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Economia

Quanto mais o “estado empreendedor” fracassa, mais adeptos ele ganha

Apesar de todos os exemplos práticos em contrário, quando iremos aprender?

21/10/2016

Quanto mais o “estado empreendedor” fracassa, mais adeptos ele ganha

Apesar de todos os exemplos práticos em contrário, quando iremos aprender?

Com a estrepitosa implosão de todos os recentes experimentos socialistas (Venezuela) e intervencionistas (Brasil e Argentina) na América Latina, restou apenas uma única bandeira a ser empunhada com algum vigor pela esquerda: o estado empreendedor.

O estado empreendedor seria aquele que faz parcerias com -- e concede subsídios para -- empresas e, com isso, se torna capaz de criar bens e serviços para a população.

Atualmente, a condutora intelectual deste movimento é a professora Mariana Mazzucato.  Nascida em Roma a 16 de junho de 1968, mudou-se com os pais, quando ainda tinha 4 anos, para os EUA, país em que viveu quase toda a sua vida até o ano 2000.  Atualmente, a doutora Mazzucato leciona "Economia da Inovação" na Universidade de Sussex, no Reino Unido.

Junto a Thomas Piketty e Paul Krugman, pode-se dizer que Mazzucato também já adquiriu um lugar cativo entre os "economistas estrelas" que defendem políticas governamentais intervencionistas, não importa o quanto estas já tenham se revelado desastrosas.

Mas, contrariamente a Piketty e Krugman, que fazem apenas repetir chavões e lugares-comuns, o argumento da professora Mazzucato é, convenhamos, um tanto provocador e original.  Segundo suas pesquisas, o setor privado não deveria se queixar dos altos impostos que tem de pagar, e nem das travas regulatórias às quais tem de obedecer.  Em vez de reclamar, as empresas e os consumidores deveriam, isso sim, agradecer ao governo, pois impostos e regulamentações são os principais impulsionadores da inovação e do crescimento.

Em seu livro O Estado Empreendedor, a autora se compromete a "demonstrar que o Estado não é um ente burocrático lento e pesado, mas sim a organização mais empreendedora do mercado, a qual assume os investimentos de maior risco."

Por este ponto de vista, quando o estado gasta o dinheiro dos pagadores de impostos com Pesquisa e Desenvolvimento, ele alcança descobertas científicas que o setor privado utilizará para fabricar novos produtos e serviços.  Talvez sua frase mais provocadora seja a de que "sem o estado, o Google não existiria".

Mazzucato aplica a mesma lógica ao iPhone e a várias outras inovações que utilizamos no dia a dia, as quais, segundo ela, só existem por causa do estado, a quem deveríamos ser gratos por financiar pesquisas visando a descobertas -- ao contrário dos empreendedores privados, que só pensam no lucro.

Esse raciocínio de Mazzucato pode até soar convincente à primeira vista, mas a pergunta inevitável é: não seria ele decorrente de uma análise apressada -- para não dizer mal feita -- em relação à sequência correta dos acontecimentos?

Para começar, a economista em momento algum se pergunta como o estado conseguiu o dinheiro para financiar pesquisas.  Dado que o governo se financia ou por meio de impostos que confisca do setor privado ou por meio de endividamento (títulos públicos que vende ao setor privado), não estaríamos perante uma situação completamente oposta à apresentada por Mazzucato?

Pode ser que o Google só tenha surgido após todos os investimentos estatais feitos pela National Science Foundation (NSF -- agência governamental americana que promove pesquisas em todos os campos da ciência e engenharia), mas a pergunta ainda permanece: quantas empresas privadas importantes tiveram necessariamente de existir antes para que o estado pudesse lhes cobrar impostos (ou tomar dinheiro emprestado) para assim poder financiar a criação da NSF?

