Economia
A Olimpíada no Brasil - enquanto as elites ligadas ao governo festejam, o povo passa por privações
A Olimpíada no Brasil - enquanto as elites ligadas ao governo festejam, o povo passa por privações
Em suma, R$ 16,5 bilhões serão bancados pelos pagadores de impostos de todo o Brasil, do estado do Rio e da cidade do Rio.
R$ 16,5 bilhões, à taxa de câmbio de hoje (10/08), equivalem a US$ 5,29 bilhões.
Para algumas pessoas que vivem em países ricos, tal valor pode parecer uma quantia significativa, mas a verdade é US$ 5,29 bilhões representa uma imensa quantia de dinheiro no contexto da atual economia brasileira. E também é muito quando comparado a todo o orçamento do governo federal.
Por exemplo, em 2015, os gastos totais do governo federal (incluindo o serviço da dívida) foram de R$ 1,646 trilhão. Isso significa que todo o gasto público voltado para a Olimpíada (R$ 16,5 bilhões) equivale a 1% de todo o orçamento federal.
Em termos comparativos, como seria se os EUA gastassem uma porcentagem igual na Olimpíada?
Os gastos totais do governo federal americano são de aproximadamente US$ 3,25 trilhões. Se o setor público americano gastasse 1% do orçamento do governo americano em um evento esportivo, isso daria US$ 32,5 bilhões. Tal quantia é simplesmente maior que todo o orçamento anual de vários ricos estados americanos, dentre eles Pensilvânia, Indiana, Novo México, Connecticut, Kansas, Missouri, Colorado, Maine, Georgia, Nevada e Oklahoma.
Em outras palavras, trata-se de uma quantia substantiva.
Para efeitos de comparação, vale observar que a Olimpíada de Atlanta, estado da Georgia, em 1996 -- a última Olimpíada sediada pelos EUA -- custou, à época, US$ 2,6 bilhões, os quais, ajustado pela inflação, equivalem hoje a US$ 3,9 bilhões. Uma parte foi bancada pela prefeitura, a outra parte pelo governo federal. Em todo caso, não apenas a quantia nominal foi muito menor que a do Brasil (US$ 3,9 bilhões contra US$ 5,28 bilhões), como também a porcentagem em relação ao orçamento total do governo foi minúscula.
Logo, quando comparamos os números, descobrimos que o setor público brasileiro gastou uma quantia obscena de dinheiro na Olimpíada. E tudo fica ainda mais ultrajante quando se compara tais cifras à economia brasileira e ao salário médio de um cidadão brasileiro.
E o que a Olimpíada trará de positivo para os brasileiros? Bem, se a regra econômica observada na esmagadora maioria dos países que sediaram grandes eventos esportivos se mantiver também para o Brasil, então a Olimpíada não trará nada de positivo para a economia do país. E nem muito menos para os pagadores de impostos, que foram forçados a repassar dinheiro para bancar toda a festa.
Contrariamente ao que gosta de apregoar o governo, as redes hoteleiras, a mídia e as empreiteiras ligadas ao governo, eventos esportivos não produzem riqueza para as economias locais:
"Se há uma área na economia em que há consenso entre os economistas, é esta", disse Michael Leeds, um economista da Temple University. "Não há impacto".
"Por exemplo, se todos os times esportivos de Chicago repentinamente desaparecessem, o impacto sobre a economia de Chicago seria uma fração de 1%", disse Leeds.
Mas grandes eventos esportivos como as Olimpíadas são muito piores, pois eles inevitavelmente geram pesados transtornos para a população local: o comércio local é fechado e há uma pesada militarização da polícia local para propósitos de "segurança". Aqueles que já tiveram a infelicidade de morar próximo a estes eventos sabem que o trânsito pode ficar interrompido por vários dias seguidos, e o comércio dentro do perímetro de segurança perde todos os seus clientes.
Quando o evento acaba e todos os visitantes vão embora, o comércio local não vê nenhum benefício que compense o maciço fardo tributário e o enorme endividamento gerados pelo evento.
Mas há benefícios para alguns grupos de pessoas, é claro. Os eventos são um parque de diversões para políticos, empreiteiras e grandes empresários, os quais se beneficiam imensamente dos lucrativos contratos governamentais para construir (provavelmente com algum superfaturamento) os estádios, as piscinas e as luxuosas edificações, nas quais fazem festinhas privadas com os ricos e famosos. Os políticos, por sua vez, recebem os "agrados" dessas empreiteiras escolhidas.
As redes de hotéis e a própria mídia também se beneficiam do evento.
Já para os membros do Comitê Olímpico Internacional, as Olimpíadas são uma festa non-stop, durante a qual eles vivem na opulência à custa dos pagadores de impostos, os quais devem se sentir privilegiados por sediar e bancar esse prestigioso evento.
