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Política

Um olhar sobre a globalização

29/04/2009

Um olhar sobre a globalização

Introdução

A globalização desperta um exército enorme tanto de defensores quanto de opositores. Mas para que se possa expressar qualquer opinião a respeito do tema, é preciso evitar as paixões e ideologias infundadas, e estabelecer dentro de quais limites ele se atém. A definição de globalização de Baghwati mostra-se bastante clara e abrangente. Segundo o autor, a globalização "consiste na integração das economias nacionais em uma economia internacional através do comércio, do investimento estrangeiro, fluxos de capital de curto prazo, fluxo internacional de trabalhadores e pessoas em geral e fluxos de tecnologia." [1] .

 

A globalização da liberdade

A globalização tem o poder de libertar-nos do isolamento. Livra-nos da exclusão a que nos submete o protecionismo, tornando possível a livre interação entre pessoas e idéias diferentes e promovendo o respeito e o conhecimento entre as diferentes culturas.  Proporciona maior prosperidade e bem-estar aos que nela engajam-se e torna-os, efetivamente, participantes do mundo.

Quando um país isola-se dos demais, cria internamente um mercado manipulado, onde o Estado isenta os produtores da obrigação de satisfazerem os consumidores da melhor maneira possível, onde os preços são distorcidos e os indivíduos são trapaceados e impedidos de prosperar. A globalização dos mercados permite ao consumidor tomar as rédeas do comércio mundial. O produtor sozinho não oprime. Se o fizesse, perderia sua clientela. Mas o que acontece quando o Estado dá a sua parcela de colaboração? Monopólios, ineficiência e desemprego. Para Adam Smith, a divisão do trabalho é limitada pela extensão do mercado. "Quando este é muito restrito, ninguém se sente disposto a dedicar-se completamente a uma única tarefa, pois não consegue trocar todo o excedente do seu trabalho, de que não necessita, pelo excedente da produção dos outros homens, em que está interessado."[2] Dessa maneira, a globalização, à medida que transforma o mundo em um único mercado global, promove o encontro entre todos os produtores do mundo e torna possível a máxima divisão do trabalho. Uma vez que o comprador tem livre acesso ao mercado internacional, evita-se que um único produtor detenha a oferta e força-se cada produtor a superar-se para oferecer produtos de melhor qualidade a preços mais competitivos com o resto do mundo.

Espelhando a simples dinâmica de um mercado local, o processo de globalização revela quão perfeita é a sincronia quando os indivíduos são livres para buscarem a satisfação das suas próprias vontades. Em seu livro "I, Pencil" [3] , Leonard E. Read ilustra claramente o funcionamento da "mão invisível". Nenhuma das milhares de pessoas envolvidas no processo de produção descrito pelo autor desempenhou sua tarefa porque queria obter um lápis como produto final. Cada um via seu trabalho como um mero meio de conseguir os bens e serviços de que precisava. O lápis foi produzido sem que nenhuma autoridade soberana ordenasse às milhares de pessoas a trabalhar. Eles falavam línguas diferentes, moravam em lugares diferentes, tinham crenças diferentes, mas nada disso os impediu de cooperar para produzir o lápis. É o claro exemplo de um mercado global integrado: a globalização.

Embora seja um ponto-chave no processo de globalização, o sucesso das relações econômicas entre os países não depende apenas de escancararem suas portas para o comércio internacional. O comércio não é feito entre países, mas sim, entre pessoas. É por esta razão que, em primeiro lugar, devem ser garantidas localmente as liberdades individuais. Cada país deve estrutura-se devidamente, cabendo ao governo ocupar-se de proteger a liberdade, de modo que permita o funcionamento ideal do mercado.

Possivelmente, uma das principais razões pelas quais os países em desenvolvimento se encontram em desvantagem e atrasados no processo de globalização seja pelo modo como implantaram as suas reformas políticas e econômicas de liberalização. Na América Latina, as mudanças do desenvolvimentismo para uma maior abertura econômica ocorreram por causa das falhas das antigas políticas, e não pelo comprometimento dos governos com os princípios do livre mercado. 

