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Filosofia

Quanto mais a livre iniciativa retira pessoas da pobreza, mais ela é desprezada

Empreender, ao contrário do que dizem os intelectuais, é uma das mais nobres e caritativas vocações

28/10/2016

Quanto mais a livre iniciativa retira pessoas da pobreza, mais ela é desprezada

Empreender, ao contrário do que dizem os intelectuais, é uma das mais nobres e caritativas vocações

Ao longo de quase toda a história da humanidade, as condições humanas foram de penúria e pobreza abjetas. Sim, havia reis, príncipes e ordens religiosas que viviam melhor que todo o resto da massa humana. Porém, olhando em retrospecto o padrão de vida deles, mesmo o mais privilegiado e poderoso líder político ou chefe tribal viveu sob condições materiais que a maioria de nós, hoje, consideraria horripilantes, algo meramente acima da subsistência.

Por milhares de anos, essas foram as circunstâncias da raça humana. A pobreza dantesca era a norma; era a condição natural e permanente de cada ser humano.  

E então, começando a partir de menos de trezentos anos atrás, as condições humanas começaram a mudar -- primeiro, lentamente e de maneira desigual, em pontos localizados da Europa; depois, na América do Norte. Desde então, essas melhorias foram se espalhando por todo o globo.

Historiadores econômicos já estimaram a intensidade em que a pobreza foi abolida ao redor do mundo. Há apenas 200 anos, em 1820, aproximadamente 95% da população mundial vivia na pobreza, com uma estimativa de que 85% vivia na pobreza "abjeta". Em 2015, o Banco Mundial calculou que menos de 10% da humanidade continua a viver em tais circunstâncias.

Agora, 10% de 7,4 bilhões de pessoas que vivem neste planeta ainda equivalem a 740 milhões de homens, mulheres e crianças. É um número alto? Extremamente. Mas se levarmos em conta que, em 1820, toda a população humana totalizava um bilhão de pessoas, e que a vasta maioria vivia na pobreza absoluta, então aproximadamente 6,4 bilhões de pessoas foram acrescentadas à população global. Destas, "apenas" 740 milhões (três quartos de um bilhão) ainda têm de ser retiradas da pobreza, dentro de um total de 7,4 bilhões de pessoas.

O surgimento do capitalismo -- e a revolução industrial gerada por este -- foi o responsável por essa estrondosa melhoria na qualidade de vida das pessoas.

A feição característica do capitalismo que o distinguiu dos métodos pré-capitalistas de produção era o seu novo princípio de distribuição e comercialização de mercadorias.  Surgiram as fábricas e começou-se a produzir bens baratos para a multidão.  Todas as fábricas primitivas foram concebidas para servir às massas, a mesma camada social que trabalhava nas fábricas. 

Elas serviam às massas tanto de forma direta quanto indireta: de forma direta quando lhes supriam produtos diretamente, e de forma indireta quando exportavam seus produtos, o que possibilitava que bens e matérias-primas estrangeiros pudessem ser importados.  Este princípio de distribuição e comercialização de mercadorias foi a característica inconfundível do capitalismo primitivo, assim como é do capitalismo moderno.

O capitalismo, em conjunto com a criatividade tecnológica, foi o que livrou o Ocidente do fantasma da armadilha malthusiana.  Antes da Revolução Industrial, as populações crescentes pressionavam inexoravelmente os meios de subsistência.  Porém, quando as fábricas de Manchester, na Inglaterra, começaram a atrair um volume maciço de pobres que estavam ociosos no meio rural, e quando elas passaram a importar trigo barato, Malthus se tornou um profeta desacreditado em sua própria Grã-Bretanha.

Como acabou ocorrendo, toda a criatividade e inventividade que o capitalismo desencadeou se refletiu nas estatísticas de natalidade: pessoas de classe média que não mais necessitavam gerar famílias grandes para ter filhos que trabalhasse e ajudassem no sustento começaram a limitar a quantidade de filhos.

Essa combinação entre famílias menores e uma aplicação mais engenhosa da ciência à agricultura acabou com o problema da inanição no Ocidente.  A partir daí, a pobreza deixou de ser predominante e passou a ficar restrita a um número cada vez menor de pessoas.

Não obstante esse estrondoso feito na redução da pobreza e no aumento da liberdade e da dignidade de bilhões de pessoas ao redor do mundo, o clima político e cultural ao redor do mundo ainda é virulentamente anti-capitalista e anti-livre iniciativa.  No entanto, foi exatamente onde as forças do capitalismo e da livre-iniciativa estiveram mais livres para operar, em conjunto com a aceitação e até mesmo respeito aos empreendedores, que os mais dramáticos avanços foram feitos em termos de abolir as piores e mais esquálidas condições materiais da humanidade.

