A ética da polícia
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As polícias Federal e Militar são flagradas assaltando a propriedade de um dono de bingo |
Antes de qualquer coisa, quero deixar claro que este artigo não trata de uma crítica aos policiais corruptos, e sim à polícia
O que geralmente é alegado é que, diferentemente do segurança da loja do caso acima, o policial não segue ordens de um indivíduo privado, e sim de um estado. Mas isto não muda em absolutamente nada a natureza das ações. A ação humana é sempre individual. Apenas indivíduos agem. Suas ações são legítimas ou criminosas devido ao tipo de ação que elas são, e o fato de uma ação ter sido ordenada pelo dono da loja, por um presidente, por um rei, por um ditador ou pela maioria dos habitantes de determinada extensão territorial, não faz nada para transformar vícios
As subdivisões da polícia
Existem órgãos da polícia que desempenham exclusivamente atividades virtuosas e legítimas, outros que desempenham unicamente atividades criminosas e outros que desempenham ambos os tipos de atividades. Os policiais da Divisão Anti-Sequestro, por exemplo, são policiais que não se envolvem nas atividades criminosas do estado para o qual trabalham. A função deles é única e exclusivamente combater os criminosos que seqüestram pessoas, um dos crimes mais graves e terríveis que existe. E sempre que realizam um trabalho bem feito, são justamente considerados heróis, não só pelas vítimas salvas, mas também pela sociedade
Simples dilema
O que a primeira vista pode parecer um dilema difícil de ser resolvido é na verdade bem simples, pois "bandido" e "herói" não são qualificações mutuamente excludentes, i.e., uma pessoa -- não uma ação específica -- pode ser ao mesmo tempo bandida e heroína. Analisemos o caso hipotético de um conhecido assaltante da vizinhança que já praticou, e costuma praticar, muitos assaltados, e que por sempre ter conseguido escapar dos agentes de segurança que o perseguem, estava andando livremente pelas ruas quando se depara com um prédio em chamas e, corajosamente, arriscando sua vida, enfrenta o fogo e salva a vida de uma dúzia de pessoas. Alguém diria que ele deixou de ser ladrão depois disso? Claro que não, porque um ato bravo, digno e heróico não redime e nem apaga crimes cometidos anteriormente, e nem os que poderão ser cometidos posteriormente. E vice-versa, um crime cometido não faz com que um ato heróico anterior ou posterior deixe de ser um ato heróico. Este ladrão do exemplo será sempre um herói para as doze pessoas que continuaram vivas devido a seu ato, mas por outro lado, para suas vítimas, ele será sempre a pessoa que os assaltou. Outro exemplo: se um homem persegue e prende o estuprador de uma criança e no dia seguinte assassina covardemente um homem, ele deixa de ser um assassino e não deve pagar por este crime? Obviamente que não, pois embora ele mereça o reconhecimento e a admiração de todos por ter ajudado a fazer justiça no caso do estupro, ele também merece o desprezo e a revolta da sociedade por ter assassinado uma pessoa inocente, e deve ser punido severamente como qualquer outro assassino que nunca tenha cometido ato heróico algum.
Então, se é simples analisar eticamente aquelas subdivisões da polícia que não cometem crimes e aquelas que somente cometem crimes, também é fácil termos uma opinião sobre aquelas subdivisões que desempenham tanto funções legítimas e necessárias quanto funções criminosas. Os policiais que fazem parte dessas subdivisões e desempenham estas funções não são em nada diferentes de João, o segurança de nosso exemplo acima, que além de segurança da loja, passa a cometer variados crimes. Eles não passam de criminosos, que eventualmente também executam boas ações.
A diferença que existe entre os criminosos privados e esporádicos e os policiais criminosos é que os primeiros são anônimos, eles estão sempre fugindo e se escondendo, e geralmente só são revelados como sendo criminosos depois de pegos. Já os polícias geralmente revelam sua identidade e se identificam através de uniformes e distintivos. Os veículos e edificações usados por este grupo criminoso exibem abertamente suas marcas. E eles alardeiam com orgulho seus crimes, como quando, por exemplo, eles "fazem uma apreensão de drogas e contrabando", em outras palavras, quando eles assaltam a propriedade de comerciantes, e anunciam orgulhosamente para a sociedade todos os números e detalhes do roubo que praticaram.