A implantação incompleta das políticas de liberalização pode trazer enormes prejuízos a um país. Um exemplo pode ser encontrado no caso da crise da Argentina que, paralelamente ao processo de liberalização econômica, promoveu o aumento de 90% no gasto governamental e na dívida pública, excedendo o crescimento de 50% do PIB no período entre os anos de 1991 e 2000[4] . Da mesma maneira, a quebra do peso mexicano foi resultado de uma taxa de câmbio dirigida pelo governo e políticas monetária e fiscal expansionistas. Políticas claramente inconsistentes com economias de mercado. O problema mostra-se, então, não com a implementação do livre mercado, mas com a sua adoção incompleta. Faltam medidas condizentes com a liberdade econômica.

Os países em desenvolvimento relutam em abrir suas portas ao exterior temendo uma competição desigual, mas, em grande parte também, por reclamarem da falta de contrapartida dos países mais ricos. Ora, os fatos não confirmam tal argumento. Baghwati[5] mostra que a proteção industrial média nos países pobres ainda é bem maior do que nos países ricos. E, ainda, o Brasil se mostra um caso bastante preocupante, sendo um dos mais protecionistas países em desenvolvimento. No Índice de Liberdade Econômica do ano de 2008[6] elaborado por The Heritage Foundation, o país ocupa apenas a 21ª posição dentro do continente americano e a 101ª no mundo.

Por estranho que possa soar aos ouvidos, nos dias de hoje, no início do século XX, já se usou a expressão "rico como um argentino" [7]. O motivo? O país contava com baixos impostos e mínimas restrições ao ingresso de pessoas, bens e capital vindos do exterior, combinados com as vastas terras férteis do pampa. A receita perfeita para a prosperidade de uma nação. Criou-se naquele país uma sólida infra-estrutura, sendo o capital estrangeiro o responsável pela construção de ferrovias e financiamento da agricultura e da indústria. Cenário este que Perón destruiu, implementando uma economia nacionalista e protecionista para que a Argentina se tornasse independente dos "malévolos" estrangeiros.

A globalização é vista como uma imposição das vontades dos países ricos sobre às dos demais, mas o sentido da sua evolução é inverso ao que, geralmente, se afirma. Não é a globalização que tem forçado os governos a adotar políticas de mercado. Pelo contrário: o fracasso das políticas desenvolvimentistas e intervencionistas em muitos países ao redor do globo demanda novas soluções, encontradas nas políticas liberais pró-mercado. Desse modo, o caminho para a globalização tem sido aberto.

Fomentar a liberdade torna possível o avanço do processo de globalização, levando à maior prosperidade, ao progresso, ao respeito entre os povos e à paz.

 

A globalização do bem-estar

A globalização tem se mostrado a maneira mais eficiente de aumentar o bem-estar do maior número de pessoas ao redor do mundo. Nos últimos 30 anos, 800 milhões de pessoas livraram-se da miséria, tendo maior acesso ao sistema de saúde, escolas e informação[8]. Mas, ainda que tenha ocorrido um claro aumento do padrão de vida e centenas de milhões de pessoas tenham saído da pobreza, à medida que as barreiras entre as nações foram sendo derrubadas, a abertura econômica continua encontrando ferozes opositores.

