As 5 lições de capitalismo das favelas brasileiras
Pelos dados do Data Favela 2015 (maior pesquisa nacional com moradores de favela do Brasil), mais de 65% dos favelados são classe média e 7% estão nas classes A e B.
Muito se fala dos hábitos de consumo das favelas brasileiras: roupas de marca, TVs de tela plana, smartphones, geladeiras, viagens de avião. Mas mais do que uma revolução de consumo, ela vive uma revolução empreendedora. Muitos moradores de favela têm ou querem ter seu próprio negócio. Eles são, em outras palavras, capitalistas em potencial. E esses negócios, por ocorrerem muitas vezes entre a formalidade e a informalidade, muitas vezes cumprem funções que, no senso comum, só podem ser cumpridas por grandes investimentos de estado ou de grandes empresas.
Crédito: Matias Maxx
A Rocinha, maior favela do Brasil, tem muitas ruas, becos, escadas e vielas que nunca foram devidamente mapeadas e numeradas por nenhuma autoridade. Nem por isso as pessoas deixam de ter endereço e de querer receber entregas, mas até certo tempo os Correios simplesmente não entregavam nas casas, mostrando como é frágil a ideia de que cobrem todo o território nacional. A correspondência dos moradores era em geral deixada em algum comércio próximo, com alto risco de se perder, fora o inconveniente de ter que passar em duas ou três lojas ou mercados para saber se uma carta chegou.
Isso mudou quando três moradores da comunidade que conhece bem a geografia interna, pois tinham trabalhado com o Censo, iniciaram a Carteiro Amigo, sua empresa de entrega de correspondência. Mapearam a favela (mapa que continua a ser atualizado) e passaram a numerar todas as residências que quisessem se inscrever. E não é por caridade, não. Os moradores que desejam receber suas cartas em casa pagam, voluntariamente, uma taxa mensal de R$16,00. O negócio deu tão certo que a Carteiro Amigo já abriu franquias em outras sete comunidades.
Foto: Renato Moura
A geração e veiculação de notícias deixou de ser monopólio dos grandes grupos de mídia. Rene Silva, comunicador e twitteiro do Complexo do Alemão que documentou em tempo real o avanço das forças da pacificação, começou seu próprio jornal e seu próprio portal de notícias quando tinha apenas 11 anos, o Voz da Comunidade. Ele traz reportagens, pesquisas, artigos de opinião e guia de eventos, além de ajudar em diversas campanhas sociais. O livro "A Voz do Alemão" conta um pouco de sua trajetória e seu contexto. Embora não vise lucro, o jornal é um exemplo de empreendedorismo social, e consegue se manter por meio de patrocínio de grandes marcas e publicidade de negócios locais.
Diversas favelas do Brasil seguiram seu exemplo e passaram a manter seus próprios portais, páginas de facebook e twitters. O olhar local sobre o que acontece é muitas vezes bem diferente do que a mídia tradicional oferece. Ele é a fonte mais rápida e confiável para registrar e divulgar as mortes no Complexo. Quando a Prefeitura demole negócios tradicionais no Alemão por falta de permissão, ficamos sabendo que trabalhadores e clientes da comunidade têm uma visão muito diferente da ação do governo.
Grande parte das periferias do Brasil vive sem condições adequadas de saneamento básico, que o estado supostamente proveria a todos. Nem por isso os moradores ficam sentados à mercê de doenças e da sujeira.
A favela do Sol Nascente, próxima a Brasília, concorre com a Rocinha pelo título de maior favela do Brasil. O que não está em discussão é um outro triste título dela: tem o pior saneamento básico do país. Só 6% das casas são ligadas à rede de esgotos.
A Prefeitura tomou a iniciativa de cavar uma fossa na frente de cada casa. Depois disso, cada um que se vire. Dessa forma, as necessidades sanitárias da população sustentam diversas empresas e profissionais autônomos que esvaziam e limpam as fossas sépticas. O trabalho carrega algum estigma social, mas é relativamente bem remunerado. Uma limpeza sai entre R$ 80,00 R$ 140,00.
Sem dúvida, a fossa séptica fica muito aquém da coleta de esgoto, mas é bem melhor do que nada. Podemos apenas imaginar como seria a cara desse setor se o empreendedorismo e a concorrência fossem permitidos também nos encanamentos e na coleta de esgoto formal. Sistemas informais – e portanto altamente precários – surgem volta e meia em locais pouco servidos (e pouco fiscalizados) pelo estado. Mas o tipo de investimento pesado que uma rede sólida requer é inviável sem o amparo legal.
Nas grandes cidades brasileiras, o transporte de pessoas é tratado como competência do governo. Ele é que tem que planejar rotas, definir os pontos e estações e decidir a quantidade de cada serviço. Imagina se não houvesse definição das rotas de ônibus, segregação de faixas? Imagine se o direito de oferecer transporte fosse tirado das mãos das empresas monopolistas, ou dos possuidores de licença de taxis? Seria uma anarquia!
Aparentemente, a anarquia funciona. Em muitas favelas brasileiras, vigora a livre concorrência de serviços de transporte. Taxis, vans, kombis, moto-taxis e até bicicletas. Qualquer pessoa pode prestar esse serviço valioso e gerar renda para si. A maioria desses empreendedores gostaria de se regulamentar a atender seus clientes de forma completamente legal; mas os governos são tão lentos, e as exigências são tantas, que a maioria tem que seguir ganhando a vida no mercado informal. Seus consumidores agradecem.
A clientela nos morros cariocas é fiel. Motoqueiros acabam não apenas levando pessoas para cima e para baixo, como também fazendo entregas e até pagando boleto em banco para seus clientes mais próximos. Felizmente, a fiscalização é pouca, o que permite que esse setor continue a operar.
As favelas nos morros do Rio de Janeiro têm um atrativo óbvio para turistas: a vista magnífica para o mar. Em São Paulo, a coisa é mais difícil. Paraisópolis, que disputa com Heliópolis o status de maior favela da cidade, encontrou uma outra maneira de se destacar e atrair visitantes: as artes plásticas. São diversas atrações.
A comunidade tem um artesanato local vibrante. Um de seus maiores expoentes é a oficina de Antonio Edivaldo da Silva, ou Berbela, mecânico que faz esculturas com peças de ferro velho. Suas obras já ganharam destaque mundial e hoje aparecem na abertura da novela I Love Paraisópolis.
A arquitetura também conta com pelo menos dois artistas locais. Um é o Antenor Feitosa, que fez uma casa inteira revestida de garrafas pet. Por dentro, a experiência é de se cruzar uma catedral de luz esverdeada. Outro é Estêvão Conceição, o Gaudí de Paraisópolis. Sua "Casa de Pedra" é um verdadeiro deslumbre de criatividade e de uso de curvas e materiais inusitados, que lembram muito o caráter orgânico da obra de Antoni Gaudi. Estêvão desenvolveu seu estilo isoladamente; nunca tinha ouvido falar do mestre de Barcelona. Mas visitantes notaram as semelhanças e o Centro de Estudos Gaudí pagou sua viagem a Barcelona para conhecer e se inspirar a continuar suas criações.
Por essas e outras, Paraisópolis conta com um turismo de suas artes. O tour artístico pelos pontos mais interessantes da vizinhança, que recebe o nome "Paraisópolis das Artes", organizado por líderes da própria comunidade e feito a pé com guias locais, custa R$ 150,00.
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Artigo originalmente publicado no site do Spotniks.
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