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Economia

Romaria de grandes empresários a Brasília - capitalismo de estado explicitado

12/01/2016

Romaria de grandes empresários a Brasília - capitalismo de estado explicitado

"Enquanto certos interesses econômicos são os mesmos para todos os grupos, cada grupo, separadamente, concentra determinados interesses que são antagônicos aos interesses de todos os demais. Assim, enquanto certas políticas públicas serão, a longo prazo, benéficas para todos, outras irão beneficiar alguns setores apenas, em detrimento de todos os outros." Henry Hazlitt

 

Foi Marx quem deu nome ao modelo de organização econômica capitalista. O capitalismo, entretanto, não foi criado por algum cérebro brilhante, nem gerado em saraus de intelectuais que queriam mudar o mundo ou a natureza humana.  Ao contrário, surgiu como resultado natural dos processos sociais de divisão do trabalho e trocas voluntárias, realizados num ambiente de liberdade até então poucas vezes visto ao longo da história.

Os economistas clássicos chamavam-no de laissez-faire. O governo era um mero coadjuvante, cujo papel limitava-se a fazer cumprir os contratos, proteger a vida e a propriedade dos cidadãos. 

As maiores virtudes desse modelo, na visão de Adam Smith, eram a liberdade de empreendimento e o governo limitado -- este último um antídoto contra as arbitrariedades, os desmandos e as falcatruas inerentes ao poder político. 

Em resumo, o sistema pouco dependia das virtudes dos bons governantes, enquanto os danos causados pelos maus eram mínimos.

Por conta de um desses grandes paradoxos da vida, no entanto, o livre mercado, embora tivesse trazido volumes de riqueza inéditos aos países que o abraçaram, foi sendo paulatinamente substituído, principalmente no decorrer do século XX, por um novo arranjo institucional -- na verdade, uma teratologia apelidada de "capitalismo de estado".

O processo de substituição foi bastante facilitado pelo fato de que muito poucos estavam dispostos a defender, politicamente, o capitalismo liberal. Não é de se admirar. O liberalismo, afinal, é muito arriscado, pouco previsível e totalmente incontrolável, seja por empresários, políticos ou acadêmicos.  Tal modelo, embora possibilite uma acumulação coletiva extraordinária de riqueza, está longe de ser um caminho seguro para o sucesso individual.

No capitalismo de estado, por outro lado, o governo é capturado por grupos de interesse, que o utilizam para promover a transferência de riqueza e status. Num processo lento, mas ininterrupto, castas influentes e bem articuladas obtêm privilégios especiais, contratos, empregos, benefícios fiscais, créditos baratos e proteções diversas, sempre à custa do dinheiro alheio.

[N. do E.: Neste sistema econômico, o mercado é artificialmente moldado por uma relação de conluio entre o governo, as grandes empresas e os grandes sindicatos.  Políticos concedem a seus empresários favoritos uma ampla variedade de privilégios que seriam simplesmente inalcançáveis em um genuíno livre mercado. 

Há a criação de privilégios legais, que vão desde restrições de importação, subsídios diretos, tarifas protecionistas, empréstimos subsidiados feitos por bancos estatais, e agências reguladoras criadas com o intuito de cartelizar o mercado e impedir a entrada de concorrentes estrangeiros, até coisas mais paroquiais como a obrigatoriedade do uso de extintores e do kit de primeiros socorros nos automóveis e a obrigatoriedade do uso de canudinhos plastificados (devidamente fornecidos pela empresa lobbista) em bares e restaurantes.  

E há a criação de privilégios ilegais, que vão desde fraudes em licitações e superfaturamento em prol de empreiteiras (cujas obras são pagas com dinheiro público) a coisas mais paroquiais como a concessão de bandeiras de postos de combustíveis para empresários que pagam propina a determinados políticos (bandeiras essas negadas para empresários honestos e menos poderosos).

Em troca, os empresários beneficiados lotam os cofres de políticos e reguladores com amplas doações de campanha e propinas. A criação destes privilégios pode ocorrer ou abertamente, por meio de lobbies e da atuação de grupos de interesse, ou na surdina, por meio do suborno direto.

Em ambos os casos, empresários poderosos e grupos de interesse conseguem obter privilégios mediante o uso da coerção estatal.  E isso só é possível porque há um estado grande que a tudo controla e tudo regula.

Um estado grande sempre acaba convertendo-se em um instrumento de redistribuição de riqueza: a riqueza é confiscada dos grupos sociais desorganizados (os pagadores de impostos) e direcionada para os grupos sociais organizados (lobbies, grupos de interesse e grandes empresários com conexões políticas.

A crescente concentração de poder nas mãos do estado faz com que este se converta em um instrumento muito apetitoso para todos aqueles que saibam como manuseá-lo para seu benefício privado.]