Para que experimentem um aumento do padrão de vida, os países em desenvolvimento precisam abrir as portas para o capital estrangeiro. A hostilidade contra o investimento estrangeiro inviabiliza a transmissão dos padrões dos países ricos aos países pobres. "Como podem estes países falar de industrialização, da necessidade de criar novas fábricas, de atingir melhores condições econômicas, de elevação do padrão de vida, de obtenção de padrões salariais mais elevados, de implantar melhores meios de transporte, se adotam uma prática que terá exatamente o efeito oposto?"[9] O livre fluxo de capitais entre as nações permitiria uma melhor distribuição de riqueza e aumento de salários nos países em desenvolvimento. Mises explica que as as políticas de um país que deseja elevar seu padrão de vida devem estar voltadas para o aumento do capital investido per capita. Se produzir esse capital internamente for mais custoso, deve-se usar a mesma lógica de que se valeu Adam Smith: um pai de família não deveria tentar produzir em casa o que lhe custaria bem menos sendo comprado de fora. Quando o capital estrangeiro encontra liberdade para penetrar em determinado país, torna-se ali um indutor do desenvolvimento, aumenta os salários locais e o nível bem-estar.

Analisando a mentalidade anti-capitalista, Mises traz à tona as incoerências dos críticos do "capitalismo impiedoso". "The characteristic feature of modern capitalism is mass pro­duction of goods destined for consumption by the masses." [10] O capitalismo não surgiu para o deleite dos ricos. Foi apenas a conseqüência natural da necessidade de suprir a da massa da população com os bens e serviços básicos. E não apenas as necessidades materiais, como, frequentemente, se defende. Podem os anti-capitalistas e opositores da globalização acusar os seus rivais de materialistas, superficiais e preocupados apenas com "o que não é pão". Para isto, a história já deu a sua resposta. A Revolução Industrial elevou o nível de bem-estar das nações capitalistas. Não apenas no sentido "materialista", proporcionando melhores vestimentas, alimentos, moradia; mas, muito além disso, através do claro aumento da expectativa de vida da população e queda na taxa de mortalidade de crianças. Como ironiza Mises: "You may call the improvement of living standards brought about by the Industrial Revolution "materialism. But from the point of view of the parents, the improved life expectancy of their children may not have seemed merely materialistic."[11] Se livre para agir, a globalização é capaz de expandir os inúmeros benefícios do capitalismo aos países que a incorporam.

Também fugindo à imagem materialista do mercado, o comércio pode, até mesmo, ser um agente promotor da paz.  Guerras são responsáveis pelo flagelo de milhões. Seus sintomas, inevitavelmente, acabam por aumentar o controle do governo sobre a população, criando um ciclo vicioso de repressão. Mais uma vez, as relações comerciais mostram-se o remédio às chagas da população. Um comércio mais livre é também um movimento pacifista. À medida que os países unem-se como parceiros comerciais, diminuem-se as chances de travarem entre si batalhas militares. Embora julgasse legítimo algum controle do Estado sobre as trocas, e não a livre interação dos comerciantes, Montesquieu exaltou os benefícios do comércio entre os países: "A conseqüência natural do comércio é levar à paz. Duas nações que negociam juntas se tornam reciprocamente dependentes; se uma tem interesse em comprar, a outra tem interesse em vender."[12] Qual não seria o resultado da expansão do comércio a todas as nações? Tão logo é posto em prática, o comércio internacional empoeira os arsenais. Enquanto os produtos cruzam as fronteiras, os exércitos não o fazem.

Não faltam evidências para comprovar a eficiência do livre mercado no combate às mazelas das nações. À medida que alcança os mais distantes países, a globalização é capaz de expandir os benefícios do capitalismo e contribuir para a elevação do bem-estar de todos que com ela se comprometem. "Somente a liberdade pode dar a cada bem o seu preço verdadeiro e fazer com que o comércio floresça. É então que a ordem se estabelece naturalmente e que produtos de todos os tipos se multiplicam, bem como o consumo; que toda a terra volta a seu valor; que cada cidadão obtém sustento a partir de seu trabalho e a fartura se espalha."[13]

 

A anti-globalização

O movimento anti-globalização manifesta-se nas mais diferentes formas. Pode ser conseqüência de anti-capitalismo, anti-liberalismo e muitas das vezes, anti-americanismo.