Mais: a tese de Mazzucato simplesmente não consegue explicar processos fundamentais como a Revolução Industrial.  Na época, o gasto estatal direcionado à Pesquisa e Desenvolvimento era praticamente inexistente.  Com efeito, em 1930, o gasto estatal em P&D representava somente 14% de todo o gasto com P&D nos EUA (os outros 86% eram privados).

Essas constatações empíricas, por si sós, mostram que o setor privado, quando livre, não vê problema nenhum em assumir riscos e empreender, mesmo não havendo um governo que o subsidie.

Outro ponto completamente ignorado pela tese de Mazzucato é o famoso "custo de oportunidade".  Dado que o governo tem de tomar dinheiro do setor privado para financiar pesquisas, então o setor privado inevitavelmente fica com menos recursos para que ele próprio faça pesquisa e desenvolvimento. E também com menos recursos que poderiam ser direcionados a melhores fins. Questão de lógica econômica.

Toda ação econômica carrega custos de oportunidade, e pode gerar consequências não-previstas. O investimento estatal feito com recursos extraídos do setor privado pode obstruir o desenvolvimento de outras áreas da economia, as quais agora, sem recursos suficientes (pois foram confiscados pelo estado), não mais terão como levar adiante seus projetos e inovações.

Apple e Google são os exemplos favoritos de Mazzucato.  Segundo ela, sem o estado, tais empresas não existiriam.  Além de todos os problemas de custos de oportunidades já citados acima, Mazzucato ignora que várias outras empresas também tiveram acesso ao mesmo investimento estatal em P&D utilizado por Google e Apple, mas nenhuma delas alcançou o êxito de ambas em termos de inovação tecnológica.

O êxito do iPhone, por exemplo, não se deve à tecnologia financiada pelo estado. Já havia outros dispositivos com as mesmas características do iPhone.  O êxito do iPhone se deve a seu desenho e a seu sistema operacional.  E este foi um desenvolvimento puramente interno, da empresa.

Exemplos práticos

Além de defender a tese de que o estado deve ser o maior responsável pelas pesquisas inovadoras nas áreas fundamentais da ciência e tecnologia, Mazzucato separa o que chama de invenções "ligeiras" -- as produzidas pelo setor privado, como novos modelos de tablets -- e inovações "grandes", de horizontes mais amplos, como as da área da saúde e mecanismos de "ciclo completo", como a Internet.

Ela afirma que as grandes inovações produzidas nos EUA foram todas financiadas e criadas pelo estado, como a Internet, o GPS (pelo Pentágono) e medicamentos (pelo Departamento de Saúde). E afirma que o setor privado tem "medo" de assumir riscos, o que não acontece com o estado.  

Mas vejamos algumas curiosidades.

A Internet, ou melhor, sua tataravó, foi de fato concebida em plena Guerra Fria por técnicos da NASA, mediante o ARPA (Advanced Research Projects Agency), mas só se expandiu e progrediu com o desenvolvimento da rede em ambiente mais livre, não militar -- ou seja, privado --, em que não apenas os pesquisadores, mas também seus alunos e os amigos desses alunos, puderam ter acesso aos estudos já empreendidos e usaram sua inteligência e desenvolveram esforços para aperfeiçoá-los de uma forma fantástica.  

O mesmo processo se deu com a Internet propriamente dita: foram jovens da chamada "contracultura" -- e não funcionários do estado --, ideologicamente defensores da difusão livre de informações, que realmente contribuíram decisivamente para a formação da Internet como hoje é conhecida.

Vinton Cerf foi o indivíduo que desenvolveu os protocolos TCP/IP, que são a espinha dorsal (a rede de transporte) da internet.  Tim Berners-Lee merece os créditos pelos hyperlinks. Mas foi nos laboratórios da Xerox PARC, no Vale do Silício, na década de 1970, que a Ethernet foi desenvolvida para conectar diferentes redes de computadores.  

