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Economia

Por que estímulos fiscais não acabam com recessões

24/02/2009

Por que estímulos fiscais não acabam com recessões

Com o agravamento da recessão mundial, os governos falam com ainda mais insistência - e com um entusiasmado apoio da mídia - sobre a necessidade de se aprofundar o estímulo fiscal para socorrer as economias.  "Apenas o estado pode salvar a economia mundial!", conclamam os líderes.  Se nada for feito, dizem eles, a recessão poderá durar anos.

A maioria dos economistas reforça o coro.  Independente do país, eles argumentam que o governo deve aumentar sensivelmente seus gastos a fim de evitar que a crise econômica se transforme em um declínio prolongado.  (Aparentemente, apenas o Primeiro Ministro da Polônia parece ter alguma noção das coisas.)

Todo governo tem seu departamento de estatística para assegurar ao respectivo público de que, na ausência de qualquer gastança, o desemprego dispararia para níveis dantescos.  Ademais, dizem os especialistas, por causa do atual declínio econômico e da consequente subutilização de recursos, a produção durante os próximos dois anos será sensivelmente menor que o produto potencial.  Só para os EUA, por exemplo, estima-se que as perdas de produção (a diferença entre o PIB potencial e PIB real) excederão $2 trilhões de dólares.  No Reino Unido, a expectativa é que o PIB encolha 3,3% e na zona do euro, 0,6%.  Para o Brasil, a hipótese mais otimista é que haja crescimento de 2%, não obstante um PIB negativo não esteja descartado.

Sendo assim, eles acreditam que a maneira mais efetiva de se diminuir a diferença entre o produto potencial e produto real é através de pacotes de estímulo fiscal - um grande aumento nos gastos do governo.

Essa maneira de pensar segue as idéias de John Maynard Keynes.  Em poucas palavras, Keynes afirmava que não se pode confiar completamente na economia de mercado, pois essa é inerentemente instável.  A economia seria como um ônibus descendo um despenhadeiro: ele precisa de um condutor.  Se deixada livre, a economia de mercado inevitavelmente se levaria à autodestruição.  Daí a necessidade de os governos e seus bancos centrais gerenciarem a economia.

Gerenciamento de sucesso, na análise keynesiana, é feito influenciando-se o nível de gasto geral em uma economia.  É o gasto que gera a renda.  O gasto de um indivíduo se torna renda para outro indivíduo.

O que dirige a economia, portanto, é o gasto.  Se, durante uma recessão, os consumidores gastarem insuficientemente, será então função do governo intervir e estimular o gasto agregado a fim de fazer a economia crescer.

Na estrutura keynesiana, rotula-se de produto potencial o produto que uma economia poderia gerar sem causar inflação de preços, considerando-se a existência de um dado conjunto de recursos - isto é, mão-de-obra, ferramentas, maquinaria e uma dada tecnologia.  Assim, quanto maior o conjunto de recursos - tudo o mais constante - maior o produto que pode ser gerado.

Se, por quaisquer razões, a demanda pelos bens de consumo não for grande o suficiente, isso levará a um declínio econômico.  (Uma demanda inadequada por bens leva a um uso apenas parcial da mão-de-obra e dos bens de capital existentes).

Sob essa abordagem, portanto, faz muito sentido aumentar os gastos do governo para fazer com que a demanda seja fortificada e, consequentemente, acabe com o declínio econômico.

Mas há um pequeno problema em todo esse raciocínio, e esse problema chama-se financiamento (ou poupança).  Por exemplo, se um padeiro produzir dez pães e trocá-los por um par de sapatos, ele estará financiando a compra de seu par de sapatos através de produção de dez pães.

Observe que os pães irão sustentar o sapateiro, bem como prover-lhe bem-estar.  Da mesma forma, o sapateiro financiou a compra dos pães através de sua produção de sapatos, os quais irão ser utilizados pelo padeiro, melhorando seu bem-estar.

Agora suponha que o padeiro tenha decidido construir outro forno a fim de aumentar sua produção de pães.  Para poder implantar seu plano, o padeiro contrata os serviços de um construtor de fornos.

O padeiro irá utilizar alguns dos seus pães para pagar o construtor de fornos.  Novamente, o que temos aqui é um arranjo em que a construção do forno é financiada pela produção de um bem de consumo final - pão.  Se, por quaisquer razões, o fluxo da produção de pães for interrompido, o padeiro não irá conseguir pagar o construtor de fornos.  Como resultado, a construção do forno teria de ser abortada.