Esse estilo de vida dos membros do COI não é novidade nenhuma. Ainda em 2014, a Noruega desistiu de sua candidatura à sede dos jogos de inverno de 2022 após a imprensa norueguesa ter vazado a lista de exigências -- "típicas de uma diva de cinema", segundo a própria imprensa -- feitas pelos membros do COI, que exigem várias mordomias, como as melhores comidas e as mais finas bebidas existentes, bem como o privilégio de usufruírem faixas de trânsito exclusivas em ruas e estradas. Os pagadores de impostos noruegueses simplesmente não tiveram o estomago para tolerar as excêntricas demandas da elite do COI. Tais demandas incluíam:
- Faixas de trânsito exclusivas deverão ser criadas em todas as ruas e estradas pelas quais os membros do COI irão trafegar, sendo que estas não deverão em hipótese alguma ser utilizadas pelos cidadãos comuns ou pelo transporte público.
- Nos quartos de hotel dos membros do COI deverá haver uma saudação de boas vindas feita pelo chefe olímpico local e pelo gerente do hotel, junto com doces, bolos e frutas frescas da estação.
- Os membros do COI devem utilizar entradas e saídas exclusivas no hotel e no aeroporto.
E várias outras. À época, o jornal canadense The National Post escreveu que "o Comitê Olímpico Internacional é uma organização notoriamente ridícula gerida por corruptos e por aristocratas hereditários [leia-se: descendentes de ladrões altamente bem-sucedidos do passado]".
Nada mudou desde 2014, exceto que, agora, os aspirantes à realeza do COI, em vez de espoliarem a classe média da Europa, estão tendo seus luxos bancados pelo suor dos trabalhadores pagadores de impostos de um país que está vivenciando sua pior recessão em 90 anos.
Enquanto os membros do COI degustam champanhe em suas luxuosas instalações construídas com os impostos dos brasileiros, com suas despensas fartamente providas e refeições opulentas, será fácil para eles ignorarem as favelas repletas de brasileiros miseráveis que tiveram o prazer de pagar por tudo isso.
[N. do E.: vale ressaltar que a maioria dos gastos foi feita pelos governos estadual e municipal, que têm como suas principais fontes de arrecadação o ICMS (que é estadual, mas também repassado os municípios) e o ISS (que supera o IPTU). Nenhum pobre escapa desses dois impostos.]
Seria algo completamente diferente, é claro, se os jogos Olímpicos fossem 100% financiados privadamente. Se isso ocorresse, aí sim os jogos Olímpicos poderiam ser contabilizados como um investimento na economia local, com turistas estrangeiros gastando seus dólares e o COI bancando integralmente todas as instalações que utilizou.
Mas não é assim que as Olimpíadas funcionam, de modo que os brasileiros, assim como os cidadãos de outros países-sede, pagaram bilhões em impostos enquanto a elite do COI, das redes hoteleiras, da mídia, das empreiteiras e da política (e, em vários casos, muitos atletas) faz farra à custa da população.
Mas a boa notícia é que, em várias cidades, os cidadãos já começaram a se dar conta da fraude. Em julho de 2015, a cidade de Boston desistiu de ser candidata a sediar a Olimpíada de 2024 após a pressão da população, que se manifestou contra "o endividamento, as remoções e a militarização do espaço público" que os jogos olímpicos impõem a todas as cidades-sede. Adicionalmente, os cidadãos da Polônia e, como já dito, da Noruega, também se recusaram a bancar mais uma festinha internacional para milionários.
E, em um esforço prático para acabar com boa parte da corrupção e do desperdício gerados pelo processo de candidatura, algumas pessoas já deram a sensata e prática sugestão de que as Olimpíadas deveriam ser sediadas em um único lugar (por exemplo, Atenas) de agora em diante.
A mais necessária reforma, é claro, é acabar imediatamente com todos os gastos olímpicos financiados por impostos.
Negócios corporativistas como as Olimpíadas ajudam a nos lembrar que há uma grande -- aliás, intransponível -- diferença entre defender o livre mercado e defender grandes empresas. Empreiteiras e outras grandes empresas sempre estarão muito à vontade em espoliar os pagadores de impostos caso saibam que esse dinheiro irá para seu bolso ou para subsidiar projetos do seu interesse.
Por outro lado, empreendedores, empregadores e pagadores de impostos que não possuem poder organizacional, que não fazem lobby e que não têm políticos em sua folha de pagamento não têm importância nenhuma para esses "líderes" empresariais que influenciam políticos e suas políticas.
Estádios bonitos, instalações vistosas e
mega-eventos globais sem dúvida nenhuma são ótimos para as contas bancárias dos
ricos e poderosos com boas conexões políticas. Mas aqueles que arcam com
a fatura disso tudo não melhoram em nada sua situação.
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