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Direito

O cigarro, os fumantes e os direitos de propriedade

08/08/2009

O cigarro, os fumantes e os direitos de propriedade


N. do T.: Com a entrada em vigor da lei antifumo decretada pelo governo de São Paulo - a qual proíbe o fumo em estabelecimentos privados -, o estado mostra que já perdeu qualquer respeito pela instituição da propriedade privada.  O indivíduo não mais é soberano em seus próprios domínios.  Apesar de a medida ser aplaudida pelos não-fumantes, é importante mostrar por que essa intrusão gera preceitos muito perigosos.

 

Mesmo os não-fumantes devem ter um interesse muito mais que passageiro no recente assalto empreendido pelos governos às empresas de cigarro e, principalmente, aos indivíduos que fumam. 

Houve uma época em que se podia desfrutar um cigarro ou um charuto em restaurantes e bares.  Com o passar dos anos, entretanto, a maioria dos governos estaduais sucumbiu à pressão e lobby de grupos antitabagistas, infringindo o direito básico que qualquer estabelecimento privado tem de determinar autonomamente a sua política tabagista.

É fácil perceber pelo seu discurso que várias dessas pessoas e organizações antifumo não apenas têm aversão à liberdade como também possuem uma mentalidade absolutamente totalitária.

Mesmo os não-fumantes não ativistas se mostram contentes com essas leis.  Eles se dizem contrariados em ter de respirar fumaça de cigarro enquanto estão comendo, dançando ou conversando, e também não gostam de ficar com o cheiro de cigarro entranhado em suas roupas ao final do expediente.  E não nos esqueçamos também dos garçons e garçonetes que dizem ter o direito de trabalhar em um ambiente livre da fumaça do cigarro.

Já os ativistas afirmam estarem apenas protegendo a saúde pública e impedindo que haja invasões indesejadas no "espaço privado" dos não-fumantes.  Porém, os métodos que eles empregam somente podem ter sucesso quando o governo parte para o confisco da propriedade privada - sem qualquer reparação de danos aos proprietários, obviamente.

Após exitosamente terem forçado as empresas de tabaco a financiar vários esquemas governamentais, a arcar com uma das maiores cargas tributárias da economia e a utilizar métodos publicitários que convençam as pessoas a não fumar, o próximo passo natural e inevitável foi banir o fumo no "ambiente de trabalho".  Embora a maioria de nós pense que "ambiente de trabalho" seja algo tipo um escritório ou estabelecimentos afins, a definição utilizada pelos ativistas é bem mais vasta, incluindo especialmente estabelecimentos como bares e restaurantes, os quais tradicionalmente são o refúgio favorito dos fumantes.

Os defensores de um "ambiente de trabalho livre do cigarro" afirmam que, uma vez que não-fumantes trabalham em bares e restaurantes, e uma vez que a fumaça expelida pelo fumante contém os chamados carcinógenos da classe A, que em altas doses podem causar câncer, os não-fumantes teriam o direito de trabalhar em ambientes "seguros".  Em outras palavras, ao banir o fumo desses lugares, o governo está simplesmente protegendo os "direitos" dos trabalhadores.

Superficialmente, tais argumentos podem parecer plausíveis, mas basta aprofundarmos um pouco para vermos que eles não apenas são enganosos, mas também absolutamente perigosos.  Tais leis se resumem a um puro confisco da propriedade.  Qualquer entidade governamental que determine as regras está utilizando de força para limitar um comportamento que possa vir a ocorrer em uma propriedade privada, embora seja o proprietário o responsável por aplicar essa regra - sob o risco de perder sua propriedade e talvez até mesmo sua liberdade caso desobedeça.  Os proprietários, que em um livre mercado teriam a liberdade de decidir autonomamente se querem ou não permitir o fumo, têm esse direito confiscado pelo estado.