Conclusão
Deste modo, o monopólio compulsório do uso da força exercido por uma organização que além deste crime -- do monopólio[3] -- pratica inúmeros outros, cria uma situação em que a instituição da polícia, que deveria ser a guardiã dos direitos de propriedade, é a mesma que ataca estes direitos; que aquelas pessoas que deveriam desempenhar exclusivamente uma das mais honradas e corajosas funções da sociedade, a de enfrentar e combater diretamente uma das piores coisas de nosso mundo, a maldade humana, manifestada na forma de terríveis crimes contra a vida e propriedade, são as mesmas pessoas que na maioria dos casos desempenham muitos outros crimes -- as vezes não fazem nada além de praticar crimes, conforme visto acima. Não deixa de ser espantoso o fato de que, por exemplo, um PM, em um dia heroicamente e arriscando a própria vida proteja pessoas de um latrocínio, e no dia seguinte invada uma propriedade privada e aponte armas para senhoras impedido-as de se divertirem num jogo de bingo, merecendo com este e tantos outros crimes que cometem no seu dia a dia o mesmo menosprezo que a sociedade reserva ao assaltante combatido por ele no dia anterior. Estas pessoas, que, por um dom divino, por uma propensão genética, ou pelo motivo que for, possuem a coragem de enfrentar os elementos mais cruéis da sociedade, deveriam ser as primeiras a denunciar os crimes ordenados pelo estado e, obviamente, se recusarem a executá-los.[4]
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[1] A ética não é subjetiva, não é uma "questão de opinião pessoal". Existe uma ética objetiva, válida para todos os seres humanos, independentemente de tempo ou lugar, ou seja, um crime é um crime tanto para um tupi-guarani em 1424, quanto para um polonês em 1986, um egípcio[2]Este ponto é mais profundamente analisado e brilhantemente exemplificado pelo professor Block em "O policial desonesto", Defendendo o indefensável, Editora Ortiz, 1993.
[3] Segundo a ciência econômica, o termo "monopólio" refere-se apropriadamente à "concessão de um privilégio especial pelo Estado, que reserva determinada área de produção a um indivíduo ou grupo específico", obviamente através do uso ou ameaça do uso de violência contra pessoas que tentem concorrer com o privilegiado, ofertando no mercado o mesmo produto ou serviço. Murray Rothbard, Man, Economy and State with Power and Market, cap. 10, parte 3-A.
[4] Não só os policiais que praticam estes crimes consentem com eles, como também uma maioria da população apóia estas ações criminosas. E é este aval, mesmo que passivo, que dá força para que estas ações ocorram. Seria o ideal, mas mesmo que os policiais não se recusassem a seguir as ordens criminosas do estado, se a maioria da população enxergar a verdade sobre estas ações e retirar seu consentimento, elas irão cessar. Sem este consentimento, as armas dos policiais nada poderiam fazer. Ou, como o professor Hoppe coloca:
Hans-Hermann Hoppe, A fraude chamada "estado".Novamente, a idéia é a seguinte: o presidente pode dar uma ordem, mas a ordem tem de ser aceita e executada por um general; o general pode dar uma ordem, mas a ordem tem de ser executada pelo tenente; o tenente pode dar a ordem, mas a ordem tem de ser executada em última instância pelos soldados, que são aqueles que terão de atirar. E se eles não atirarem, então tudo aquilo que o presidente -- ou o supremo comandante -- ordena passa a não ter qualquer efeito. Assim, o estado somente pode efetuar suas políticas se as pessoas lhe derem seu consentimento voluntário. Elas podem não concordar com tudo que o estado faça e/ou ordene que outros façam, mas, enquanto elas colaborarem, serão obviamente da opinião de que o estado é uma instituição necessária, e os pequenos erros que esta instituição cometa são apenas o preço necessário a ser pago para se manter a excelência do que quer que ela produza. Quando essa ilusão desaparecer, quando as pessoas entenderem que o estado nada mais é do que uma instituição parasítica, quando elas não mais obedecerem às ordens emitidas por essa instituição, todos os poderes estatais, mesmo o do mais poderoso déspota, desaparecerão imediatamente.
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