Economia
Milhões, bilhões, trilhões: o desastre do socialismo venezuelano se intensifica
Milhões, bilhões, trilhões: o desastre do socialismo venezuelano se intensifica
Durante os últimos dois anos, a crise econômica do país vem se desenrolando a um ritmo crescentemente desastroso: à medida que a moeda foi se depreciando, a carestia foi se acelerando de maneira galopante. Consequentemente, o governo decretou um abrangente controle de preços, o que fez com que a escassez de bens -- inclusive alimentos e remédios -- se intensificasse. A escassez, por conseguinte, empurrou as pessoas para o mercado negro, o que elevou ainda mais os preços dos bens essenciais.
A lista de itens básicos ausente das prateleiras dos supermercados, que começou com papel higiênico -- o que levou o governo a ocupar uma fábrica de papel higiênico, com o uso maciço de força militar, para garantir uma "distribuição justa" dos estoques disponíveis --, foi gradualmente se expandindo para abranger também absorventes, xampu, farinha, açúcar, detergente, óleo de cozinhar, pilhas, baterias e caixões.
E, por causa do aparelhamento e da subsequente destruição da estatal petrolífera PDVSA, bem como do racionamento de preços da gasolina, a Venezuela, que é o quinto maior produtor de petróleo do mundo, teve de se tornar importadora de petróleo (outrora o principal item de exportação do país).
A escassez generalizada obrigou os venezuelanos a, rotineiramente, terem de pedir permissão para faltar ao trabalho e assim poderem ficar o dia inteiro em longas filas nas portas dos poucos supermercados que ainda têm alguns produtos à venda.
Além daqueles que se ausentam do trabalho, também há aqueles que acordam de madrugada para ir para as filas. E há aqueles que vão para as filas no horário do almoço. Os venezuelanos estão o tempo todo enviando mensagens de texto no celular para dar informações sobre filas. Eles se transformaram em especialistas em filas.
Nessa reportagem, um jornalista da BBC tenta comprar apenas 8 itens básicos na Venezuela. Ele só consegue comprar 3, tendo de recorrer ao mercado negro para conseguir o resto; e só no dia seguinte.
A mais recente estimativa -- mostrada no vídeo acima -- é a de que um venezuelano gasta, em média, 8 horas por semana na fila de um supermercado para conseguir comprar itens essenciais.
Uma pesquisa do Instituto Cendas, que é venezuelano, revelou que mais de um terço dos gêneros alimentícios não mais são encontrados nas prateleiras de absolutamente nenhum supermercado. Adicionalmente, os vegetais encarecem a um ritmo de 32% ao mês, as carnes sobem 22% também mensalmente, e o feijão dispara 130%, também a cada mês. Consequentemente, o prato básico do venezuelano, contendo arroz e feijão, se tornou um luxo.
No entanto, o que está no noticiário atualmente -- e que é a raiz de todo o desarranjo da economia venezuelana -- é a moeda da Venezuela, o bolívar. O valor do bolívar está desabando feito uma pedra. O gráfico a seguir, elaborado pelo professor Steve Hanke, da Johns Hopkins University, mostra a evolução da taxa de câmbio do bolívar em relação ao dólar americano. A linha vermelha é a taxa de câmbio oficial declarada pelo governo; a linha azul é a taxa de câmbio no mercado paralelo.
Taxa de câmbio bolívar/dólar no mercado paralelo (linha azul) versus taxa de câmbio oficial declarada pelo governo (linha vermelha)
Vale ressaltar que, como mostra o gráfico, em agosto do ano passado, um dólar custava 100 bolívares no mercado paralelo. Em maio desse ano, o bolívar já havia desabado acentuadamente, com um dólar valendo 300 bolívares. Agora em agosto, o dólar já está se aproximando dos 700 bolívares.
Isso implica uma desvalorização da moeda nacional de 86% em apenas um ano.
O Banco Central da Venezuela, obviamente, parou de divulgar os valores oficiais da inflação ainda em dezembro de 2014, quando a cifra calculada pelo próprio governo havia chegado a 68%.
Essa desvalorização do bolívar está fazendo a carestia disparar na Venezuela. Para economias altamente estatizadas, a desvalorização de uma moeda no mercado paralelo -- que é o único verdadeiro livre mercado operando nessas economias -- é o mensurador que melhor estima o real valor dessa moeda. O princípio da paridade do poder de compra (PPP), o qual vincula alterações na taxa de câmbio a alterações nos preços, permite estimativas confiáveis para a inflação de preços.
O gráfico a seguir, também do professor Hanke, mostra a evolução da verdadeira inflação de preços que está ocorrendo na Venezuela:
Inflação de preços oficial divulgada pelo governo (linha vermelha) versus inflação de preços implícita (linha azul) acumuladas em 12 meses.
Ou seja, a atual inflação de preços na Venezuela -- a real, e não aquela divulgada pelo governo -- ultrapassou o estonteante valor de 800% ao ano, o que mostra que o país está em hiperinflação.
Essa combinação de hiperinflação e rígido controle de preços -- recurso favorito dos governos populistas -- está gerando o supracitado desabastecimento generalizado, esvaziando as prateleiras dos supermercados do país
Com uma moeda inconversível e que ninguém quer portar -- nenhum estrangeiro está disposto a trocar sua moeda pelo bolívar, pois não há investimentos atrativos na Venezuela --, nenhum empreendedor na Venezuela está tendo acesso a dólares.
