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Filosofia

Individualismo e interesse próprio não são egoísmo

E são estas duas atitudes que trazem progresso

23/11/2021

Individualismo e interesse próprio não são egoísmo

E são estas duas atitudes que trazem progresso

As relações que ocorrem no mercado são constantemente criticadas como sendo a epítome do egoísmo ou da ganância, recompensando o interesse próprio acima da ética.

Como Friedrich Hayek expôs, "a crença de que o individualismo aprova e estimula o egoísmo humano é uma das razões principais pelas quais tantas pessoas o desaprovam."

Entretanto, essa crença está errada.

Mercados realmente são formados por pessoas com interesses próprios atuando conjuntamente para alcançar seus objetivos, e quase sempre sem conhecer umas as outras.  Porém, buscar o interesse próprio não é o mesmo que ser egoísta.

As pessoas têm interesses diversos

Economistas pressupõem que indivíduos possuem interesses próprios.  Isso significa simplesmente que cada indivíduo se importa com um determinado objetivo; e alguns fins importam mais do que outros. A consequência disso é que cada pessoa prefere ter o controle (o poder para decidir o uso) de mais recursos do que de menos, pois isso a permite alcançar aqueles objetivos que ela mais valora de uma maneira mais eficaz do que se ela possuísse menos recursos à sua disposição. 

Só que desejar o controle sobre mais recursos para alcançar nossos objetivos não é um pensamento monomaníaco.

Hayek entendeu essa confusão e escreveu que:

Se dissermos que as pessoas devem ter suas ações guiadas por seus próprios interesses e desejos, esta sentença será rapidamente mal-entendida ou distorcida pela crença de que as pessoas devem ser exclusivamente guiadas por suas próprias necessidades ou interesses egoístas, sendo que, na verdade, significa somente que elas devem ser permitidas a se esforçar para alcançar qualquer objetivo que julguem desejável.

Se tudo com que um indivíduos se importasse fossem com ele próprio, então aí sim o interesse dessa pessoa poderia ser igualado ao egoísmo. Mas se alguém se importa com qualquer coisa ou com qualquer outra pessoa além de si própria, então há várias diferenças fundamentais entre isso e o egoísmo

Quando Madre Teresa, por exemplo, utilizou seu Prêmio Nobel para construir um hospital para leprosos, ela estava agindo de acordo com seu interesse próprio, pois tais recursos foram utilizados para efetuar algo com o qual ela se importava. Mas ela não agiu de maneira egoísta.

O livre-mercado força os egoístas a trabalharem pelos outros

Outra maneira de caracterizar essa distinção entre interesse próprio e egoísmo é que, ao passo que pessoas egoístas têm um interesse próprio (elas só se importam consigo próprias), ter um interesse próprio não implica ser egoísta.  E o interesse próprio, seja ele egoísta ou não, é o que faz com que a cooperação social seja estimulada e, por conseguinte, terceiros sejam beneficiados pelas interações voluntárias no mercado.

É por isso que mesmo que uma pessoa que esteja no mercado seja egoísta, isso não significa que o mercado a tornou mais egoísta, e nem que o mercado expandiu o âmbito do egoísmo nas relações humanas.

Para ilustrar isso, suponha que João seja um indivíduo completamente egoísta. Ele só pensa em si próprio e quer enriquecer rapidamente.  Considerando-se que os direitos de propriedade de terceiros são respeitados, João só pode alcançar esse objetivo se ele induzir todos os outros indivíduos a voluntariamente cooperarem com ele.  Ou seja, João terá de oferecer algo que seja do interesse desses outros indivíduos. 

Mais ainda: João só conseguirá isso se o que ele oferecer for melhor do que todas as alternativas existentes. João não pode coagir ninguém a consumir seus bens e serviços.

Sendo assim, embora seja egoísta e não se importe em nada com os outros, João tem de agir de maneira a atender os interesses daqueles que estão ao seu redor.  Só assim João poderá alcançar seus próprios interesses.

Esse é o milagre descrito na metáfora da mão invisível de Adam Smith. Mesmo que alguém seja egoísta, essa pessoa -- para alcançar seus objetivos -- terá inevitavelmente de beneficiar terceiros no mercado, fornecendo-lhes bens e serviços de qualidade, e esperando que elas, voluntariamente, consumam estes bens e serviços.  E para que elas consumam estes bens e serviços fornecidos pelo egoísta João, estes têm de ser de qualidade.

Desta forma, o egoísmo de João é domado e direcionado para a cooperação com terceiros, fornecendo-lhes mais opções de consumo e beneficiando-lhes como resultado desta interação.   

Em termos práticos, a maioria dos empreendedores no mercado é motivada pelo desejo de auferir lucros monetários. No entanto, em uma economia de mercado, a única maneira de um empreendedor auferir lucros é servindo bem seus clientes (e mantendo seus custos baixos). 

Se um empreendedor colocar seus interesses próprios acima de tudo, e deixar os interesses de seus consumidores em segundo lugar, seu empreendimento irá fracassar. E, com o tempo, um empreendedor mais altruísta, mais preocupado em agradar terceiros fornecendo-lhes bens e serviços de qualidade, irá tomar o seu lugar.

Como explicado pelo dr. Robert Murphy:

Um dos mais belos aspectos de uma economia de mercado é que ela é capaz de domar as pessoas mais egoístas, ambiciosas e talentosas da sociedade, fazendo com que seja do interesse financeiro delas se preocuparem dia e noite com novas maneiras de agradar terceiros. Empreendedores conduzem a economia de mercado, mas a concorrência entre empreendedores é o que os mantém honestos.

Conclusão

Em A Teoria dos Sentimentos Morais, Adam Smith argumentou que:

Por mais que um indivíduo seja tido como egoísta, há evidentemente alguns princípios em sua natureza que o tornam interessado no bem-estar de terceiros, e que fazem com que a felicidade deles sejam necessárias a ele -- embora ele nada ganhe com isso além do prazer de ver a felicidade deles.

E longe de apoiar o simples egoísmo, ele conclui que "restringir nossas emoções egoístas e satisfazer as emoções benevolentes é o que constitui a perfeição da natureza humana." Em outras palavras, nosso interesse individual inclui o aprofundamento da nossa natureza benevolente.  

Está claro que os participantes do mercado não podem ser caracterizados como motivados pela ganância. Sendo assim, o que explica esses falsos ataques?

Os ataques vêm de pessoas que pensam que suas preferências subjetivas deveriam se sobrepor às preferências dos proprietários e da maneira como estes controlam suas propriedades.  Para essas pessoas, os proprietários e suas respectivas propriedades devem ser, por meio da coerção do estado, domados, subjugados e forçados a se adaptar a essa visão redistributivista do mundo.  A intenção desses pretensos reformadores é simplesmente impor, à força, suas preferências sobre terceiros. 

Ao agirem assim, eles paradoxalmente não parecem perceber que tal comportamento é a exata definição da ganância que eles tanto criticam.


Sobre o autor

Gary Galles

É professor de economia na Universidade de Pepperdine, na Califórnia.

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