A condenação moral dos empreendedores

A produção em massa se torna lucrativa quando o empreendedor demonstra saber como satisfazer as necessidades e desejos da população. No passado, a massa humana se mantinha presa às terras nas quais eram obrigadas a servir a seus mestres e senhores feudais, os quais, por meio da conquista e da espoliação, viviam como senhores de engenho. Hoje, sob o capitalismo e o livre mercado, aqueles que assumem o papel de empreendedores não possuem outra fonte de ganhos senão a sua competência em atender e satisfazer os desejos e necessidades do público, que voluntariamente opta por consumir seus bens e serviços. E este público somos todos nós.

Seria de se imaginar que um sistema econômico que gera um arranjo no qual os mais criativos, industriosos e inovadores membros da sociedade possuem incentivos para direcionar seus talentos e habilidades para a melhoria das condições de vida de terceiros -- em vez de utilizar suas qualidades superiores para pilhar o que seus vizinhos produziram -- seria aclamado e aplaudido como o maior dos arranjos institucionais já criados pelo homem.

Seria de se imaginar que um arranjo que é capaz de domar as pessoas mais egoístas, ambiciosas e talentosas da sociedade, fazendo com que seja do interesse financeiro delas se preocuparem dia e noite com novas maneiras de agradar terceiros, seria louvado por todos como uma brilhante criação.

No entanto, quanto mais os criativos e industriosos prosperam neste arranjo produtivo e pacífico, mais eles são condenados e acusados de cometer algum tipo de "crime contra a humanidade" por causa dos lucros que auferem ao melhorar as circunstâncias das pessoas ao seu redor.

Neste arranjo, aqueles que buscam a liderança nos negócios, aqueles que demonstram excelência empreendedorial em criar, dirigir e comercializar produtos melhores, produtos novos e produtos mais baratos se tornam alvos de condenação, escárnio e até mesmo ódio daquelas mesmas pessoas cujo padrão de vida foi melhorado substancialmente em decorrência destas criações empreendedoriais.

Os intelectuais, os acadêmicos, os jornalistas e os auto-proclamados "críticos" da atual condição humana estão sempre apontando dedos para os empreendedores como se estes fossem a fonte e a causa de todas as misérias, frustrações, decepções e insatisfações da humanidade.

As elites sociais e intelectuais sonham com "um mundo melhor", mas acreditam que este mundo melhor só virá se elas estiveram no comando de todos os arranjos sociais da humanidade. "O grande mal do mundo é que eu não estou mandando", pensam elas.

Para essas pessoas, empreendedores representam um obstáculo à utópica "revolução social" que tanto almejam, pois as instituições da propriedade privada e da acumulação de riqueza são um empecilho para aqueles que sonham ter livre acesso às posses e à riqueza de terceiros, e utilizá-la de modo a implantar sua própria "utopia".

Empresários e empreendedores honoráveis

A baixa estima que empresas usufruem perante várias pessoas ao redor do mundo é preocupante. Afirmo isso porque empreendedores que operam no livre mercado estão em uma dimensão completamente diferente da daqueles que ganham a vida por meio da política, isto é, por meio dos impostos confiscados da população.

Com efeito, digo que não há maneira mais honrada e moral de ganhar a vida do que sendo um empreendedor na arena concorrencial e competitiva do livre mercado, ganhando seu dinheiro exclusivamente por meio da satisfação das pessoas, e não por meio de privilégios, subsídios e proteções concedidas pelo governo -- com o dinheiro confiscado de terceiros -- a seus favoritos.

Utilizando uma frase bíblica, muitos são os chamamentos, mas poucos são os escolhidos para assumir o papel de empreendedor. Eleitores não vão às urnas para alçar o empreendedor à sua posição de líder de uma empresa. Ele ganha sua posição não por meio de promessas aos eleitores, mas sim por meio dos serviços efetivamente entregues aos seus consumidores.

Em uma economia de mercado, aqueles que imaginam, projetam, criam, implantam e dirigem empreendimentos não precisam, inicialmente, da aceitação, da aprovação ou do consentimento de um grande número de coalizões de indivíduos ou de grupos, como têm de fazer os políticos em um processo eleitoral.

O empreendedor que opera no livre mercado é, inicialmente, auto-escolhido e auto-nomeado. Com efeito, suas idéias -- que o levam a criar, organizar e implementar suas atividades, levando assim à produção de bens e serviços -- podem não ser nem sequer entendidas e acreditadas pela grande maioria das pessoas. Antes de seu produto estar finalizado e ser oferecido aos consumidores, que podem livremente rejeitá-lo, o empreendedor não tem a mínima ideia sobre se será bem sucedido ou um fracasso retumbante.

Aceitar a tarefa de liderança empresarial, portanto, requer visão, arrojo, confiança, determinação e disciplina. Acima de tudo, requer apoio financeiro: ou de sua própria poupança, ou daqueles que ele consegue persuadir a lhe emprestar os fundos necessários, ou de eventuais sócios que ele consiga convencer a se arriscar junto a ele para levar suas idéias ao mercado.

O empreendedor é, portanto, alguém que está disposto a correr riscos em busca de lucros. E que pode acabar perdendo tudo.

Em contraste, políticos e funcionários públicos, tão logo escolhidos, têm renda e até mesmo aposentadoria garantidas.

