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Economia

O Marx que a esquerda desconhece - contra o protecionismo, anti-keynesiano e pró-livre concorrência

14/04/2016

O Marx que a esquerda desconhece - contra o protecionismo, anti-keynesiano e pró-livre concorrência

Ao passo que os estudantes universitários brasileiros foram apresentados ao liberalismo pelos seus críticos e tiveram um acesso de segunda mão às ideias liberais, uma situação similar ocorre no acesso dos jovens liberais ao pensamento de Karl Marx e ao marxismo, apesar de as universidades ainda serem dominadas pela vulgata marxista.

É difícil encontrar alguém que, mesmo orientado pelo professor, tenha estudado alguma de suas obras.

Ao terem contato direto apenas com as críticas a Marx elaboradas por grandes nomes do liberalismo, os liberais compreenderão apenas uma parte da refutação -- muitas vezes descolada do seu devido enquadramento --, e não conseguirão elaborar a própria crítica, uma vez que, por ignorância ou indiferença às fontes primárias, tenderão a repetir o que leram e assim continuarão despreparados na hipótese de pretenderem escrever sobre o assunto ou debater com marxistas.

Por isso, vale a pena o esforço de se manterem estoicamente dentro da sala de aula ouvindo a vulgata marxista dos professores universitários, nem que seja para anotar as fontes bibliográficas ou, o que é melhor, questionar o professor sobre se o marxismo dele é de primeira ou de segunda mão (e lembrem-se sempre de que um mero por que pode ser um argumento infalível contra o marxismo).

Não se está sugerindo, obviamente, que todos leiam a obra completa de Karl Marx e tornem-se especialistas, mas o estudo do texto original, quando citado em um argumento crítico em um texto de seu interesse, é fundamental para compreender as dimensões da própria crítica com a qual se concorda ou simpatiza. Se o estudo do pensamento de Karl Marx não tivesse sua importância tantos intelectuais não teriam dedicado anos de estudo e desenvolvido uma refutação tão vigorosa.

O Marx que a esquerda atual desconhece

Marxistas, social-democratas e demais defensores do intervencionismo estatal sempre afirmaram que determinados setores da economia -- principalmente saúde, educação e segurança, mas também o setor elétrico e de telecomunicações -- não podem ficar por conta do livre mercado e da livre concorrência porque a ganância e a busca pelo lucro não apenas são incompatíveis com tais setores, como também levariam a preços absurdamente caros, o que prejudicaria principalmente os mais pobres.

Já os economistas seguidores da Escola Austríaca sempre afirmaram categoricamente que é justamente a busca pelo lucro em um ambiente sem protecionismos, sem privilégios, sem agências reguladoras e sem subsídios o que gera serviços da alta qualidade e preços baixos.

E a explicação é simples: como empresários, no geral, não gostam de concorrência, eles sempre se mostram ávidos por fazer lobby e utilizar o poder estatal em seu próprio interesse com o intuito de banir a concorrência e solidificar sua posição de domínio.  Eles conseguem isso por meio de tarifas protecionistas, subsídios e agências reguladoras que cartelizam o mercado e impedem a entrada de concorrentes.

Já o livre mercado -- arranjo em que não há protecionismo, subsídios e agências reguladoras -- é um sistema em que são os consumidores que controlam os empresários.  No livre mercado, as empresas não têm opção: ou elas servem o consumidor de maneira eficaz ou elas fecham as portas.  E servir o consumidor de maneira eficaz significa estar sempre ofertando bens e serviços de qualidade crescente a preços cada vez menores.

É justamente o governo -- com seus subsídios, privilégios especiais (como tarifas protecionistas e execução de obras públicas com empreiteiras) e restrições à concorrência (por meio de agências reguladoras e exigências burocráticas) -- quem promove monopólios e oligopólios, e consequentemente preços altos e serviços de baixa qualidade.  Sendo assim, se você quiser serviços de qualidade a preços cada vez menores, você tem de defender o livre mercado.

Sabe quem concorda com tudo isso?  Ninguém menos que Karl Marx.  Não deixa de ser curioso constatar que Marx entendeu perfeitamente essa realidade.  Mais ainda: ele foi explícito em demonstrar isso. 

Marx contra o protecionismo

Comecemos pela questão do protecionismo. 

Marx entendia perfeitamente -- ao contrário da esquerda atual -- que tarifas protecionistas impostas pelo governo aos produtos estrangeiros serviam apenas para proteger os lucros do grande baronato industrial, blindando-os da concorrência e garantindo-lhes um mercado cativo.  Marx reconhecia que o protecionismo nada mais era que uma reserva de mercado em prol dos grandes empresários e contra o povo; o protecionismo era a garantia de um monopólio.

Em um discurso proferido em 1848, Marx disse:

Onerar os cereais estrangeiros com tarifas protecionistas é algo abominável; é especular em cima da fome do povo.

