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Economia

Paul Krugman e a economia da França - um caso de amor e de traição

03/05/2015

Paul Krugman e a economia da França - um caso de amor e de traição

Nos últimos anos, Paul Krugman vem incansavelmente defendendo a França e seu estado assistencialista, chegando até mesmo ao ponto de alegar que a economia francesa estava em melhores condições do que a britânica.

De acordo com ele, "grande parte do problema da França em 2014 advém de uma hipocondria, a crença de que sofre de doenças que na verdade não a afligem."

No entanto, com exceção de alguns propagandistas keynesianos, ninguém hoje nega que a economia francesa esteja em uma crise profunda, e nunca esteve tão óbvio que Krugman esteve errado todo esse tempo.

O Reino Unido, por outro lado, está crescendo mais rapidamente do que qualquer outra economia desenvolvida.  O crescimento acelerou desde o primeiro trimestre de 2013, e foi de 2,6% em 2014, sete vezes maior do que a taxa francesa.  O emprego na Grã-Bretanha, tanto em termos absolutos quanto como percentual da população adulta, nunca esteve tão alto. Até os salários, que estavam deprimidos desde a crise de 2008, começaram a subir novamente.

Como é de costume, políticos britânicos se aproveitaram do bom desempenho da economia da terra da rainha para tirar sarro da França. O Ministro da Fazenda britânico (lá chamado pomposamente de Chanceler do Exchequer) George Osborne declarou: "E qual distrito criou mais empregos do que a França inteira? O grande distrito de Yorkshire", depois de as últimas estatísticas terem mostrado emprego recorde.

O primeiro-ministro conservador David Cameron recentemente disse que o Partido Trabalhista "nos deixaria tão mal quanto a França." Deve-se descontar o fato de que esculachar os franceses é um passatempo nacional britânico, mas, no momento, o Reino Unido realmente está em melhor situação que a França.

Austeridade fiscal vs. Austeridade pródiga

Desde 2009, a França e o Reino Unido têm utilizado políticas econômicas opostas. A França aumentou os impostos e não reduziu os gastos do governo.  Já o Reino Unido, por sua vez, cortou os gastos estatais, mas não aumentou impostos.  Entre 2010 e 2013, o Reino Unido reduziu o seu déficit estrutural em 4,7% do PIB, mais do que qualquer outra economia desenvolvida.

Se você é um seguidor das ideias de Krugman, tais medidas fariam você acreditar que a França cresceu mais do que o Reino Unido.  No entanto, e nada surpreendentemente, o que ocorreu foi exatamente o contrário: enquanto a economia francesa está estagnada, o Reino Unido está acumulando uma recuperação econômica.

Os gastos do governo francês estão atualmente onze pontos percentuais do PIB acima dos gastos do governo do Reino Unido. Os impostos também são muito mais altos na França do que no Reino Unido, e as regulações governamentais, particularmente no mercado de trabalho, são menos problemáticas no Reino Unido do que na França. Dessa forma, a estrutura de produção se reestruturou com mais facilidade no Reino Unido após a crise.

Ao passo que o setor público encolheu no Reino Unido, ele cresceu na França.  Sendo assim, medir progresso econômico utilizando apenas o PIB, um método profundamente falho, subestima o real desenvolvimento da economia britânica.

Os indivíduos que são forçados a financiar o setor público por meio de impostos não estão expressando suas reais preferências.  Como explicado neste artigo: " É realmente verdade que, da maneira como o PIB é calculado, uma redução nos gastos reais do governo gera uma redução na taxa de crescimento real do PIB.  No entanto, [...] a redução nos gastos do governo não retarda o crescimento da produção de bens que satisfazem as demandas dos consumidores.  Ao contrário até: pode acelerá-la

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Gráfico 1: à esquerda, os gastos do governo (linha contínua) e as receitas do governo (linha pontilhada) francês.  À direita, o mesmo padrão para o governo do Reino Unido.

Mas mesmo que a economia francesa estivesse tão bem quanto Krugman diz que está, então por que tantos franceses estão saindo de seu país para atravessar o Canal da Mancha?  Sempre que você quiser saber como está uma economia, observe de que forma as pessoas estão votando com os pés.

Se Krugman tivesse feito isso, ele teria verificado que são principalmente os franceses que estão se mudando para Londres, e não os britânicos para Paris. O prefeito de Londres, Boris Johnson, gosta de dizer que ele é o prefeito da sexta maior cidade francesa do mundo. Hoje, há mais de 200.000 imigrantes franceses vivendo em Londres.

É claro que o Reino Unido está longe de ser perfeito. A dívida pública e o déficit permanecem muito altos e ainda há muito a ser feito, principalmente no sistema de saúde estatal britânico, uma vaca sagrada na qual nenhum partido tem coragem de tocar.  O gasto público com a saúde continua crescendo -- a uma média de 4% entre 2010 e 2011, e novamente entre 2013 e 2014. Além do mais, o Banco Central da Inglaterra tem conduzido uma política monetária de juros extremamente baixos, o que pode levar a instabilidades e novas crises.  É bem possível, por exemplo, que haja uma nova bolha imobiliária sendo inflada na Inglaterra.