Quando considerados apenas os aspectos econômicos da globalização, sua oposição é liderada por poucos grupos privilegiados, amparados pelo Estado, que temem a perda de seu domínio sobre o mercado para a concorrência internacional. Como bem observou Bastiat, "O Estado é a grande ficção através da qual todo mundo se esforça para viver às custas de todo mundo"[14]. Já o "sistema de preços e de mercado do capitalismo", como ressalta Mises, "é um tipo de sociedade na qual o mérito e os empreendimentos determinam o sucesso ou a derrota do homem."[15] Quão penoso para os ociosos é trocar o amparo do Estado pelo trabalho árduo!

Os partidários da anti-globalização são aqueles que acreditam nos convincentes discursos dos seus líderes, que exaltam a soberania nacional e a necessidade de os países em desenvolvimento combaterem o tão temido imperialismo. Assim, os protecionistas recrutam suas tropas de oprimidos pelo "perverso" capital internacional.

O grande problema dos que se acham vítimas do livre mercado (na esfera nacional ou internacional) está em não perceberem que a intervenção governamental é que permite que se levantem e se fortalecem alguns poucos "reis da indústria" que, na sua maioria, são ineficientes e impõem suas próprias regras aos seus "súditos". A face maléfica atribuída por muitos ao capitalismo, na verdade, pertence à associação entre governo e corporações que dele procuram se beneficiar. Essa união perigosa distorce o funcionamento do mercado em favor de poucos privilegiados. Assim constroem-se as bases frouxas da suposta sociedade "capitalista". Esta sim: malévola, injusta e desigual.

Carregando a bandeira do nacionalismo, os anti-capitalistas declaram estar defendendo a indústria nacional, os empregos e uma maior distribuição de riqueza. Não poderiam estar mais errados! O protecionismo custa caro e não passa de um subsídio à ineficiência. A proteção estatal à produção nacional torna excessivamente caro e difícil desafiá-la. Quando um país é proibido de importar, a escassez gerada acaba distorcendo os preços, ocasionando um desperdício de recursos. As tarifas reduzem a produção, desviando-a dos lugares onde menos investimento resultaria em maior resultado para lugares onde o inverso ocorre. À medida que os nacionalistas insistem nas práticas protecionistas, defendem a idéia absurda de que a escassez é melhor do que a abundância. Como fazer reinar a liberdade e a fartura, se as leis defendem  o protecionismo e a miséria? 

A propaganda em prol da apreciação do mercado local procura fazer com que os consumidores sintam-se culpados em não colaborar com a economia doméstica. O problema é que não percebem que a proteção aos empregos e às indústrias expostas à competição internacional só é possível quando empregos e recursos em outros setores são destruídos. Mas é óbvio que não devem ser cometidos exageros pelo outro lado. Certamente o mercado local oferecerá, em muitos casos, melhor satisfação ao consumidor local. A questão é que não deve ser o Estado o juiz que determina a procedência do que o consumidor compra ou para quem o produtor pode vender. Não se trata de engrandecer o que vem de fora e desprezar o local, mas permitir aos indivíduos a liberdade firmarem relações comerciais com quem preferirem. 

Os opositores do livre mercado combatem até mesmo as maravilhas da tecnologia, temendo a destruição dos empregos do povo. Mas levar em conta apenas "o que se vê" não é novidade. Os gregos antigos privavam-se do progresso, mesmo sendo capazes de promovê-lo, por estarem agarrados a idéias como a de que melhoras tecnológicas levariam ao desemprego. A Constituição Federal do Brasil, entre as suas muitas incoerências, garante ao trabalhador o "direito social" de "proteção em face da automação"[16] , mantendo vivas as mesmas idéias de séculos atrás. O protecionismo apenas desvia recursos de um ramo de negócios para outro. Não cria nem incentiva nada novo. Pelo contrário, destrói oportunidades. A ameaça que temem os protecionistas não se levanta contra a indústria nacional, nem contra o desenvolvimento do país. Os verdadeiros ameaçados são os privilegiados pelo governo que, fosse um mercado livre, sucumbiriam diante da concorrência.