Mas o detalhe básico a que poucos parecem dar atenção é que as pessoas que são empregadas ou clientes de um bar ou restaurante estão ali por opção própria.  Colocando de outra maneira, aqueles indivíduos que decidem trabalhar em um determinado estabelecimento, ou comer e beber ali, tomaram essa decisão livremente.  Nenhum dono de bar ou restaurante pode obrigar ninguém a trabalhar ou comer em seu estabelecimento.  Assim, na melhor das hipóteses, o estado está "salvando" as pessoas de seu próprio livre arbítrio, o que significa que autoridades políticas - e os ativistas que vibram com elas - estão na verdade coagindo esses trabalhadores e clientes a fazerem apenas as escolhas que tenham a aprovação do estado.

Muito alarde tem sido feito a respeito de os não-fumantes serem "vítimas" de fumo passivo criado pelos fumantes.  Aqueles que, como nós, não são fumantes, certamente já reclamaram algumas vezes sobre ter de respirar a fumaça dos outros, sendo que já houve vezes em que decidimos não ir a certos lugares apenas porque havia pessoas fumando.  Entretanto, uma coisa é se recusar a ir a lugares onde há pessoas fumando; outra coisa, bem diferente, é utilizar o estado como meio de impor nosos desejos e vontades sobre terceiros.

As políticas antitabagistas em voga dão às pessoas insatisfeitas (junto com políticos e ativistas) o controle real sobre os direitos de propriedade, que é o que esses ativistas de fato querem.  Para disfarçar um pouco do totalitarismo, todo o argumento é colocado sob o manto do cientificismo: "Todos os carcinógenos do grupo A deveriam ser banidos dos ambientes de trabalho, o máximo possível", gritou um ativista de uma corrente de e-mails.

O argumento dos "Carcinógenos Classe A", embora de início soe bem, é apenas mais um truque retórico.  De acordo com pesquisadores do câncer, a fumaça do cigarro carrega carcinógenos "Classe A", e estes supostamente têm efeito sobre os não-fumantes.  Considerando-se que grande parte das pesquisas antitabagistas tem fortes motivações políticas, deve-se sempre desconfiar de qualquer resultado delas.  (Por exemplo, a mídia recentemente trombeteou aos quatro cantos um "estudo" que afirmava que proibições ao cigarro poderiam cortar pela metade os ataques cardíacos.  A Reason Foundation já desmitificou estes e outros estudos).

"Ah, mas ninguém discorda que o cigarro faz mal à saúde!  Há muitos estudos que comprovam isso!"  Será?  Ok, não vamos discutir isso aqui.  Mas a pergunta que fica é: E daí?  Várias coisas fazem mal à saúde.  O que interessa é que o indivíduo seja livre para cometer o erro que quiser, de maneira que ele próprio faça a sua avaliação de custos e benefícios.

"Beleza", dirão alguns, "desde que os fumantes não me coloquem em risco".  Novamente, retornemos ao ponto já mencionado: ninguém é obrigado a ficar perto da fumaça.  As pessoas não têm de ir a um bar ou a um restaurante.  Ou elas aprendem a cozinhar em casa, ou elas aprendem a fazer seus próprios drinques ou elas abrem o próprio negócio!  Responsabilidades individuais, essa é a questão.  De toda forma, se realmente há muitas pessoas que valorizam estabelecimentos onde o fumo é proibido, o mercado irá encarar o desafio e ofertar esses lugares.

Em um livre mercado, estabelecimentos para fumantes e não-fumantes seriam alocados com base apenas na demanda dos consumidores.  Ludwig von Mises já demonstrou como que, em um mercado livre e desimpedido, são os consumidores quem detém o poder.  Alguns empreendedores (talvez fumantes) abririam restaurantes ou bares para os não-fumantes, caso acreditassem que poderiam maximizar seus lucros nesse tipo de ambiente.  Isso iria atrair aqueles empregados que valorizam um ambiente livre de cigarro ou que acreditam que poderiam ganhar mais (sendo mais produtivos) trabalhando em um estabelecimento antifumo. 