Os dados de Krugman vs. Os dados reais

No dia 8 de novembro de 2013, Krugman atacou a decisão da Standard & Poor's de reduzir a nota de crédito da França:

Lamento, mas acredito que quando a S&P reclama da falta de reformas, ela na verdade está reclamando que François Hollande está aumentando os impostos sobre os ricos em vez de cortá-los, e que o presidente francês não é suficientemente a favor do livre mercado para o gosto do pessoal de Davos.

Alguns dias depois de Krugman ter escrito essas linhas, números de emprego melhores do que o esperado foram divulgados na Grã-Bretanha, ao passo que a França já alcançava um desemprego de dois dígitos. Já em 2013 era visível que algo estava errado com as políticas econômicas da França. Mas Krugman estava certo de que esse não era o caso.

No início de Janeiro de 2015, Krugman publicou outro artigo com o objetivo de demonstrar a superioridade da economia francesa sobre a britânica. E, novamente, não demorou muito para que novas estatísticas mostrassem que o que Krugman dizia estava simplesmente errado. Para apoiar seu argumento, ele publicou o seguinte gráfico, sem citar nenhuma fonte:

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Gráfico 2: um gráfico sem fontes publicado por Paul Krugman, comparando a evolução da renda per capita de EUA (azul), França (vermelho) e Reino Unido (verde)

Krugman escreveu:

O triunfo da austeridade. Ou não. Parte disso é a falácia da taxa de crescimento -- não importa quão ruim tenha estado uma economia por um período prolongado; é fácil proclamar sucesso depois de um ano ou dois de bom crescimento.

Há dois problemas graves com a alegação de Krugman. Primeiro, se você olhar para o crescimento do PIB per capita -- que é o que realmente interessa -- desde 2000, o Reino Unido cresce mais rapidamente do que a França. Segundo, o gráfico de Krugman está errado. Não importa se você está olhando para os dados do FMI, do Banco Mundial, ou da agência Eurostat da União Européia: nenhuma estatística bate com os números de Krugman.

O gráfico real se parece com esse:

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Gráfico 3: a verdadeira evolução do PIB per capita do Reino Unido (azul) e da França (vermelho).  Fonte: Eurostat

Adicionalmente, as políticas de austeridade no Reino Unido foram introduzidas apenas depois de 2009. Dessa forma, o keynesianismo ortodoxo não é capaz de explicar por que fenômenos aparentemente contraditórios como, de um lado, crescimento econômico e queda no desemprego, e de outro, austeridade, aconteceram ao mesmo tempo. Krugman não ofereceu nenhuma explicação.

Desemprego

De Dezembro de 2009 a Dezembro de 2014, na Grã-Bretanha, o número de empregados no setor público caiu de 6.370.000 para 5.397.000, ao mesmo tempo em que o número total de empregos subiu em cerca de 1.700.00.  De um lado, os números dessa estatística foram afetados por várias reclassificações metodológicas, em que organizações que empregam grandes números de pessoas foram transferidas entre os setores público e privado.  No entanto, mesmo levando isso em consideração, o número de empregos criados pelo setor privado é impressionante.

Por outro lado, o número de funcionários públicos na França nunca parou de crescer, e o desemprego ainda está em um nível muito alto. Os keynesianos não explicam como isso ocorreu. Eles esperavam que a austeridade gerasse um forte efeito recessivo. Mas isso não foi observado.

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Gráfico 4: taxa de desemprego na França (linha azul) e no Reino Unido (linha vermelha)

Para aqueles que são imunes ao charme do keynesianismo, o gráfico acima é fácil de ser compreendido, bem como os níveis de crescimento superiores do Reino Unido. Uma redução no número de funcionários públicos é boa, pois isso significa que há mais força de trabalho disponível para empresas privadas.  Consequentemente, os salários caem. Essa queda torna viáveis novos projetos de investimento. Quando o setor público encolhe, torna-se comparativamente mais atraente trabalhar no setor privado. Só então as energias empreendedoras podem ser direcionadas para mais bem servir os consumidores no mercado, em vez de buscarem privilégios no setor público.

Por outro lado, se um governo aumenta seus gastos, os incentivos para o empreendimento privado são reduzidos.  Por que você vai abrir uma padaria, um restaurante, um comércio ou uma atividade de serviços se você pode se tornar um burocrata bem pago trabalhando em uma repartição pública?  Por que uma pessoa qualificada vai querer fazer algum estágio em uma firma de engenharia se o governo abriu vários concursos públicos que prometem salários nababescos e estabilidade no emprego?  Enfim, por que se arriscar no setor privado, sofrendo cobranças e tendo de apresentar eficiência, se você pode simplesmente ganhar muito no setor público, tendo estabilidade no emprego e sem ter de apresentar resultados?

Conclusão

O futuro da França não é tão brilhante quanto Krugman diz, e as suas recomendações estão longe de serem validadas tanto pela teoria quanto pelos fatos.

Durante uma crise, a melhor regra que um governo pode seguir, como escreveu Rothbard, é não interferir com o processo de ajuste do mercado. Outra coisa que o governo pode fazer é cortar gastos e impostos. De forma limitada, foi isso que foi feito no Reino Unido, principalmente em comparação com a França.

Uma depressão é uma época de dificuldade econômica. Quaisquer reduções de impostos ou de regulações que interferem na liberdade de mercado irão estimular um crescimento saudável da atividade econômica; qualquer aumento de impostos vai deprimir ainda mais a economia.


Sobre o autor

Louis Rouanet

estuda economia e ciências políticas no Institut d'Études politiques de Paris.

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