuais ou vitalícias das empresas seguradoras para uma apólice individual.

3) Absolutamente todos os cidadãos dos EUA são obrigados a comprar um plano de saúde. 

A aquisição de um plano de saúde é obrigatória para todas as pessoas. Os mais pobres que se declararem incapazes de arcar com as mensalidades recebem subsídios do governo federal. 

4) Empresas com mais de 50 empregados que trabalham em tempo integral (30 horas ou mais por semana) têm de bancar o plano de saúde deles. Caso não o façam, são pesadamente multadas.

Ou seja, o governo Obama obrigou as pessoas a comprarem planos de saúde e obrigou as seguradoras a conceder planos de saúde para todos os requerentes.

O motivo dessa obrigatoriedade é que, se todos pagassem às seguradoras e se as seguradoras aceitassem todos os requerentes, então aqueles mais pobres que não tinham nenhum plano de saúde poderiam agora ter acesso a um. 

Mas as consequências foram exatamente as previstas por todos os economistas sensatos: os custos das mensalidades explodiram.

Com o governo estipulando a cobertura mínima que tem de ser fornecida pelos planos de saúde; obrigando todos os cidadãos americanos a adquirir apólices homogêneas e com cobertura completa; e obrigando os planos de saúde a aceitarem pessoas com condições médicas pré-existentes e a cobrarem delas o mesmo prêmio que cobram de pessoas saudáveis, que não têm nenhuma condição pré-existente, os preços da mensalidade só poderiam ir para o alto.

Mais: com milhões de novas pessoas repentinamente indo à procura de mais serviços médicos do que antes, e sem que tenha havido um igual aumento na oferta de serviços (criar mais médicos, mais hospitais, ou mais máquinas de ressonância magnética não são coisas rápidas e desburocratizadas), os custos dos serviços de saúde também foram para a estratosfera.

Em última instância, o Obamacare foi o evento que fez com que os eleitores independentes votassem em Donald Trump.

O inacreditável amadorismo de Hillary Clinton

A importância do fator Obamacare é inegável. O sistema de serviços de saúde dos EUA vivenciou uma acelerada dissolução durante este ano eleitoral, afetando profundamente a vida de todos, exceto dos extremamente ricos (que votaram em Hillary). E mesmo que você nada soubesse sobre a campanha eleitoral e sobre as propostas dos candidatos, você tinha de presumir que a questão da saúde teria grandes repercussões no resultado eleitoral.

Hillary Clinton não apenas defendeu este atual sistema que todos os americanos trabalhadores odeiam, como ela ainda quis levar todo o crédito por ele: em várias entrevistas, ela sempre fazia questão de enfatizar que o Obamacare era antes chamado do Hillarycare, pois a ideia sempre foi dela. Na prática, era como se você quisesse levar os créditos pelo Zika vírus. Ela se comportou de uma maneira totalmente indiferente aos problemas criados por esse programa, o que mostra seu inacreditável elitismo. Por outro lado, Donald Trump prometia acabar com o odiado programa em todos os seus discursos e em todas as suas propagandas.

Vida e morte

A palavra "serviços de saúde" não é simplesmente um assunto político; trata-se de um assunto crucial, algo no mesmo nível de importância de se você terá dinheiro para pagar o aluguel ou para colocar comida na mesa. É algo que afeta diretamente a sua vida, literalmente.

Todo mundo envelhece. Todo mundo adoece. Todo mundo tem de ir ao médico com certa frequência. Isso requer um sistema de serviços de saúde que seja estável. Caso contrário, a qualidade de vida será diretamente impactada. Isso está no mesmo nível de importância de coisas como serviços de alimentação, de vestuário e de moradia. Se o acesso a serviços de saúde se torna instável e não-confiável, toda a qualidade de vida se desestabiliza.

O fato de Obama, Clinton e todo o resto da quadrilha terem se imaginado capazes de criar um sistema único de saúde para toda a América -- se utilizando de boas intenções, fita crepe, cola, leis, decretos, imposições, toneladas de coerção estatal, e zero cooperação bipartidária -- mostra uma inacreditável arrogância. Eles pagaram por isso.

Cinco anos atrás, antes da imposição do Obamacare, os EUA tinham um sistema imperfeito e já altamente regulado pelo governo. Dentre outras coisas, o governo proibia que a seguradora de um estado fornecesse serviços em outro estado [é como se a Unimed só pudesse atuar no Rio, a Amil só em São Paulo, a Sul America só em MG e por aí vai], o que criava uma reserva de mercado tentadora. Adicionalmente, as seguradoras eram obrigadas pelo governo a cobrir até mesmo consultas de rotina. Se você fizesse algo tão simples e corriqueiro quanto um exame de sangue -- que é coberto pelos planos de saúde e pelos programas Medicare e Medicaid --, o hospital cobrava um preço astronômico do governo ou da seguradora. Conseqüentemente, os preços das apólices só aumentavam. (Leia todos os detalhes aqui).