As qualidades dos empreendedores que operam no livre mercado

Ao contrário do processo político, o sucesso de um empreendedor não é mensurado pelas urnas, mas sim de acordo com o êxito do empreendedor em conquistar a preferência voluntária dos consumidores pelo seu produto. E o grau dessa preferência será mensurado pelo total de receitas em relação ao total de custos incorridos pelo empreendedor para levar seu produto ao mercado.

Será que esse empreendedor conseguirá antecipar a direção e a tendência das demandas futuras dos consumidores? Mais ainda: será que ele conseguirá fazer isso de maneira mais precisa que seus concorrentes no mercado? Será que ele está alerta às oportunidades de lucro que outros não conseguiram perceber? Será que ele saberá como introduzir novos e melhores produtos no mercado -- ou então produtos bons e mais baratos -- para assim conseguir os "votos" dos consumidores por meio do dinheiro que estes gastam?

Acima de tudo: será que ele conseguirá fazer com que os consumidores voluntariamente gastem seu dinheiro em seus produtos e não nos produtos de outros concorrentes?

Não importa se um empreendedor vende geladeiras, pentes ou computadores: sua concorrência serão todos os outros empreendedores que estejam vendendo qualquer outro bem ou serviço no mercado. Para um empreendedor conseguir o dinheiro dos consumidores, estes terão necessariamente de abrir mão de algum gasto em alguma outra área.

Por isso, pode-se dizer que o mercado é uma democracia na qual cada centavo permite o direito de votar. Por meio de seus votos, mensurados em unidades monetárias, os consumidores determinam qual empreendedor continuará no mercado e qual perderá sua posição.

Embora o empreendedor inicialmente se auto-nomeie e se auto-escolha para incorrer o risco de uma atividade até então desconhecida, sem o consentimento prévio e o apoio financeiro do público consumidor, são os consumidores quem, em última instância, determinarão se ele manterá ou não sua posição empreendedorial nesta divisão de trabalho criada pelo mercado.

A determinação e o impulso empreendedorial

O líder empreendedorial tem de ser distintivamente obcecado e passionalmente dedicado ao seu papel na divisão do trabalho. Outros em sua empresa podem se dar ao luxo de chegar ao trabalho às nove da manhã e sair às 6 da tarde. Ele, não. Ele tem de trabalhar 24/7, mesmo quando está longe do seu local de trabalho.

A cadeia de fornecimentos da empresa está operando eficientemente? Os executivos e gerentes estão supervisionando corretamente suas divisões? Estas estão funcionando adequadamente? O que seus concorrentes estão planejando fazer? O que sua própria empresa está planejando fazer em termos de campanha publicitária, melhoria de produtos, inovações tecnológicas, e adaptação às constantes alterações no padrão de demanda dos consumidores?

O fardo de manter em dia a folha de pagamento de seus empregados -- pelos quais ele é responsável e cujo salário tem de chegar pontualmente mesmo que a empresa tenha vultosos prejuízos -- em conjunto com as obrigações que ele assumiu de entregar os bens e produtos aos seus consumidores e clientes significam que, como líder de seu negócio, sua mente simplesmente não pode descansar e desligar quando a jornada de trabalho de seus empregados acaba.

Uma grande parte da ética da livre iniciativa, portanto, é refletida na integridade, na disciplina, e na qualidade do caráter daqueles que optam por esse papel na divisão do trabalho.

Conclusão

Todos aqueles que já tiveram um negócio próprio, e fizeram grandes sacrifícios para isso, sabem bem o drama do primeiro dia: será que o mundo quer aquilo que tenho a oferecer?  Seja um imigrante abrindo um simples salão de beleza ou Steve Jobs vendendo um computador da Apple, o sucesso está longe de ser garantido.  Com efeito, a única coisa realmente garantida é o fracasso, o qual inevitavelmente ocorrerá caso você não saiba agradar aos outros.

Essas corajosas almas, os empreendedores que são a alma do capitalismo e que nos fornecem infindáveis benefícios materiais, desde caixas eletrônicos a remédios que salvam vidas, deveriam ser venerados, e não malhados.

São essas pessoas, por meio deste trabalho, que elevam o padrão de vida das massas. Foram elas, por meio de seus bens criados e serviços oferecidos, que reduziram a penúria das pessoas ao longo dos séculos, levando conforto, bem-estar e maior expectativa de vida para todos.

Acima de tudo, são elas que sustentam uma economia, que fornecem um meio de vida para todas as pessoas e que, de quebra, ainda têm de bancar toda a máquina pública.

Elas são seres humanos como eu e você, que utilizam o melhor de suas habilidades para servirem aos seus semelhantes e, com isso, moldarem seu próprio destino.

E são essas pessoas que são desprezadas pelos seus próprios beneficiários -- os quais levam uma vida cada vez mais pujante.

 

Sobre o autor

Richard Ebeling

Leciona economia na Northwood University de Midland, Michigan, é um scholar adjunto do Mises Institute e trabalha no departamento de pesquisa do American Institute for Economic Research.

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