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Soprando o apito - Sergio Moro agiu como um libertário denunciante

24/03/2016

Soprando o apito - Sergio Moro agiu como um libertário denunciante

Era uma das tardes mais frias que eu já havia presenciado em Washington, DC.. A temperatura marcava -10ºC, e até as estações de metrôs operavam com resiliência.

Em um auditório para mais de duas mil pessoas, eu estava na primeira fileira, somente três assentos à direita de Ron Paul. O que nos unia ali era a vontade de ver Edward Snowden, que falaria diretamente de sua localização secreta na Rússia para mais de dois mil estudantes reunidos na capital americana.

O momento que mais chamou a atenção foi quando Snowden relatou de uma conversa que teve com Daniel Ellsberg (famoso whistleblower da Guerra do Vietnã), discutindo quando era o momento certo para "soprar o apito" e alertar a todos das violações cometidas por autoridades do país.

De acordo com Jacob Stafford, o termo whistleblower tem uma origem interessante:

O termo "soprando o apito" (whistleblower) surgiu inicialmente no começo do século XX, e seu sentido era literal: significava o cessar de uma atividade esportiva.

Na década de 1930, o sentido de "whistleblower" havia evoluído para o de uma pessoa que revela informações, normalmente com conotações negativas. Ser um "whistleblower" significava ser uma pessoa que alertava as autoridades sobre atividades ilícitas. Era um "dedo-duro". 

Contudo, desde os anos 1970, o termo começou a assumir uma conotação universal positiva. Uma moderna definição de "whistleblower" significa uma pessoa que "revela corrupção ou transgressões.

Quando o juiz Sergio Moro revelou os diálogos das escutas telefônicas entre o ex-presidente Lula e a atual Chefe de Estado, retirando o sigilo sobre as gravações, ele justificou sua medida dizendo que conteúdo das conversas era muito grave, e mencionou a necessidade de escrutínio público desse conteúdo.

E quem pode discordar? Nas palavras do Ministro do STF, Gilmar Mendes, o conteúdo das gravações indicava uma evidência, na forma de confissão, de atos ilícitos como abuso de direito, fraude à lei, e desvio de finalidade/poder.

E tudo isso feito pela pessoa que havia voluntariamente jurado defender a Constituição em sua posse: a própria Presidente da República.

Uma definição geralmente aceita de whistleblower no Direito Internacional, refletida a partir de algumas codificações domésticas,[1] é: "um funcionário público que revela uma ilegalidade governamental na forma de desperdício de dinheiro, abuso e corrupção."

A definição parece ser adequada ao ato de Moro, o qual erigiu-se e denunciou a maior autoridade do país -- a Chefe de Estado -- da grave prática de desvio de finalidade e de poder, indo totalmente contra o estipulado na Constituição.

Mas o que significa reconhecer que moro agiu como um whistleblower?

No direito internacional geral (general international law), o whistleblower deve ser protegido de qualquer ato discriminatório, ou seja, ser tratado ou punido de forma que não considere a denúncia que realizou (o whistleblowing). Estapafúrdias, então, são as ameaças da presidente sugerindo indiretamente que Moro deveria ser preso.

Algumas legislações proíbem explicitamente o uso de retaliações contra o whistleblower,[2] bem como proteção contra medidas administrativas, que no Brasil poderiam vir do CNJ.

A doutrina do whistleblower é tão emergente no direito internacional, que até mesmo dentro de empresas surge a figura, dada sua importância na preservação da liberdade, propriedade e respeito às regras do jogo.

Mas por que esse teria sido um ato libertário de whistleblower? Simples: porque a liberdade ganhou com esse ato, e o estado perdeu. E não somente no sentido moral de que "o leviatã está nu", mas também por razões práticas.

As políticas corruptas de Dilma Rousseff resultaram nos últimos anos em grandes perdas para a liberdade no Brasil. Desde quando o PT assumiu o governo, em 2003, nossa nota em liberdade econômica, conforme o índice de liberdade econômica feito pela Heritage Foundation, caiu de um pico de 63.4, para os atuais 56.5 (queda de 11%), conforme pode ser denotado na imagem abaixo.

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Além disso, conforme mostra a linha cinza, desde 2007 somos menos livres do que a média global. Tudo isso obra e graça do trágico legado da Nova Matriz Econômica, dos escândalos (e então perdas) da Petrobrás, e de todos os outros danos na economia gerados pelo nosso "capitalismo de estado" orquestrado pelo PT -- arranjo esse que só prospera onde a corrupção é forte e que afeta, como sempre, os mais pobres.

Até no curto prazo sofremos por causa dessa situação criada.  Os escândalos diários -- os quais, como bem disse um site de humor, fazem com que a série House of Cards pareça a Peppa Pig -- têm levado a bolsa e o dólar a oscilações selvagens, desestimulando qualquer investimento de mais longo prazo.

Como bem apontou nosso Editor-Chefe, a previsibilidade e a confiança são um fator importantíssimo para uma economia, razão pela qual os austríacos cunharam o termo "Incerteza Gerada pelo Regime".

Moro não é um libertário, obviamente. Suas sentenças muitas vezes fogem do que um juiz libertário (ainda que minarquista) decidiria.

Mas é inegável que o ato de exposição do leviatã, no momento exato em que este se preparava para nos morder de uma maneira sem precedentes, foi sim um ato libertário de whistleblowing.  Sua simbólica frase de que "uma sociedade livre exige que governados saibam o que fazem os governantes que agem protegidos pelas sombras" é digna de elogios.

Palmas para ele.



[1]Lembrando que, de acordo com o art.38(1) do ICJ, atos e leis domésticas, quando repetidos de maneira uniforme, formam uma fonte/definição no direito internacional costumeiro, como igualmente notado no Continental Shelf Case.

[2]Retaliação é proibida na lei norte-americana 5 U.S.C. 2302(b)(8).


Sobre o autor

Geanluca Lorenzon

Geanluca Lorenzon é consultor empresarial em uma das maiores firmas do mundo. Foi Chief Operating Officer (C.O.O.) do Instituto Mises Brasil e advogado. Pós-graduado em Competitividade Global pela Georgetown University.

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