O mito da auto-suficiência sustentada pelo protecionismo prega que cada país seja pioneiro no seu modo de desenvolvimento. Mas por que os países deveriam tentar reinventar o que já está pronto e disponível? Na verdade, o que acaba sendo criado é um desenvolvimento deturpado: subdesenvolvimento. O subdesenvolvimento é, simplesmente, a falta de capitalismo. Permitir o livre fluxo de capitais, bens e pessoas poria fim às terríveis desigualdades artificiais entre os países. Os países mais miseráveis dispõem de muita mão-de-obra, mas falta-lhes o capital. O grande problema é que o capital estrangeiro ainda é visto como um terrível predador. É tratado como uma espécie de robber baron[17] . Desta maneira, sustenta-se que o governo precisa intervir intensamente para promover o desenvolvimento econômico e combater as pragas estrangeiras. Os indivíduos são tratados como seres incapazes de fazerem suas próprias escolhas. Como seres imbecilizados, incapazes de sobreviver sem a tutela do "benevolente" Estado. O desenvolvimento depende, certamente, do Estado. Mas não do Estado regulador, paternalista e assistencialista, mas sim do Estado promotor da justiça, respeitador da propriedade privada e guardião das liberdades individuais.

Criada pelo interesse egoísta dos poderosos grupos de pressão empresarial, a aversão à globalização é alimentada e ganha força por causa da ignorância popular. A pretensiosa educação com raízes esquerdistas que recebemos desde o início da vida escolar tenta moldar-nos a antigos princípios e crenças, hoje já completamente refutados pelos grandes autores liberais. A educação superior não é diferente. As universidades privam-nos dos ensinamentos de gênios como Mises e Bastiat e a procura por livros contendo algum resquício de liberalismo em uma biblioteca universitária pode se tornar uma tarefa extremamente frustrante. E se não fosse a globalização da informação? Uma enorme quantidade de pessoas aderiria ao pensamento do mainstream, simplesmente, por não conhecer o outro lado da história. A globalização nos torna alheios à informação e democratiza o conhecimento. A ignorância deve ser ferozmente combatida para que sejam derrubadas as falsas idéias dominantes, que são manipuladas pelo interesse de poucos às custas de muitos.

 

Ensaio para um mercado global

Uma nação deve sempre orientar sua política comercial visando aumentar a liberdade econômica. A abertura comercial de um país para outro não é nenhum favor. É apenas a restauração da liberdade que um dia foi artificialmente tolhida. A total abertura comercial entre os países traria os maiores benefícios possíveis. Mas qualquer liberalização comercial já é benéfica, seja ela regional, bilateral, ou, até mesmo, unilateral. Friedman aconselhou este tipo de conduta aos Estados Unidos, defendendo que "seria bem melhor se passássemos para o comércio livre unilateralmente, como o fez a Inglaterra no século XIX, quando rejeitou as leis do trigo. Também nós, como aconteceu com eles, ganharíamos, com isso, boa quantidade de poder econômico e político."[18] Promover o diálogo entre poucos países acerca de suas relações econômicas pode possibilitar avanços significativos na liberalização econômica de uma região. Os blocos e acordos comerciais proporcionam uma maior integração entre os países envolvidos, incentivando o comércio, o investimento estrangeiro e lutando contra o protecionismo e contra o intervencionismo estatal.

Existe certa preocupação se a união de países como parceiros comerciais preferenciais não acabaria criando um bloco protecionista, que beneficiaria os países membros às expensas dos demais. Eventualmente, os acordos comerciais podem desviar o comércio de produtores estrangeiros mais eficientes em favor dos produtores participantes do acordo, mesmo que sejam menos eficientes. Entretanto, se os acordos levam a uma maior liberdade dos indivíduos envolvidos, a questão do desvio de comércio deve ser tratada como secundária. As relações internacionais não são ideais e os acordos de comércio, sejam entre dois países ou uma região, no momento, se mostram como a opção mais razoável.

