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Economia

Um resumo da crise política brasileira - para os portugueses

21/03/2016

Um resumo da crise política brasileira - para os portugueses

O brasileiro é o português -- dilatado pelo calor, escreveu Eça de Queirós.

A analogia é perfeita para iluminar uma personagem central da crise brasileira (e um da portuguesa): Luiz Inácio Lula da Silva é o José Sócrates dilatado pela ambição política. A diferença territorial entre Brasil e Portugal é proporcional ao que parece ser o apetite de ambos pelo poder e pelo uso do estado em benefício próprio, do partido e da ideologia que ambos representam.

Até recentemente, o ex-presidente Lula gozava um prestígio internacional que já não desfrutava tão amplamente no Brasil como anos atrás. Sua imagem foi duramente golpeada a partir das investigações da Operação Lava-Jato, conduzida pelo juiz federal Sérgio Moro com uma equipe de procuradores e policiais federais.

O esquema de corrupção na Petrobras

O conjunto de provas reunidas até agora revelou indícios de várias irregularidades. A começar pela compra de um apartamento tríplex no Guarujá e a aquisição e reforma de um sítio em Atibaia, ambas as cidades no estado São Paulo. O pagamento teria sido feito por empreiteiras com dinheiro oriundo do mega-escândalo de corrupção na Petrobras descoberto pela Operação Lava-Jato.

Até agora, a investigação já descobriu a movimentação de R$ 200 bilhões entre as empresas envolvidas; e, desse total, R$ 6,7 bilhões foram desviados da Petrobras. Cerca de R$ 300 milhões foram devolvidos para a estatal e os acordos obtidos pelos procuradores com os investigados permitirão recuperar em torno de R$ 1,7 bilhão.

As informações levantadas até agora mostram que o esquema de corrupção na Petrobras atendia aos interesses do PT e de seus aliados. Houve um aparelhamento completo da estatal, aparelhamento este que seguiu o estilo de -- segundo a definição dos procuradores federais -- uma organização criminosa, a qual drenou o dinheiro da petrolífera para financiar o projeto de poder político.

O resultado para a empresa foi desastroso. Em abril de 2015, a estatal divulgou perdas de R$ 6,194 bilhões com a corrupção e uma redução de R$ 44,3 bilhões no valor de seus ativos. O balanço financeiro mais recente divulgado pela Petrobras, relativo ao terceiro trimestre de 2015, registrava prejuízo líquido de R$ 3,759 bilhões e uma dívida líquida de R$ 402,3 bilhões no período entre janeiro e setembro do mesmo ano (em 2014, o endividamento total era de R$ 282 bilhões). O lucro líquido nos nove meses, no valor de R$ 2,102 bilhões, foi 58% menor do que o registrado no mesmo período de 2014.

O ex-presidente também é suspeito de receber, pelo Instituto Lula, vantagens indevidas de empreiteiras investigadas sob a justificativa de pagamento por palestras. Também recai sobre o ex-presidente a suspeição de que tenha exercido tráfico de influência para favorecer a empresa Odebrecht com empréstimos -- subsidiados pelo Tesouro, isto é, pelos brasileiros pagadores de impostos -- concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Marcelo Odebrecht, presidente da empreiteira, foi condenado no dia 8 de março a 19 anos e 4 meses de prisão pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e por integrar organização criminosa.

No desenrolar das investigações, veio o golpe mais duro contra o "mito Lula" e o símbolo que ele e o PT representavam: as diligências da 24ª fase da Lava-Jato, com apreensão de documentos e com o depoimento do ex-presidente para a Polícia Federal.

Dilma em socorro de Lula

Diante do risco iminente, o PT e o governo Dilma Rousseff passaram a buscar uma solução que impedisse uma eventual prisão do ex-presidente. E o expediente encontrado foi nomear Lula como ministro de estado para que ele fosse blindado das ações do juiz federal Sérgio Moro, que conduz a Operação Lava-Jato junto com uma equipe de procuradores e policiais federais.

Uma vez no ministério, Lula passaria a ter foro privilegiado e, no futuro, seria julgado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e não mais por um juiz federal. E assim foi feito, segundo o conteúdo das conversas telefônicas gravadas por autorização da justiça federal.

Em uma delas, gravada no dia de assumir o cargo de ministro da Casa Civil, a presidente Dilma Rousseff diz que um portador iria entregar a Lula o termo de posse para que ele o utilizasse "em caso de necessidade" (caso um mandado de prisão fosse expedido e a polícia tentasse prendê-lo).

A divulgação das conversas telefônicas caiu como uma bomba no país. Logo depois da posse de Lula na quinta-feira (dia 17 de março), dois juízes federais (um de Brasília e uma do Rio de Janeiro) suspenderam em caráter provisório a nomeação do ex-presidente. Na sexta-feira (dia 18 de março) as duas decisões foram derrubadas, mas uma terceira liminar da justiça federal (de Assis, em São Paulo) impediu que o ex-presidente se tornasse ministro.

E na noite de sexta-feira (18 de março), o ministro do STF Gilmar Mendes suspendeu a nomeação e determinou que a investigação envolvendo o ex-presidente seja mantida com o juiz federal Sérgio Moro. Agora a decisão do ministro só pode ser reformada se houver recurso para o plenário do Supremo.