E prosseguiu:

Se eles [os protecionistas] falassem abertamente para as classes trabalhadoras, então eles poderiam resumir sua generosidade nas seguintes palavras: é melhor ser explorado pelos seus conterrâneos do que por estrangeiros.

Percebendo que o protecionismo servia apenas para manter o status quo inalterado, Marx constatou:

O sistema de tarifas protecionistas coloca nas mãos do capital de um país as armas que o permitem desprezar o capital dos outros países; tarifas protecionistas aumentam a força deste capital contra o capital estrangeiro. [...] A questão para as classes trabalhadoras não é preservar esse estado de coisas, mas sim transformá-lo no seu oposto.

Já um tanto sem paciência, Marx concluiu seu discurso dizendo:

Não há motivos para continuar nesse assunto.  A partir do momento em que os protecionistas concedem que as reformas sociais não têm espaço no seu sistema e nem resultam dele -- a partir deste momento, eles já abandonaram a questão social.

Já em A Ideologia Alemã (1845-46), Marx e Engels afirmam:

As indústrias sempre foram protegida por tarifas alfandegárias, por monopólios no mercado colonial e, no mercado externo, pelo maior número possível de direitos diferenciais. [...] A indústria de modo nenhum podia dispensar a proteção, pois que pode perder o seu mercado e arruinar-se com a mais pequena mudança que se opere noutros países. Sob condições relativamente favoráveis, a indústria pode ser facilmente criada em um país; mas, por essa mesma razão, pode ser facilmente destruída.

Seu companheiro Engels foi tão arguto quanto.  Em um artigo de 1847, ele disse:

A burguesia, com efeito, é incapaz de se manter, de consolidar sua posição, de alcançar o poder irrestrito se ela não proteger e estimular sua indústria por meios artificiais.  Sem tarifas protecionistas contra a indústria estrangeira, ela seria esmagada em uma década.

E concluiu que o protecionismo era uma maneira de os atuais industriais ultrapassarem as antigas classes dominantes.  Ele disse:

A burguesia da Alemanha requer proteção contra países estrangeiros para sobrepujar o que restou da aristocracia feudal.

Marx, em suma, era contra o protecionismo e a favor do livre comércio porque via este como um instrumento do enfraquecimento da burguesa, a qual se fortalecia e enriquecia sob o protecionismo. 

Já os liberais/libertários, obviamente, entendem que o livre comércio -- isto é, a sua liberdade de transacionar voluntariamente com quem você quiser, sem ser impedido pelo governo -- é um instrumento para se alcançar a prosperidade.

Marx e a livre concorrência

No quesito "efeitos benéficos da livre concorrência", Marx também concorda com os austríacos e discorda de todos os atuais marxistas e demais intervencionistas. 

Veja o que ele escreveu logo nas páginas iniciais do Manifesto Comunista:

A burguesia, pelo rápido melhoramento de todos os instrumentos de produção, pelas comunicações infinitamente facilitadas, arrasta todas as nações, mesmo as mais bárbaras, para a civilização.

Os preços baratos das suas mercadorias são a artilharia pesada com que deita por terra todas as muralhas da China, com que força à capitulação o mais obstinado ódio dos bárbaros ao estrangeiro, com que compele todas as nações a apropriarem o modo de produção da burguesia, se não quiserem arruinar-se; compele-as a introduzirem no seu seio a chamada civilização, i. e., a tornarem-se burguesas.

Numa palavra, ela cria para si um mundo à sua própria imagem.

Em suma: além de creditar à burguesia e aos seus instrumentos de produção -- isto é, ao sistema de lucros e prejuízos -- a façanha de retirar nações da barbárie e levá-las à civilização, Marx afirma categoricamente que o modo de produção burguês -- que nada mais é do que a busca pelo lucro -- gera mercadorias a preços baratos

E não apenas isso: ele afirma que o sistema de lucros e prejuízos compele todas as nações a adotarem este modo de produção, sob pena de se arruinarem por completo caso não o façam.

Essa é uma conclusão interessante, pois vai contra tudo o que os atuais marxistas e demais intervencionistas afirmam.  Segundo eles, serviços de saúde, educação, segurança, energia e telecomunicações não devem ser ofertados em um ambiente de livre concorrência, pois seriam caros e inacessíveis para os pobres.  Ao afirmarem isso, eles comprovam que não leram Marx.  Se leram, não entenderam. 

Marx entendeu perfeitamente que a busca pelo lucro sob um arranjo de livre concorrência leva ao barateamento dos produtos e serviços, e que tal barateamento é "a artilharia pesada com que [o sistema de lucros] ... compele todas as nações a apropriarem o modo de produção da burguesia [e se tornarem civilizadas], se não quiserem arruinar-se."

Ao contrário dos marxistas atuais que defendem a estatização de vários serviços sob o argumento de que isso reduziria seus preços, Marx entendeu que é a busca pelo lucro o que realmente derruba os preços, e não a estatização destes serviços.