Desse simples exemplo podemos perceber que o que importa para o crescimento econômico não é apenas o estoque existente de ferramentas e maquinários, ou o conjunto da mão-de-obra.  O que importa principalmente é que haja um fluxo adequado de bens e serviços finais que irão manter as vidas e o bem-estar dos indivíduos.

Agora, mesmo se aceitássemos a abordagem keynesiana de que o produto potencial está acima do produto real, disso não poderíamos deduzir que gastos governamentais iriam levar a um aumento do produto real de uma economia.

Não é possível aumentar a produção geral sem que haja uma necessária alteração nos bens e serviços finais produzidos ou no fluxo de poupança real ou financiamento real. (Por exemplo, quando o padeiro produz dez pães, se ele consumir dois, sua poupança real ou financiamento real será de oito pães).

Vimos que através de um bem de consumo final - o pão - o padeiro foi capaz de financiar a expansão de sua estrutura de produção.

Similarmente, outros produtores também terão de poupar bens reais de consumo final - poupança real - caso queiram financiar a compra de bens e serviços de que precisam.  Observe que a introdução do dinheiro não altera a essência do que seja um financiamento. (O dinheiro é apenas um meio de troca.  Ele é utilizado apenas para facilitar o fluxo de bens; ele não pode substituir os bens de consumo final).

O governo como o conhecemos não cria qualquer riqueza real.  Portanto, como pode um aumento nos gastos governamentais reativar uma economia?

Vários indivíduos que serão empregados nos setores governamentais irão obviamente querer uma recompensa pelo seu trabalho.  A única maneira de o governo pagar esses indivíduos é tributando outros indivíduos que ainda estão gerando riqueza real.  Ao fazer isso, o governo enfraquece todo o processo gerador de riqueza e solapa as perspectivas de uma recuperação econômica. (Vamos aqui ignorar empréstimos junto a estrangeiros).

O estímulo fiscal só poderia "funcionar" se o fluxo da poupança real (ou seja, financiamento real) for grande o suficiente para dar suporte (ou seja, financiar) às atividades do governo e, ao mesmo tempo, permitir uma taxa de crescimento positiva nas atividades do setor privado. (Observe que, nesse caso, o aumento geral na atividade econômica real será erroneamente atribuído à frouxa política fiscal do governo).

Entretanto, se o fluxo de poupança real não for grande o suficiente, então independentemente de quão grande sejam os gastos governamentais, a atividade econômica real não poderá ser revivida.

Nesse caso, quanto mais o governo gastar (ou seja, quanto mais ele tomar dos geradores de riqueza), mais ele enfraquecerá as perspectivas de uma recuperação genuína.

Assim, quando o governo - via impostos - começar a desviar pão para suas próprias atividades, o padeiro terá menos pão à sua disposição.  Por causa da maior tributação, o conjunto da poupança real da economia foi afetado.  Menos pessoas financiarão seu empreendimento.  Consequentemente, o padeiro não poderá obter os serviços do construtor de fornos.  Como resultado, não será possível aumentar a produção de pão, tudo o mais constante.

À medida que os gastos do governo forem aumentando, chegar-se-á a uma situação em que o padeiro não terá pão suficiente sequer para manter seu atual forno. (O padeiro não terá pão suficiente para pagar pelos serviços de um técnico que faça a manutenção do forno).  Consequentemente, sua produção de pão irá de fato declinar.

Similarmente, outros geradores de riqueza, como resultado desse aumento nos gastos do governo, terão menos financiamento real à sua disposição.  E isso, por sua vez, irá afetar a produção de seus bens e serviços, retardando - ao invés de promover - o crescimento econômico real geral.

Como pode-se ver, não apenas o aumento nos gastos do governo não leva a um aumento do produto, como, ao contrário, o aumento nos gastos leva ao enfraquecimento do processo geral de criação de riqueza.  De acordo com Ludwig von Mises,

É preciso enfatizar o fato óbvio de que o governo somente pode gastar ou investir aquilo que ele tomou dos cidadãos; e que seus gastos e investimentos adicionais restringem os gastos e investimentos dos cidadãos exatamente na mesma quantia. (Ação Humana, capítulo 29, seção 1)

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Veja também:

Será que durante uma depressão as regras econômicas se alteram?

O problema do crédito: o que fazer para recuperar os mercados?

Será que precisamos de mais Keynes agora?


Sobre o autor

Frank Shostak

É um scholar adjunto do Mises Institute e um colaborador frequente do Mises.org. Sua empresa de consultoria, a Applied Austrian School Economics, fornece análises e relatórios detalhados sobre mercados fina...

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