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Os brasileiros realizaram a maior manifestação popular do país, exigindo a saída de Dilma

No mesmo dia da posse de Lula como ministro, milhares de manifestantes voltaram às ruas do país depois de terem, no domingo (dia 13 de março), realizado a maior manifestação popular da história brasileira a pedir a saída da presidente e a prisão de todos os envolvidos no mega-escândalo de corrupção revelado pelas investigações da Lava-Jato e que tem como centro de operações a empresa estatal Petrobras.

A nomeação do ex-presidente e a divulgação pela justiça federal das gravações telefônicas também fortaleceram a oposição ao governo na Câmara dos Deputados, que na quinta-feira elegeu os membros da comissão especial que analisará o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff que foi apresentado em dezembro do ano passado por três juristas.

A tramitação do processo deve durar 45 dias, segundo o presidente da Câmara, o deputado Eduardo Cunha, que no início de maio foi denunciado por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo Procurador-Geral da República.

A pior crise de sempre. Pior que a de 1947

A crise política brasileira é o resultado daquele que talvez seja o mais desastroso governo da história do país. Nos últimos sete trimestres, a economia encolheu em seis deles, e ficou estagnada em um. Essa é a pior marca desde que o índice começou a ser calculado em 1947. De 2014 até o fim de 2016, a projeção é de queda acumulada de 8,7%. A taxa de desemprego está em 8,5%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Dilma Rousseff cometeu uma sucessão de erros de gestão econômica em um país em que o estado é excessivamente intervencionista.  Desde o início do primeiro mandato, sua presidência acumula escândalos envolvendo desde a sua ex-assessora no gabinete, Erenice Guerra, a ministros de seu governo com denúncias de corrupção, favorecimento de empresários pelo BNDES e de aliados, perseguição a adversários, e aquele que marcaria de vez o final de seu primeiro governo e o início do segundo: o Petrolão, apontado como sendo o maior esquema de corrupção e desvio de dinheiro da história da política brasileira (e do mundo) e que tem sido alvo de investigação da Operação Lava-Jato.

Como mostro no meu livro Pare de Acreditar no Governo – Por que os Brasileiros não Confiam nos Políticos e Amam o Estado (Editora Record, 2015), enganam-se aqueles que acreditam que práticas como as evidenciadas pelo Mensalão e Petrolão sejam meros desvios éticos; são, substantivamente, elementos estruturais da ideologia e da práxis de partidos socialistas que veem seus próprios crimes como sendo algo nobre, uma "marca característica de autenticidade", e os adversários e demais ideologias como "oponentes a serem eliminados".

O aprofundamento das descobertas da Operação Lava-Jato tem mostrado ao país (e agora ao mundo) a profundidade da degradação ética e moral envolvendo a elite política do país, especialmente o PT. O mito Lula e a simbologia antes representada pelo partido estão ruindo.

A utopia do PT era, afinal, uma distopia

Quando Lula foi eleito em 2002, os raros críticos que se levantavam contra o infame projeto de poder do PT esbarravam no paredão de certo consenso público em face do significado histórico de sua eleição e dos valores que ambos diziam ser portadores. Uma coisa, porém, é aquilo que alguém diz ser; outra é o que realmente é.

O partido se apresentava como o empreiteiro de um futuro glorioso e o supremo portador das virtudes públicas. Com esse discurso, muitos foram seduzidos e enganados pela retórica que pretendia dissociar o PT de todos os outros partidos políticos sob a aura da pureza ética. Isto, porém, não elimina o fato maciço e imperturbável: acreditou nos petistas quem quis acreditar. E o país hoje paga por isso.

Ao final de seus dois mandatos, beneficiado por uma conjuntura econômica internacional favorável e por decisões ortodoxas que garantiam ao país confiança interna e externa, Lula conseguiu eleger para a presidência a sua sucessora, Dilma Rousseff. O que poucos perceberam é que Lula havia reduzido a política, as instituições e uma parte da sociedade à sua própria estatura, a qual hoje está sendo revelada pela Operação Lava-Jato.

Proteger-se de uma investigação num ministério de governo parece ser um dos atos de encerramento da peça de teatro de um político hábil e carismático que, em vez de se recolher e esconder-se sob o manto do mito que ainda havia, decidiu continuar a ser quem sempre foi.

O governo do PT e os petistas construíram a sua própria realidade e pretendiam encarcerar o Brasil nela. Mas não contavam com a parcela da sociedade que, ao descobrir o que está acontecendo, se recusa a ser reduzida à sua estatura ética e moral. As revelações diárias e as crises política e econômica são politicamente simbólicas ao mostrarem que a grande utopia do PT era, afinal, uma abominável distopia. Os brasileiros estão a mostrar que querem um outro país.

Luiz Inácio Lula da Silva é o José Sócrates dilatado pela ambição política? Sócrates está em prisão domiciliar, com a polícia à porta, e está a ser investigado por corrupção, fraude fiscal e branqueamento. Parece que o destino reserva o mesmo destino para o seu amigo Lula.

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O artigo acima foi publicado no site português Observador.


Sobre o autor

Bruno Garschagen

É autor do best seller 'Pare de Acreditar no Governo - Por que os Brasileiros não Confiam nos Políticos e Amam o Estado' (Editora Record). É doutorando e Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pelo Instituto de Estudos Políticos...

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