E, sem acesso a dólares, todas as importações, mesmo a de produtos básicos e essenciais, como remédios, estão praticamente paralisadas.
O suprimento de remédios está acabando. Salas de cirurgia estão fechadas há meses, não obstante centenas de pacientes estejam na fila de espera para cirurgias. Algumas clínicas privadas são capazes de manter a sala de cirurgias funcionando porque conseguem contrabandear dos EUA, sem que o governo venezuelano possa interceptar, remédios essenciais.
Com a falta de remédios, os venezuelanos estão tendo, humilhantemente, de recorrer a medicamentos para cachorro. Como consequência, os próprios cachorros também começaram a sofrer, já que esse aumento da demanda por medicamentos veterinários está diminuindo a oferta disponível de remédios para serem usados nos próprios cachorros.
Está havendo também uma escassez de contraceptivos, o que vem aumentando a taxa de gravidezes indesejadas no país. Para piorar, também há escassez de fraldas e leite, itens essenciais para os recém-nascidos.
A revolta dessa venezuelana na fila do supermercado fala por si só:
A inconversibilidade da moeda venezuelana está causando até mesmo o desaparecimento da cerveja, uma vez que os produtores nacionais não mais estão conseguindo importar a matéria-prima necessária -- malte e cevada -- para a fabricação da bebida, pois não conseguem trocar bolívares por dólares.
A única entidade na Venezuela que ainda tem dólares é o governo, e é ele quem decide qual empresa pode receber dólares para importar bens. No momento, por causa de sua escassez -- e da acelerada perda de reservas internacionais, causadas justamente pela necessidade de importar itens básicos -- a ração de dólares está suspensa.
Essa situação de penúria gerada por uma moeda inconversível e por controles de capital é fatal para todo o bem-estar de uma nação. O economista austríaco Friedrich Hayek já havia alertado para isso. Em seu livro O Caminho da Servidão, lançado no longínquo ano de 1944, ele alertou que:
Não há melhor exemplo prático de um abrangente controle econômico sobre todos os outros aspectos da vida do que na área do câmbio.
À primeira vista, nada parece afetar menos a vida privada do que o controle estatal das transações em moeda estrangeira, e a maior parte das pessoas olha com total indiferença para a introdução dessa política. No entanto, a experiência de quase todos os países europeus ensinou-nos a considerar essa medida um passo decisivo no caminho do totalitarismo e da supressão da liberdade individual.
Ela constitui, com efeito, a sujeição completa do indivíduo à tirania do estado, a eliminação definitiva de todos os meios de fuga -- não somente para os ricos, mas para todos.
Quando o indivíduo já não tem liberdade nem de viajar nem de comprar itens estrangeiros básicos, como livros e revistas, e quando todos os meios de contato com o exterior se limitam aos aprovados [pelo governo], o controle efetivo [sobre a população] torna-se muito maior do que o exercido por qualquer governo absolutista dos séculos XVII e XVIII.
Já Ludwig von Mises, em seu livro A Teoria da Moeda e do Crédito, publicado originalmente em 1912, já alertava:
É impossível compreender totalmente a ideia de uma moeda forte sem antes entender que a própria ideia de moeda forte foi criada para ser um instrumento para a proteção das liberdades civis contra investidas despóticas de governos. Ideologicamente, a moeda forte pertence à mesma classe das Constituições e da Declaração dos Direitos dos indivíduos.
Recentemente, uma foto de um venezuelano utilizando uma cédula de 2 bolívares como guardanapo para segurar uma empanada tornou-se viral na internet. E o motivo é a perfeita ilustração do que Mises disse acima: se a moeda é fraca, ela perde toda a sua função de meio de troca, e passa a ser utilizada em aplicações mais cotidianas.
Uma cédula de 2 bolívares vale muito menos que US$ 0,01 (na prática, vale um terço de um cent, ou US$ 0,003). Já um pacote de guardanapos custa, atualmente, de 500 a 600 bolívares.
Essa foto é pavorosamente parecida com as fotos oriundas do episódio da hiperinflação alemã na época da República de Weimar, em que o índice da inflação de preços mensal saltou de 100% em julho de 1922 para 29.500% em novembro de 1923. A cédula de 100 trilhões de marcos foi criada e as impressoras do Reichsbank passaram a imprimir dinheiro ao ritmo recorde de 74 trilhões de cédulas de marcos por semana.
Como consequência dessa inflação de dinheiro, os alemães passaram a utilizar as cédulas como lenha para fogueiras e para fogões.
Essencialmente, todos os governos do mundo controlam suas moedas da mesma maneira que o governo Maduro. Varia apenas a intensidade com que cada governo destrói o poder de compra de suas respectivas moedas. Ao redor de todo o mundo, o que temos no âmbito monetário é socialismo puro, de modo que todas as moedas nacionais estão sujeitas unicamente ao poder político.
É inevitável imaginar (e temer) quantos outros desastres econômicos terão de ocorrer até que se torne claro que o socialismo -- de todos os tipos, tamanhos e graus de intensidade -- é impraticável, intolerável e indesculpável.
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Carmen Dorobat, pós-doutoranda em economia na Universidade de Angers e professora na Bucharest Academy of Economic Studies.
Leandro
Roque, editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.
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