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Não perca tempo com Esquerda versus Direita - apenas defenda a liberdade

20/04/2016

Não perca tempo com Esquerda versus Direita - apenas defenda a liberdade

Não perca seu tempo classificando as pessoas, os partidos e as bandeiras entre esquerda e direita. A classificação existe apenas no discurso, não na realidade, e é uma ferramenta retórica para criar conflitos, marcar posições e demonizar adversários.

Mais do que isso, falar em esquerda e direita é participar de um jogo. Um jogo retórico que serve aos interesses de apenas um dos jogadores. Quase sempre, quem dá as cartas é a esquerda.

Funciona assim: o primeiro lance é da (autodeclarada) esquerda. Ela olha uma dada situação social vista como problemática e a interpreta como uma instância de luta de classes: um lado mais forte que oprime um lado mais fraco. A esquerda então arroga para si a defesa do lado mais fraco/oprimido, que envolve algum tipo de compensação para esse lado e punição do lado opressor.

E a direita, o que faz? Fica com a inglória incumbência, que ela aparentemente aceita de bom grado, de defender o lado mais forte contra o ataque da esquerda que quer balançar o status quo.

Isso vale desde os casos clássicos do conflito, como a situação dos trabalhadores. A esquerda arroga para si a defesa da causa dos operários e a direita fica com a defesa dos empresários.

No entanto, sabemos que na prática não é nada disso: há vários empresários de esquerda e há também sindicalistas de direita. Além disso, essa conveniente dicotomia exclui muita gente: o desempregado, o informal, o pequeno empreendedor, o autônomo, o profissional liberal etc.

Mesmo assim, a leitura "pega", e acaba sendo a lente básica pela qual muitos leem a realidade e se posicionam.

O mesmo jogo serve também para contextos totalmente díspares e nos quais encontrar um oprimido e um opressor é bem menos claro. Penso em dois bem aplicáveis ao Brasil, que mostram como é arbitrária essa divisão.

O primeiro é o aborto. A narrativa dominante nesse tema é a que pinta a mulher como vítima e os homens ou a sociedade machista patriarcal como opressores, que não querem que a mulher seja dona de si, seja feliz etc. Mas a própria esquerda brasileira, que tem em suas raízes ainda muito da teologia da libertação católica (ferrenhamente anti-aborto), oferece uma narrativa alternativa: o aborto é uma situação dramática na qual a mulher é jogada por um sistema injusto (pois, tendo condições, ninguém decidiria abortar), e as grandes empresas que ofertam e lucram com o aborto clandestino são parte do aparato opressor do capitalismo global.

De que lado ficar? Dos que negam direitos reprodutivos ou dos que apoiam a agenda de multinacionais?

Ou pensemos no caso do transporte. Há luta de classes aí? Não havia, não precisava haver, mas agora há. Ônibus, usado pela maioria pobre, e bicicletas -- preferência de uma minoria rica e bacan -- são o lado oprimido. Quem aposta neles é esquerda. Os egoístas motoristas de carro (mesmo os motoristas de um Fusca ou uma Brasília) são os opressores; quem os defende é a direita.

Há uma série de questões que revelam o absurdo dos termos esquerda e direita: ambientalismo, industrialização (ironicamente, defender as grandes indústrias com tarifas protecionistas e subsídios virou bandeira da esquerda), povos indígenas e tradicionais, agricultura familiar versus agronegócio, grande empresariado (beneficiado por políticas protecionistas e de subsídios, que virou uma agenda da esquerda), política externa, e muitas outras etc.

O pobre recostado recebendo bolsa-família e fazendo filhos, o maconheiro de Humanas que anda de bicicleta e quer revolução, o proletário pelego, o negro racista, a feminista beligerante: figuras que a direita adora odiar. Todos têm alguma base numa realidade parcial -- assim como os estereótipos que a esquerda adora odiar! -- mas são, antes de tudo, criações da imaginação ideológica. E nessa guerra de ódios, foi dado à direita o lado perdedor: o lado do mais forte, que naturalmente não desperta a simpatia popular.

Quer combater a mentalidade esquerdista?  A maneira certa está em se recusar a participar do jogo da luta de classes; está em apresentar soluções que não passem nem pela defesa de um grupo e nem pela demonização de outro. Está em descobrir as lógicas que desarmam esse discurso que só enxerga opressores e oprimidos.

A realidade social não é fundamentalmente uma realidade de exploração, de transações perde-ganha. Essas existem, mas são abusos. A luta de classes (ou melhor, de grupos) é a realidade básica apenas em um campo da vida social: a política, que instaura cabos de guerra por onde passa.

Fora da política, o padrão de interação humana em uma sociedade que reconhece direitos individuais é o da relação voluntária, que gera uma situação em que ambos os lados envolvidos ganham, sem soma zero.  As transações que ocorrem voluntariamente no mercado são uma modalidade desse tipo de interação.  

Cada transação acontece como um acordo voluntário entre duas pessoas ou entre grupos de pessoas. Esses dois indivíduos (ou grupo de pessoas) trocam dois bens econômicos: serviços ou bens (tangíveis ou intangíveis) e dinheiro. Ambas as partes empreendem a troca porque cada parte espera ganhar com ela.  Você faz algo positivo para mim -- como, por exemplo, me ofertar um bem ou serviço -- e eu, em troca, faço algo positivo para você, dando-lhe dinheiro.

A minha situação melhorou, pois, para mim, o bem ou o serviço vele mais que o dinheiro que lhe dei (se não valessem, eu não estaria incorrendo nessa troca).  E a sua situação também melhorou, pois você valoriza meu dinheiro mais do que o bem ou serviço que me vendeu (se não valorizasse, não os estaria vendendo).

Nós dois ganhamos.

Essa é a única relação que deve ser estimulada e que deve ganhar cada vez mais espaço -- em vez de lutas de classe, de gênero, de cor, de preferência sexual, de distribuição de privilégios estatais etc. --, pois é ela que eleva a qualidade de vida de todos no longo prazo. 

Nem esquerda nem direita defendem exclusivamente esta relação.

Por fim, como bem disse Leonard Read:

"Esquerda" e "direita" descrevem, cada uma, posições autoritárias.  A liberdade não possui relação horizontal com o autoritarismo.  A relação do libertarianismo com o autoritarismo é vertical; está muito acima dessa podridão de homens escravizando indivíduos. [...]

O libertário não pode querer nada com "esquerda" ou "direita" simplesmente porque ele desdenha qualquer forma de autoritarismo: o uso do aparato estatal para tolher e controlar a criatividade e o empreendedorismo do indivíduo. [...]

E como também desdenha todas as formas de igualitarismo forçado, o libertário quer distância de comunismo, fascismo, nazismo, fabianismo e assistencialismo.

O libertário está acima de toda esta degradação. Sua posição no espectro ideológico, se fossemos usar analogias direcionais, seria acima -- como um vapor que se separa do esterco e sobe a uma atmosfera saudável.  Se a idéia de extremismo for aplicada a um libertário, que seja baseada em quão extrema é a sua oposição às crenças e tentações autoritárias.

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Artigo complementar:

Eu sou um genuíno libertário


Sobre o autor

Joel Fonseca

Economista e filósofo. Colunista da Folha e Exame Hoje. Integrante do MyNews. Youtuber em formação.

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