Quanto ao GPS -- e poucos sabem disso -- foi uma ideia de uma estrela de Hollywood, a belíssima Hedy Lamarr, nome artístico de Hedwig Eva Maria Kiesler (1913-2000), nascida em Viena, estrela sexy de filmes como Idílio Perigoso (1944), Sansão e Dalila (1949), O Vale da ambição (1950) Meu Espião Favorito (1951), e A História da Humanidade (1957), entre muitos outros.  Hedy criou a tecnologia básica para o Sistema de Posicionamento Global (GPS, na sigla em inglês) durante a II Guerra Mundial.  

Judaica de origem e horrorizada com o avanço nazista, queria ajudar os EUA e os aliados.  Havia aprendido sobre radiocomunicação graças à convivência, ainda na Áustria, com o ex-marido, Fritz Mandl, um rico fabricante de armas e seus colegas engenheiros.  E sua contribuição científica aconteceu quando já havia se divorciado de Mandl e fugido para os EUA.

Conforme relatado aqui, a famosa atriz inspirou-se no som do piano para bolar sua maior invenção: em 1940, conheceu o compositor George Antheil, também curioso por ciência. Certa noite, quando tocavam piano, ela se deu conta de que cada tecla emitia uma frequência de longo alcance diferente.  E, assim como elas se alternavam rapidamente em uma música, talvez algo parecido pudesse ser aplicado aos espectros de comunicação militar. Aprimorada por Antheil, a análise de Lamarr originou o sistema "salto de frequência", no qual estações de radiocomunicação eram programadas para mudar de sinal 88 vezes seguidas (o mesmo total de teclas de um piano).  Com isso, as forças inimigas teriam dificuldade em detectar esse registro alternado, que poderia ser então usado por navios e aviões, para orientar torpedos.

A dupla chegou a patentear a ideia e a ofereceu à Marinha dos EUA, mas foi rejeitada, sob o argumento de que seria demasiadamente cara (existe algo "caro" para governos)? A invenção perdeu -- felizmente -- exclusividade militar e se tornou a base de várias tecnologias atuais.  Ela é aplicada, por exemplo, em satélites de orientação para meios de transporte civis -- o famoso GPS (Global Position System) e também no wi-fi e no bluetooth.

E há mais.

Masaru Ibuka, um engenheiro, e Akio Morita, um físico, ambos japoneses, logo após a II Guerra Mundial, procuraram o Ministério da Indústria e Comércio do Japão em busca de recursos para desenvolverem suas ideias. Receberam um sonoro "não"!  Resolveram, então, fundar a empresa Totsuko, em maio de 1946, em um grande armazém bombardeado pelos americanos, em Tóquio.  A nova empresa não tinha qualquer maquinaria e possuía muito pouco equipamento científico e contava apenas com a inteligência, conhecimentos de engenharia e o espírito empreendedor de Ibuka e Morita. Trata-se, como o leitor já deve ter percebido, simplesmente, da Sony.

Como você poderá ver aqui e também aqui, graças ao espírito verdadeiramente empreendedor desses dois fantásticos homens, a Sony cresceu e hoje seu nome está associado a inovação, tecnologia avançada, qualidade e durabilidade.  Ver televisão em uma Bravia, trabalhar em um laptop Vaio, tirar fotos com uma Cybershot, jogar Playstation, gravar com uma Handycam, ouvir música em um Walkman -- essas são apenas algumas das "crias" tecnológicas de dois indivíduos, graças ao "não" recebido dos burocratas japoneses.  

Perguntemos à Professora Mazzucato se eles eram funcionários públicos.

E o que dizer do próprio Steve Jobs, que revolucionou seis indústrias: computadores pessoais, filmes de animação, música, telefones, tablets e publicação digital?  Era por acaso funcionário público?  E Bill Gates e Paul Allen, criadores da Microsoft em 1975, em Albuquerque, no Novo México? Eram burocratas iluminados ou empreendedores que acreditaram em suas ideias e assumiram os riscos de colocá-las em prática?

