Agora o governo quer proibir o brasileiro de trabalhar mais
Está pronta para entrar na pauta de votação da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) a PEC 89/2015, que reduz de 44 horas para 40 horas a jornada semanal de trabalho no país. A proposta, de autoria do senador Paulo Rocha (PT-PA), tem parecer favorável do senador Walter Pinheiro (PT-BA). Se aprovada na comissão, segue para análise em Plenário.
Segundo o autor da proposta, jornadas mais reduzidas permitem a melhora nos índices de saúde e de segurança no trabalho, trazem benefícios para toda a família do trabalhador, servem para promover a igualdade entre os sexos, aumentam a produtividade nas empresas e dão ao trabalhador opções de lazer e de aperfeiçoamento. Além disso, argumenta Paulo Rocha, a redução da jornada permitiria a repartição melhor do mercado de trabalho, reduzindo o desemprego e melhorando a distribuição da renda.
Esse projeto já foi testado em alguns países mundo afora, sempre com resultados muito diferentes do esperado.
Há dezesseis anos, a França aprovou dispositivo legal que reduziu a jornada semanal de trabalho de 40 para 35 horas. Conhecida como "Lei de Aubry" -- numa referência direta à ex-ministra socialista do trabalho Martine Aubry --, a estrovenga foi saudada como um marco histórico na caminhada daquele país rumo ao pleno emprego -- uma das maiores e mais veneradas utopias socialistas.
Após todos esses anos, no entanto, a taxa de desemprego por lá não só não caiu como apresentou um discreto aumento. Como era de se esperar, pesquisas recentes mostram que mais de 60% dos franceses são hoje favoráveis à revogação da tal lei.
Nunca é demais rememorar uma das mais importantes lições do grande Frédéric Bastiat:
Na esfera econômica, um ato, um hábito, uma instituição, uma lei não geram somente um efeito, mas uma série de efeitos. Dentre esses, só o primeiro é imediato. Manifesta-se simultaneamente com a sua causa. É visível. Os outros só aparecem depois e não são visíveis. Podemos nos dar por felizes se conseguirmos prevê-los. (…) Entre um bom e um mau economista existe uma diferença: um se detém no efeito que se vê; o outro leva em conta tanto o efeito que se vê quanto aqueles que se devem prever.
É famosa também a história segundo a qual Milton Friedman, em viagem à China comunista, deparou-se com um grupo de centenas de homens que construíam uma pequena barragem de terra, munidos exclusivamente de pás e enxadas. Ele comentou então com o oficial chinês que o acompanhava que apenas um operário, de posse de uma máquina escavadeira, poderia executar toda aquela empreitada num tempo bem mais curto.
A resposta do astuto oficial -- mal escondendo um sorriso sarcástico no canto dos lábios -- foi: "sim, mas imagine todo o desemprego que isso acarretaria". Estupefato com a resposta, o grande economista de Chicago pensou: "se são empregos que desejam, melhor seria que lhes tirassem as pás e dessem-lhes colheres".
O raciocínio do chinês é o mesmo que infesta a mente de muitos dos nossos socialistas, para quem o trabalho é um fim em si mesmo e não um meio para a obtenção do verdadeiro fim, que é o aumento do bem-estar geral, obtido por meio do gradativo aumento do poder de compra de cada indivíduo (produtividade).
Ao se reduzir em 10% a jornada máxima, pretende-se, por meio de um decreto estatal, colocar 11 homens para fazer o trabalho que hoje é feito por 10. Seria uma tentativa, dentre outras, de reduzir o desemprego. O argumento é o de que, se cada empregado tiver de trabalhar menos, os patrões serão obrigados a contratar mais apenas para manter toda a produção.
Abordemos, então, esse assunto de maneira franca e direta: leis impondo uma redução na jornada semanal de trabalho irão prejudicar exatamente aqueles trabalhadores que elas supostamente deveriam proteger.