Ainda assim, havia alguma previsibilidade.

Porém, após o Obamacare entrar em ação, tudo explodiu em caos e incertezas. As experiências de cada americano variam de acordo com as circunstâncias. Mas, no geral, o resultado foi um desastre.

Ainda em agosto, escrevi que o Obamacare seria o requiem do estado de bem-estar americano. Tudo deu errado desde o primeiro dia. Para azar dos democratas, o pior do programa -- acentuado encarecimento das mensalidades, seguradoras entrando em colapso, franquias disparando -- se intensificou exatamente no ano eleitoral. Ainda na semana anterior à eleição, veio ó anúncio de que as mensalidades subiriam novamente, entre 25% e 90% -- um fato que Trump fez questão de enfatizar em cada discurso e em cada propaganda ao redor do país.

No meu caso, apenas alguns dias após a implantação do programa, recebi uma notificação de que minha mensalidade subiria a níveis hilariamente intoleráveis. Não me lembro exatamente do valor específico, mas o aumento era tão absurdo que parecia até ter havido um erro de digitação. Claramente, a seguradora queria que eu saísse do plano. Era mais negócio para ela.

Consequentemente, eu me juntei a milhões de outros americanos que imediatamente perderam os planos de saúde que até então tinham. Encontrar um novo plano exigia navegar em um labiríntico sistema burocrático, caracterizado por uma confusão envolta no caos. Desde então, os serviços de saúde nunca mais foram os mesmos.

E isso foi apenas o começo. O colapso do sistema de planos de saúde nos EUA se acelerou desde então. Havia cada vez menos opções à medida que cada vez mais seguradoras iam à falência. Mesmo que você tivesse um plano de saúde, era impossível saber se o médico ou hospital aceitariam aquela sua seguradora específica, uma vez que ninguém podia obrigá-los a isso. Você não tinha como obrigar a seguradora a realmente cobrir aquilo que, no papel, o governo a obrigava a cobrir. As exigências das segurdoras por documentações e comprovações só faziam crescer, e tudo com o compreensível objetivo de tentar controlar as despesas.

Milhões de americanos repentinamente passaram a viver em um estado de extrema ansiedade. Uma visita ao médico poderia significar uma conta de apenas US$ 40 ou a total falência do indivíduo. Mesmo que você não tivesse problemas de saúde, o simples temor de se tornar doente já bastava para mantê-lo acordado à noite.

O novo sistema atingiu cada americano de classe média exatamente onde dói mais.

Todas as pesquisas mostravam a insatisfação dos americanos, comprovando que este era um sistema incrivelmente ruim. E Hillary Clinton se recusava a admitir que a coisa era uma catástrofe. Tudo o que ela sabia fazer era se congratular por ter lutado muito por sua implantação. Quanta cegueira.

E a coisa se transformou em pura crueldade quando, nos debates, ela desprezava todas as preocupações demonstradas pelos eleitores. A cada debate, suas respostas sobre este assunto eram apavorantes e impressionantemente sádicas.

A Navalha de Ockham

E o que dizer de todas as outras questões presentes nessa eleição americana, do globalismo à política externa, passando pelos direitos das mulheres e o porte de armas? Invoquemos aqui o princípio da Navalha de Ockham (em homenagem ao especialista na teoria da lógica Guilherme de Ockham). Ela diz o seguinte: "Havendo diversas teorias, aquela que recorrer ao menor número de suposições deve ser a escolhida".

Com isso em mente, faz sentido adotar a seguinte suposição para explicar o resultado dessa eleição: os americanos odeiam o Obamacare. Nos estados decisivos (os swing states), o Obamacare foi o fator que determinou o resultado; foi o fator que transformou eleitores passivos em ativos; democratas em republicanos; e independentes em eleitores de Trump.

Veja o que ocorreu em Wisconsin, por exemplo: um estado majoritariamente democrata que surpreendeu a todos ao dar a vitória a Trump. As pesquisas de boca de urna mostravam que havia algum consenso em apenas uma questão: o Obamacare havia ido longe demais. Ao passo que apenas 17% disseram que ele era bom (e isso em um estado historicamente democrata), nada menos que 45% disseram que ele havia ido longe demais. Dentre esses 45%, 81% votaram em Trump. Isso, por si só, foi o suficiente para transformar o estado do Wisconsin de democrata em republicano, criando um ponto de virada na contagem eleitoral.