Marx contra Keynes

Como se não bastasse, Marx também disparou um petardo contra keynesianos defensores de aumentos de gastos do governo, de déficits orçamentários e de políticas de endividamento estatal.  Marx zombou o keynesianismo antes mesmo de este sistema ter sido criado -- algo possível porque não havia absolutamente nada de original nas ideias de Keynes.

Eis o que escreveu Marx em O Capital, capítulo 24, seção 6, "A Gênese do Capitalista Industrial":

A única parte da chamada riqueza nacional que realmente está na posse coletiva dos povos modernos é a sua dívida pública.  Daí ... a doutrina moderna de que um povo se torna tanto mais rico quanto mais profundamente se endividar.  A dívida pública torna-se o credo do capital.  E, com o surgir do endividamento do Estado, vai para o lugar dos pecados contra o Espírito Santo -- para os quais não há qualquer perdão -- o perjúrio contra a dívida do Estado.

Como com o toque da varinha mágica, [a dívida pública] reveste o dinheiro improdutivo de poder procriador e transforma-o assim em capital.  ... [Mas] a moderna política fiscal... traz em si própria o germe da progressão automática. A sobretaxação não é um acidente, mas sim um princípio.

Ou seja, para Marx, políticas fiscais tipicamente keynesianas, além de serem um método de escravização -- pois obrigam os pobres a pagarem impostos para arcar com seus juros --, fazem com que dinheiro improdutivo (dinheiro emprestado para o financiamento do governo) seja ilusoriamente visto como capital gerador de riqueza (para aqueles que detêm os títulos da dívida). 

Mais ainda: segundo Marx, criticar o endividamento do estado passou a ser visto, pelos defensores da gastança estatal, como um ato equivalente a uma blasfêmia contra o Espírito Santo.

Qual era a de Marx

Marx, ao contrário do que se supõe, não se incomodava muito com o liberalismo e com o capitalismo (ele inclusive elogiava as obras de Adam Smith e David Ricardo) porque os via como elementos de uma fase intermediária da evolução social, cuja função principal era criar uma classe proletária para depois empobrecê-la.

Tal situação era benéfica ao seu argumento porque essa suposta pobreza gerada pelo capitalismo incitaria os trabalhadores à revolução final, ou seja, ao estágio no qual as classes sociais seriam abolidas.

Inexoravelmente como uma lei da natureza, acreditava Marx, o capitalismo seria destruído justamente pelos trabalhadores supostamente submetidos à exploração.

A afirmação de que o capitalismo tinha uma propensão a criar miséria entre a classe proletária foi desmentida pelos fatos nos 25 anos seguintes à publicação de O Capital. Em 1893, segundo mostra Jörg Guido Hülsmann em sua excelente biografia Mises – The Last Knight of Liberalism, o marxismo já havia perdido o respeito e seu poder de sedução em Viena, onde Mises morava e estudava.

Os líderes intelectuais socialistas, em vez de rejeitarem a teoria diante da desconfortável evidência empírica de que os proletários estavam enriquecendo e melhorando seu padrão de vida, propuseram uma revisão da teoria do socialismo de forma a salvá-la do marxismo, tentando corrigir suas falhas mediante governos eleitos democraticamente.

Vocês certamente sabem os resultados dessa estratégia, pois não?

Conclusão

Se você é um marxista defensor dos pobres e quer que eles tenham acesso a bens e serviços de qualidade a preços baixos, você tem de defender o livre mercado -- afinal, Marx acreditava que a busca pelo lucro em um ambiente de livre mercado gera redução de preços.

Se você é um marxista e defende que o povo tenha poder sobre as empresas, você tem de defender a abolição de tarifas protecionistas -- afinal, Marx entendia que o protecionismo, além de empobrecer o povo, servia apenas aos interesses do grande baronato industrial

E se você é marxista e é contra a escravização do povo pelas elites financeiras, você tem de defender a anti-keynesiana postura de que os gastos do governo sejam restringidos ao máximo -- afinal, Marx reconhecia que os déficits orçamentários do governo aumentavam seu endividamento, e esse endividamento é financiado pelas elites, as quais recebem os juros pagos com os impostos extraídos do povo.

Agora, se você defende que o governo adote tarifas protecionistas, regule o mercado e gaste demasiadamente, você estará defendendo os interesses das grandes empresas e das elites financeiras, e estará defendendo que elas tenham privilégios sobre os pobres e que elas os oprimam com a abolição da concorrência, com preços altos, com serviços precários e com juros altos.

Palavras de Marx.

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Sobre o autor

Bruno Garschagen e Leandro Roque

É autor do best seller 'Pare de Acreditar no Governo - Por que os Brasileiros não Confiam nos Políticos e Amam o Estado' (Editora Record). É doutorando e Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pelo Instituto de Estudos Políticos da...

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