Por outro lado, haveria empreendedores (talvez não-fumantes) que iriam querer agradar a clientela tabagista.  Esses estabelecimentos iriam atrair empregados que fumam ou que não se importam em trabalhar em um ambiente com fumaça de cigarro, desde que paguem bem.

Estes arranjos voluntários não podem ser regulamentados.  É impossível fazê-lo de modo que todos ganhem.

Alguns podem argumentar que estamos forçando a barra para tentar provar um ponto.  Ótimo, podemos aceitar que a demanda por bares, restaurantes e casas noturnas (lugares para socializar, beber, ouvir música ao vivo e dançar) é muito inelástica, de modo que os clientes não se importarão muito em sair do recinto apenas para fumar e em seguida voltar - o que não acarretaria perdas monetárias para o dono do estabelecimento.  Novamente, e daí?  Não é uma questão de lucros; é uma questão de liberdade.  Essa linha de raciocínio é apenas uma cortina de fumaça.  O argumento moral ainda apóia o direito do estabelecimento em determinar qual política tabagista irá seguir.

Mas há outros aspectos que não estão sendo levados em conta em todo esse debate.  Há muitos riscos nesse mundo, e, seguindo-se a linha de raciocínio dos ativistas, todas as pessoas insatisfeitas acabariam tendo um poder de veto absoluto sobre praticamente tudo.  Por exemplo, se uma pessoa tem o poder de entrar em um estabelecimento e exigir que as pessoas parem de fumar, então uma pessoa que se sente ofendida por um determinado tipo de filme também teria de ter o direito de exigir que o cinema parasse de exibir este filme em particular.  Você quer viver em um mundo assim? 

Ou, da mesma forma, todos nós sabemos dos perigos trazidos pelas bebidas alcoólicas; e, se é perigoso para as pessoas fumar, então certamente também é perigoso que elas bebam.  Sendo assim, espera-se que as autoridades políticas, sempre tão zelosas por nós, passem a se preocupar também com o abuso de álcool, e ordenem que bares e restaurantes parem de servir tais bebidas, ou que pelo menos permitam que qualquer um entre no estabelecimento e declare que toda a bebida seja confiscada.  Por que não?

Aliás, se realmente queremos acabar com a fonte da maioria dos cânceres, então temos de acabar com o sol.  Se esses guerreiros contra o câncer e pela saúde pública de fato estivessem preocupados em manter as pessoas afastadas dos perigos do câncer, então elas iriam exigir uma legislação que proibisse o sol de brilhar ou que, ao menos, exigisse que fechássemos todas as cortinas durante o dia e saíssemos de casa apenas à noite, algo parecido com a sátira "Petição dos Fabricantes de Vela", de Frederic Bastiat. (Mas é bom não dar muita ideia).

Entretanto, como já virou coro entre os ativistas, o que eles querem é apenas eliminar os carcinógenos "Classe A" do ambiente de trabalho.  Essa não é uma tarefa tão fácil quanto parece, ainda que toda a fumaça de tabaco venha a ser de fato eliminada.  Os carcinógenos estão em todos os lugares, incluindo roupas e carpetes.  É impossível viver sem entrar em contato com essas coisas.  (A menos que você seja um índio numa floresta).

Assim, toda a ladainha sobre segurança é apenas um estratagema para esconder o real objetivo da coisa.  Os ativistas antitabaco não irão descansar enquanto não retornarmos a algo tipo a Lei Seca dos anos 1920 nos EUA, desta vez com o tabaco sendo o alvo.  O fracasso de todas as outras leis que banem o álcool e as drogas parece não afetá-los em nada.