Uma pesquisa realizada em junho de 2016 pela Kaiser Family Foundation demonstrou o tamanho da encrenca. O número de pessoas que classificavam seu plano de saúde como "não tão bom" ou "ruim" aumentou de 20% para 31% entre 2015 e 2016. As pessoas que classificavam como "bom" ou "excelente" diminuíram na mesma proporção.  E isso foi em junho. De lá para cá, os problemas só pioraram.

O alerta de Bill Clinton

Ironicamente, foi o sempre astuto Bill Clinton quem fez o mais proeminente alerta sobre o Obamacare, um mês antes da eleição:

Então, você tem esse sistema completamente maluco, no qual, repentinamente, 25 milhões de pessoas adquirem um plano de saúde enquanto aquelas outras pessoas que estão se matando de trabalhar, em alguns casos 60 horas por semana, acabam vendo suas mensalidades dobrarem e sua cobertura cortada à metade. É a coisa mais maluca do mundo.

No dia seguinte, obviamente, ele recuou, disse que foi mal interpretado, e seus comentários foram imediatamente enterrados.

O Obamacare foi a maior e mais ambiciosa iniciativa doméstica de Barack Obama nestes últimos 8 anos. O programa tinha os melhores cérebros trabalhando em sua implantação, todos os recursos, todo o poder e toda a promoção da mídia. E ele fracassou. E destruiu a confiança das pessoas em algo que está no cerne de suas vidas.

E essa perda de confiança se traduziu em uma incredulidade generalizada em relação a tudo o que a candidata democrata dizia. Se ela era incapaz de falar a verdade sobre o que realmente aconteceu com o seu adorado programa, se ela era incapaz de ter empatia com todos os problemas que o americano médio estava vivenciando em decorrência de um programa que ela dedicou parte de sua vida profissional a implantar, por que o povo deveria confiar a presidência a ela? Eis a questão.

É fácil entender como essa dinâmica se transformou em revolta contra uma elite dominante distante e fria, que em nada se preocupava com as preocupações reais do americano médio. Isso comprovou verídica a narrativa de Trump.

Portanto, sim, a mídia pode continuar oferecendo suas interpretações específicas e apócrifas sobre esta eleição. Mas uma reação mais simples e mais humana é recorrer à Navalha de Ockham. A eleição foi um veredicto sobre uma fracassada reforma do sistema de saúde, e um veredicto sobre quem criou essa reforma.

O que vem agora?

Odiar um sistema ruim e punir seus defensores é fácil. Muito mais difícil é consertar o problema: os aspectos mais populares do programa (o acesso dos mais pobres a planos de saúde, por meio de subsídios do governo) são também a própria razão dos mais impopulares aspectos do programa (disparada dos custos e redução das coberturas). Isso explica por que Trump já recuou de sua promessa de abolir o programa, e passou a falar apenas sobre fazer reparos na lei existente.

E isso ocorreu apenas quatro dias após ele ter feito da abolição do Obamacare o ponto central de seu discurso em Michigan, outro estado majoritariamente democrata que lhe deu a vitória.

Os anos vindouros serão de um interminável fluxo de propostas confusas, complexidades e distorções regulatórias. Mas os americanos devem se fazer apenas uma simples pergunta: por que o acesso a itens como comida, roupas, transportes, Uber, objetos para casa, seguros de carro e todos os tipos de serviços digitais, bem como a precificação de todos esses bens e serviços, só melhorou na última década, ao passo que os serviços de saúde só pioraram?

Por acaso há algo de estruturalmente diferente no âmbito dos serviços de saúde, que fazem deles algo completamente diferente do resto da economia, de modo que o governo tem de estar no comando? Não. Se você coloca um serviço nas mãos do governo, o resultado é sempre o mesmo: escassez, encarecimento e politicagem.

A verdade é inevitável: o único caminho para consertar esse problema é por meio de menos governo e mais concorrência de mercado. Sempre que você quer serviços com mais qualidade a preços menores, você tem de ter livre concorrência e livre mercado. Não se conhece exceção a esta regra.

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Leia também:

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Como Mises explicaria a realidade do SUS? 

A saúde é um bem, e não um direito 

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Sobre o autor

Jeffrey Tucker

É Diretor-Editorial do American Institute for Economic Research. Ele tambÉm gerencia a Vellum Capital, é Pesquisador Sênior do Austrian Economic Center in Viena, Áustria.

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