Agora, eis recente notícia publicada na Folha de São Paulo:

Ontem foi Dia de Reis. Em vez de levar presentes, alguns reis do capital foram a Brasília pedir dinheiro para suas empresas arrebentadas. Teve-se notícia do que o rei do PT, Lula, disse na primeira sessão de tutela de Dilma Rousseff neste ano: quer medidas "concretas" de estímulo econômico.

Nada de novo sob a poeira e o sol do Planalto.

[...]

Siderúrgicas e montadoras querem dinheiro. A venda de veículos caiu 26,5% em 2015. A associação dos vendedores estima que caia outros 6% neste 2016, o quarto ano seguido de ruína. Ao anunciar as más novas, vazou também que o governo prepara um pacotinho de ajuda.

[...]

O coelhinho da Páscoa ou do Carnaval das montadoras, por exemplo, não teria subsídios. [...] Insinua-se que haveria uma espécie de taxa ou seguro para financiar a compra de carro novo, colocando os muito velhos no rolo.

[...] As siderúrgicas, por exemplo, estão na lama porque a construção civil entrou em colapso, assim como a venda de bens duráveis, como carros, entre os motivos imediatos.

A construção civil afunda porque os governos não têm dinheiro para obras, porque as maiores empreiteiras foram enfim pegas na roubança, por causa da ruína na Petrobras. Afunda porque não há crédito ou coragem de tomar dinheiro emprestado para comprar casa, também porque os juros estão altos. O mercado imobiliário afunda. O preço do metro quadrado dos imóveis em São Paulo caiu 8% em 2015, em termos reais, segundo o índice Fipe-ZAP.

Enfim, o colapso da construção é um aspecto do colapso do investimento das empresas em capital (máquinas, equipamentos, instalações produtivas), que cai desde 2013.

[...]

A venda de veículos afunda porque houve uma bolha inflada pelo governo, porque se antecipou muito consumo, porque os juros estão altos, porque as empresas não investem, porque a renda do trabalho parou de subir, porque as pessoas estão com medo do futuro depois da passagem do furacão Dilma.

Eis a mais recente demonstração explícita de capitalismo de estado: uma romaria de grandes empresários a Brasília para pedir mais incentivos ao governo desenvolvimentista da dona Dilma, sempre tão pródigo com o dinheiro do distinto público.

Na ótica liberal/libertária, qualquer empresa que não esteja em condições de enfrentar a concorrência (interna ou externa) sem a ajuda do governo é uma empresa doente, que precisa reciclar-se, aperfeiçoar-se, tornar-se eficiente, ou sair do mercado. A ajuda governamental a produtores ineficientes, seja por meio de subsídios ou de medidas protecionistas, só contribui para obstruir o processo de "destruição criadora" do (verdadeiro) capitalismo e dificultar a vida dos concorrentes eficientes.

O fato de que os bons empreendedores irão prosperar sob o capitalismo não significa que todos os empresários sejam necessariamente capitalistas. Talvez a alguns surpreenda saber que uma boa parte deles detesta a competição e, por extensão, o livre mercado, razão pela qual nos acostumamos a vê-los rotineiramente ao redor dos políticos e dos burocratas, para que estes os protejam da sua própria ineficiência. 

Esse empresariado sabe que é precisamente o governo o único que pode evitar a livre concorrência, atuando discricionariamente para favorecer alguns em detrimento de muitos, seja sob a égide da proteção ao produto nacional, da preservação dos empregos ou de evitar uma eventual "crise sistêmica".

Como bem frisou Jonah Goldberg, no excelente "Fascismo de esquerda" (quem ainda não leu, deve ler, pois o livro é muito bom), muitos esquerdistas estão corretos quando lamentam a cumplicidade entre governos e grandes corporações.  O que eles não compreendem é que tal sistema convém justamente aos governos intervencionistas da nova esquerda, dita democrática.  Uma esquerda que não pretende expropriar os empreendimentos privados, mas, ao contrário, usá-los para implantar sua agenda política -- exatamente como testemunhamos hoje no Brasil.

Em resumo, eis a grande diferença entre os verdadeiros liberais/libertários e os esquerdistas/desenvolvimentistas, ou mesmo alguns conservadores (vide Donald Trump e sua sanha protecionista).  Nós somos pró-mercado.  Eles são pró-negócios.

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Leituras complementares:

O capitalismo de estado tem de ser diariamente combatido 

O socialismo clássico já foi rechaçado; o inimigo agora é outro 

Grandes empresas odeiam o livre mercado 

Seria o liberalismo uma ideologia a serviço de empresários? 

A diferença entre iniciativa privada e livre iniciativa - ou: você é pró-mercado ou pró-empresa?


Sobre o autor

João Luiz Mauad

É administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora

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