Esse tipo de regulação, na realidade, prejudica a capacidade dos trabalhadores de ganhar um salário decente.
O argumento dos defensores dessa medida é o seguinte: se um patrão puder obrigar João a trabalhar 44 horas, ele fará isso; por outro lado, se ele for proibido disso, de modo que João só possa trabalhar no máximo 40 horas semanais, então o patrão será obrigado a contratar mais uma pessoa para ajudar João.
Só que tal raciocínio está errado por três motivos.
Em primeiro lugar, o trabalhador contratado para ajudar João não será tão eficiente quanto João (afinal, se ele fosse, então, por uma questão de lógica, o patrão já o teria contratado de qualquer maneira). Sendo assim, transferir parte do trabalho de João para esse recém-contratado fará com que a empresa seja menos eficiente. Isso pode significar preços mais altos, menor produção, menos capacidade de investimento e expansão, ou todos os três.
Em segundo lugar, essa medida serve apenas para ajudar os desempregados à custa dos empregados. Se João quisesse ou necessitasse de trabalhar mais horas, azar o dele. Ele acabou de sofrer um corte salarial de 9% para que o outro pudesse ser contratado.
Em terceiro, e o mais importante de todos, trabalhadores são pagos de acordo com o que produzem, de modo que, se não estão trabalhando e produzindo o suficiente, não há como eles ganharem o suficiente. Empresas não são instituições de caridade; se um empregado produz 100, não há como ele ganhar mais do que 100. Logo, se o tempo de produção diminui, então o salário também tem de diminuir. Sendo assim, leis que impõem uma jornada máxima reduzem a capacidade dos trabalhadores de aumentar seus salários, o que poderia ocorrer caso eles trabalhassem mais e produzissem mais.
Isso é algo que os próprios sindicatos já haviam reconhecido no século XIX. Terence Powderly, líder do sindicato americano Knights of Labor (o maior e mais importante do país na década de 1880), afirmou que os trabalhadores não queriam jornadas menores se isso implicasse uma redução salarial. Mas foi exatamente isso o que as greves e as leis trabalhistas criaram.
Por fim, desnecessário dizer que, se o governo impuser uma redução da jornada e, ao mesmo tempo, proibir reduções salariais, o resultado será o desemprego (vide a França) e a estagnação. Com menos produção e mais custos, não haverá muito dinheiro para as empresas fazerem novos investimentos e se expandirem.
Conclusão
Nos países ricos, em que os trabalhadores possuem uma grande quantidade de maquinários e bens de capital tecnológicos à sua disposição, tais trabalhadores tendem a ser mais produtivos. Sendo assim, eles podem se dar ao luxo de trabalhar menos horas. Já nos países ainda em desenvolvimento, que não usufruem de bens de capital abundante e de qualidade para seus trabalhadores -- o que faz com que eles sejam menos produtivos --, não há alternativa senão trabalhar mais para produzir o mesmo tanto que um trabalhador de um país desenvolvido. (Mais detalhes sobre isso neste artigo).
Essa tabela (fonte), que mostra a quantidade anual de horas trabalhadas por país, diz tudo:
De resto, se o objetivo é criar empregos, há melhores alternativas do que jogos de soma negativa que punem tanto trabalhadores quanto empresários.
Apenas para ficar claro: uma jornada semanal de 30 horas em países ricos e de 35 horas em países em desenvolvimento não é impossível e nem mesmo é indesejável. Mas se o objetivo é ajudar os trabalhadores, a melhor alternativa é deixar que cada um decida o melhor para si, e não políticos.
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Julian Adorney é diretor de marketing da Peacekeeper, um aplicativo de smartphone que oferece uma alternativa para serviços de emergência. É também historiador econômico, tendo como base a economia austríaca. Já publicou nos sites do Ludwig von Mises Institute do EUA, Townhall, e The Hill.
João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor doInstituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.
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