Mais exemplos: Jorge Paulo Lehmann é um burocrata?  E Alexandre Tadeu da Costa, fundador da Cacau Show?  E Antônio Alberto Saraiva, criador da Habib´s?  E Romero Rodrigues, da Buscapé Company?  E Robinson Chiba, da China in Box?  E Flavio Augusto da Silva, que, com apenas 23 anos, decidiu lançar um projeto inovador com o objetivo de, em 18 meses, dar fluência na língua inglesa a adultos, e que, para fundar sua empresa, a Wise Up, usou R$ 20 mil de seu cheque especial, com juros de 12% ao mês?  

Qual o papel exercido pelo estado em todos esses casos, a não ser o de recolher tributos para benefício próprio?

O BNDES nos trouxe algo de bom?

Em 2013, Mazzucato concedeu uma entrevista ao programa "Milênio", da Globonews.  Elogiou o então governo brasileiro e o BNDES.

Compreensível. De certa forma, o BNDES faz aquilo que Mazzucato defende: financia, subsidia e participa das decisões de grandes empresas, tornando o estado um empreendedor.

E fazer do estado um empreendedor foi o exatamente o objetivo do BNDES fez na última década. O Tesouro se endividou emitindo títulos que pagam a SELIC e repassou esse dinheiro para o BNDES, o qual então emprestou esse dinheiro a grandes empresas cobrando juros abaixo de 5%, e em prazos que chegam a 30 anos.

Ou seja, utilizando dinheiro de impostos, o governo fez empréstimos subsidiados -- e a condições artificialmente favoráveis -- às grandes empresas escolhidas por ele. 

Estado empreendedor em sua melhor definição. Mazzucato, com razão, elogiou este arranjo.

Essa política de privilégios a grandes empresas ficou conhecida como a política das "campeãs nacionais", e tinha como objetivo criar empresas fortes e mundialmente competitivas em vários setores da economia: de empreiteiras a telefônicas, passando por frigoríficos, empresa de alimentos, de laticínios e de celulose.

Logo, a política de "campeãs nacionais" nada mais foi do que uma política industrial na qual o governo transferia renda da população para determinados setores ou empresas favorecidas, para que estas então pudessem se desenvolver com a ajuda do estado.

As consequências econômicas dessa política industrial do BNDES foram a explosão do endividamento do governo e a estagnação da economia (explicada em detalhes neste artigo).  Já a consequência moral foi a Lava-Jato.  

E a ideia, em si, contou com o apoio de Mazzucato.

Conclusão

Criatividade só se converte em inovação quando o papel de descobrir as melhores oportunidades para as empresas cabe ao empreendedor, e não ao burocrata.

Mazzucato defende que governo trate o empreendedorismo como se este fosse algo relacionado a planejamentos estratégicos, quando, na verdade, é um processo de descobertas inovadoras.

E a competitividade de uma economia depende desse processo de descobertas.

A inovação e a criatividade são características intrínsecas do ser humano. E elas se desenvolvem com maior ímpeto naqueles países em que predomina a liberdade economia, a qual permite que as pessoas possam se arriscar e usufruir os benefícios de seus empreendimentos.  A tese de que a intervenção estatal é a chave para que este processo se desenvolva não apenas atenta contra a lógica econômica, como também serve apenas como argumento para intensificar políticas intervencionistas, as quais sempre se comprovam nocivas para o desenvolvimento de longo prazo dos países.

Quem deve escolher os vencedores do mercado não são os burocratas do estado, como que Mazzucato, mas sim os milhões de consumidores.

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Iván Carrino é analista econômico da Fundación Libertad y Progreso na Argentina e possui mestrado em Economia Austriaca pela Universidad Rey Juan Carlos, de Madri.

Ubiratan Jorge Iorio é economista, Diretor Acadêmico do IMB e Professor Associado de Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).  Visite seu website.

Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

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