Há quem se posicione contra a instituição de tratados para promover o livre comércio, acreditando que todas as barreiras comerciais deveriam, simplesmente, ser extintas. Sem dúvida, a solução é muito simples, se levarmos em conta apenas as trocas comerciais entre os países. Mas as relações internacionais não são tão simples assim. Não é politicamente possível eliminar todas as barreiras de proteção ao comércio em todos os países de uma só vez. Por essa razão, a formação dos blocos comerciais podem ser uma das etapas da globalização, permitindo serem colocados em prática, em menor escala, os processos de um mercado totalmente livre e global. Longe de significar um empecilho à globalização, os  acordos bilaterais e regionais podem oferecer uma opção mais fácil aos complicados acordos multilaterais de abertura comercial. Lançada em 2001, a Rodada de Doha ainda não obteve avanços e cada reunião realizada desde então tem resultado em fracassos. Nesse mesmo período, os Estados Unidos já assinaram acordos de comércio com nossos vizinhos chilenos,  com Cingapura, Austrália, Marrocos e Bahrain.[19]

As associações entre países, obviamente, não envolvem apenas questões econômicas. Mesmo que os acordos de livre comércio regionais provoquem algum desvio de comércio, estimulam as práticas de um mercado livre e a cooperação pacífica entre as partes envolvidas. Além disso, os acordos podem ser condutores de liberdade política econômica dos países ricos aos mais pobres. Os acordos bilaterais ou regionais podem também contribuir através da nova dose de competição que injetam no mercado interno, proporcionando preços mais baixos para os consumidores e redirecionando os fatores de produção para fins mais eficientes.  Permitem também reforçar os diálogos diplomáticos, mantendo uma certa disciplina entre os envolvidos. O Mercosul, por exemplo, possui uma "cláusula de garantia democrática", que pode suspender os benefícios comerciais de qualquer país membro que se desviar dos princípios democráticos.

A finalidade dos acordos e da formação de blocos comerciais deve, sempre, ser a restauração da liberdade econômica entre os países participantes. Enquanto este objetivo for mantido, os indivíduos dos países membros somente terão benefícios. Mas, uma vez que o deixam em segundo plano, acabam criando um problema ainda maior do que o protecionismo inicial. Recentemente, dois dias depois de assinarem a declaração conjunta do G20 (que inclui uma rejeição às práticas protecionistas e a promessa de não criarem novas barreiras ao comércio por, pelo menos, um ano), Brasil e Argentina defenderam o aumento da Tarifa Externa Comum do Mercosul para vários produtos, mostrando a incoerência e falta de comprometimento com o livre mercado.

Temos por certo que a busca por mais liberdade não é a vilã da história. A raiz do problema está nas péssimas políticas internas dos países. Os fracassos dos acordos em colher os bons frutos da liberalização econômica são resultados da falta de comprometimento com os princípios da liberdade. Os países precisam aliviar a pesada mão do Estado sobre a economia interna para criar um ambiente propício ao livre comércio internacional. Os acordos de livre comércio podem não ser o ideal, mas são, certamente, instrumentos válidos para espalhar as idéias de liberdade pelo mundo.

 

Tribalismo vs. globalização

Dentre a variedade de fenômenos que influencia, a globalização gera os seus efeitos também sobre a cultura, criando o que pode ser comparado a uma constante disputa de queda de braço. De um lado, universalizam-se os mercados, encurtando as distâncias e diminuindo as diferenças entre os territórios. De outro, inflamam-se as reações à globalização, acusada de ameaçar as diferenças culturais, religiosas e lingüísticas, e de destruir os valores tradicionais como resultado do avanço do capitalismo e da disseminação da cultura norte-americana. 