Embora muitos libertários tenham moldado o argumento como sendo uma disputa entre os direitos dos fumantes e dos não-fumantes, é um erro parar por aí.  Não há dúvidas de que haja um conflito de direitos aqui, mas uma legislação que regule o uso do tabaco não é a solução.  A questão real não é se a lei será utilizada como um instrumento de mediação entre fumantes e não-fumantes, mas sim o fato de que ativistas estão utilizando o estado como meio de sequestrar o controle sobre a propriedade privada e de proibir que indivíduos capazes de pensar autonomamente façam suas escolhas.

"Se a liberdade que o homem tem de escolher seu próprio consumo for abolida, então todas as liberdades estão abolidas", escreveu Mises.

Por último, vale a pena comentar outro ataque bastante comum perpetrado contra o cigarro: os prejuízos que os fumantes impõem ao sistema de saúde.  O argumento é mais ou menos assim: "Fumantes são mais propícios a sofrer doenças do coração, enfisema e câncer, e será o governo quem terá de pagar as contas dos hospitais públicos".  A maneira mais óbvia de solucionar esse dilema é tirando o governo do setor da saúde.  Porém, antes que os socialdemocratas esperneiem, convém lembrar que, seguindo-se essa lógica, os obesos, os alcoólatras e os promíscuos também oneram, cada um à sua maneira, o sistema de saúde.  Não faz sentido culpar apenas um grupo e jamais mencionar os outros.  É por isso que quando se cria essas benesses governamentais, como saúde e educação pública, discriminações desse tipo tornam-se inevitáveis.

Murray Rothbard é quem coloca claramente: "Não existe algo como a ação de 'grupos', de 'coletivos' ou de 'estados'.  Eles não representam as ações de vários indivíduos em específico; eles representam apenas o desejo de um grupo ínfimo de pessoas que querem impor suas vontades sobre todo o resto". Logo, não é o "governo" quem paga o serviço de saúde pública - os contribuintes é que pagam.  Mas essa é outra história.

Aliás, é capaz de os fumantes na realidade estarem poupando o dinheiro do "sistema", já que, como propagandeiam os ativistas, eles morrem mais cedo do que os não-fumantes, o que significa que eles não poderão "onerar" por muito tempo a Previdência Social, para a qual contribuíram solidamente durante toda a vida de trabalho.

Qualquer que seja a justificativa utilizada, o fato é que quando o governo tenta proteger a sociedade de algum perigo, ele acaba violando as liberdades individuais.  A livre iniciativa e a liberdade de associação são os verdadeiros direitos pelos quais devemos lutar, ao invés da espúria ideia do "direito" a um ambiente sem cigarro. 

A decisão sobre se devemos ou não banir o cigarro da propriedade privada é algo que deve ser deixado apenas a cargo do dono da propriedade, ponto.  Ademais, os indivíduos que escolheram frequentar ou trabalhar em tais lugares não devem depois vir reclamar que a fumaça exalada pelos fumantes os deixou doentes (e então arrumar um júri que os fará multimilionários).  É hora de encarar e assumir as consequências das próprias atitudes.  A liberdade implica isso.

Apesar de gostarem de ser vistos como zeladores ciosos da saúde alheia, os ativistas antitabagismo nada mais são do que ladrões enrustidos.  Sim, a liberdade de expressão significa que eles podem dizer o que quiserem.  E sim, o direito sobre a propriedade privada também diz que eles deveriam cuidar apenas das coisas deles quando se trata da propriedade alheia.

Quando as pessoas abandonarem essa atitude arrogante e hipócrita e perceberem que não é um direito trabalhar para alguém ou que não é um direito entrar na propriedade alheia; e quando as pessoas entenderem a diferença entre "público" e "privado", então, só então, a incrível perda de tempo e a incrível quantidade de dinheiro do contribuinte que é gasta em legislações antitabagistas irão parar.  E talvez então o governo irá parar de interferir nos direitos de propriedade, devolvendo esse comando a quem realmente tem esse direito: os proprietários.

É a única coisa moral a se fazer.

Sobre o autor

William L. Anderson

É um scholar adjunto do Mises Institute, e leciona economia na Frostburg State University.

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