Culturas inteiras ocupam-se de combater tudo que vem do estrangeiro. Exaltando os seus costumes e características "tribais", desprezam a interação entre os povos. Um grande problema do tribalismo é alimentar em seus adeptos a crença de estarem sempre certos. O debate entre as culturas diferentes é extremamente importante! Não para esmagar as crenças dos povos, mas despertar o senso crítico e o diálogo entre idéias diferentes. Segundo o pensamento de Karl Popper, libertar-se do tribalismo significa livrar-se da "submissão às forças mágicas". Sair de uma "sociedade fechada para a sociedade aberta, que põe em liberdade as faculdades críticas do homem."[20]

Uma forma de tribalismo típica dos latino-americanos é o indigenismo[21] , que não passa de uma espécie de nacionalismo, baseado na tradição coletivista indígena. Segundo seus defensores, a promoção  da justiça e do bem-estar aos descendentes dos primeiros nativos só seria possível sob um regime socialista igualitário, que viria a consertar os estragos e a desigualdade causados pelo sistema capitalista. Encarnado em figuras como o presidente boliviano Evo Morales, o indigenismo evoca os princípios arcaicos e ideais filantrópicos  como oposição a um mundo globalizado. O resultado não poderia ser diferente. A Bolívia enfrenta uma queda assustadora no ranking de liberdade econômica[22] , tendo caído quarenta e uma posições desde a posse do atual presidente do país, há apenas dois anos.

A xenofobia imatura e desinformada deve ser combatida com diálogo e informação. Quando um país ou uma determinada região abre suas portas para o mundo, não significa que está abrindo mão da sua identidade cultural local. Um chinês que come em um McDonald's em Pequim não torna-se menos chinês por isso. Do mesmo modo que um norte-americano que se farta em um Porcão em Miami não se torna mais brasileiro por tê-lo feito. Assim como no simples caso da gastronomia, o mesmo acontece na música, no cinema etc. A globalização nos proporciona embarcar em um intercâmbio de experiências culturais, que em nada deprecia, mas, pelo contrário, enriquece. Proporciona-nos a troca pacífica de idéias. E não apenas a imposição da cultura norte-americana sobre as demais, como geralmente se pensa. Nos Estados Unidos, não são poucos os estabelecimentos que oferecem atendimento aos seus imigrantes e turistas na sua língua nativa. Seja em órgãos do governo, ou companhias privadas, o indivíduo, cidadão ou não, tem a sua inserção em uma cultura diferente amplamente facilitada.

As idéias contra a globalização ganham cada vez mais espaço: nas salas de aula, nos discursos dos famosos "pensadores" da atualidade e nas mentes dos que nos governam. Em 2007, um juiz federal determinou que o governo fiscalizasse a comercialização de produtos e serviços, controlando o emprego de idiomas estrangeiros nas ofertas publicitárias em vitrinas, prateleiras e anúncios de lojas[23] . Segundo ele, o estrangeirismo é usado para dificultar o acesso de compreensão para boa parte da população. Uma espécie de estratégia para enganar o consumidor. Esquece-se o magistrado que a língua que falamos hoje no Brasil é, há muito tempo, influenciada por uma porção de outras, conferindo-lhe a riqueza que hoje temos à nossa disposição. Mais uma vez, intromete-se o grande Estado paternalista, acreditando estar resgatando o povo da ignorância.

O avanço da civilização depende da liberdade de interação entre os povos, através do comércio e da troca de conhecimento e experiências entre as culturas. E, principalmente, da libertação do indivíduo do emaranhado de regulamentações em que se encontra, para que se veja livre das desastrosas intervenções governamentais que atrasam seu progresso.

Conclusão

 

A globalização é, claramente, um processo ainda incompleto. Muitas nações ainda não aderiram à tendência globalizadora, mas, sem dúvida, o número dos seus adeptos tem aumentado de maneira animadora, atingindo países, até pouco tempo atrás, improváveis, como Índia e China.Em toda a sua complexidade, a globalização desperta os sentimentos e paixões mais variados e dissonantes. É capaz de dividir opiniões e recrutar um número tão grande de simpatizantes quanto de adversários. Deixados os sentimentos de lado, a realidade é que os fatos comprovam o sucesso da globalização.

É fato que nenhuma nação sobrevive de modo saudável isolada do resto do mundo. Um país sempre precisará de algo que o outro tem a oferecer de maneira mais eficaz. Permitir que essas trocas aconteçam livremente revela a beleza e eficiência do mercado. Para os males da humanidade, o remédio é sempre o mesmo: liberdade.

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[1] Bhagwati, Jagdish. Em defesa da globalização: como a globalização está ajudando ricos e pobres. Rio de janeiro: Elsevier, 2004. p. 3, 4.

[2]SMITH, Adam. Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações. Abril Cultural: São Paulo: 1974. p. 23.

[3] READ, Leonard. E - I, Pencil: My Family Tree as Told to Leonard E. Read. FEE: Irvinton-on-Hudson, New York, 2006

[4] VÁSQUEZ, Ian. U.S. Policy toward Latin America. In: Cato Handbook for Congress: Policy recommendations for 108th Congress, 2005. CATO INSTITUTE. Disponível em: http://www.cato.org/pubs/handbook/hb108/hb108-65.pdf

[5] Bhagwati, Jagdish. Em defesa da globalização: como a globalização está ajudando ricos e pobres. Rio de janeiro: Elsevier, 2004.

[6] Índice de Liberdade Econômica 2008 - The Heritage Foundation. http://www.heritage.org/index/countries.cfm

[7] COX, Stephen - Once a Great Nation - Liberty Journal, Volume 16, Número 9, Set. 2002.

[8] ]Índice de Liberdade Econômica 2008 - The Heritage Foundation. Disponível em: http://www.heritage.org/index/countries.cfm

[9] MISES, Ludwig Von. As Seis Lições (tradução de Maria Luiza X. de A. Borges) - 6.ed. - Rio de Janeiro: Instituto Liberal. 1998.  p. 77

[10] MISES, Ludwig Von - The anti-capitalistic mentality..Libertarian Press Inc.: Grove City, PA.  p. 1.

[11] MISES, Ludwig Von - The Free Market and Its Enemies: Pseudo-Science, Socialism, and Inflation - FEE , disponivel em: http://www.fee.org/pdf/books/Free_Market_and_Its_Enemies_The.pdf

[12] MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, Baron de la. Do espírito das leis. São Paulo: Martin Claret, 2002.

[13] CONDILLAC, Étienne Bonnot de.  Le commerce et le gouvernement, considérés relativement l'un à l'autre, 1776. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=10203.

[14] Frédéric Bastiat, Frédéric Bastiat (Ensaios) / (Editado por Alexandre Guasti, traduzido por Ronaldo Legey). Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1989.

[15] MISES, Ludwig Von - A mentalidade anti-capitalista. Rio de Janeiro: J. Olympio Editor, 1988.

[16] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 7°, inciso XXVII.

[17] Empreendedor sanguessuga, que busca construir sua fortuna às expensas do "pobre consumidor".

[18] FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e Liberdade. Nova Cultural: São Paulo, 1985.

[19] Office of the United States Trade Representative: http://www.ustr.gov/index.html

[20] Karl R. Popper - A sociedade aberta e seus inimigos. Disponível em: http://www.libertarianismo.com/index2.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=90&Itemid=48

[21] Martinez, Ibsen. Indigenism and Economics: Reflections from Latin America - Set., 2008- disponível em: http://www.econlib.org/library/Columns/y2008/Martinezindigenism.html

[22] Índice de Liberdade - The Heritage Foundation - 2006,2007 e 2008.

[23] Juiz federal substituto da 1ª Vara de Guarulhos, Antônio André Muniz Mascarenhas de Souza - Ação Civil Pública nº.  2006.61.19.006359-5 proposta pelo Ministério Público Federal.

Sobre o autor

Elisa Lucena Martins

É formada é formada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Santa Maria e conquistou em 2009 o VI Prêmio Donald Stewart Jr., concedido pelo Instituto Liberal (Rio de Janeiro).

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