O que nos aguarda e o que deve ser feito
Joaquim Levy: ele sabe cortar gastos, mas também sabe elevar impostos |
Inicialmente, o alvo favorito de Dilma foi Marina Silva, cuja coordenadora da campanha, Maria Alice Setubal -- mais conhecida como Neca Setubal --, era herdeira do Itaú.
Depois, já no segundo turno, o alvo passou a ser Aécio Neves e seu eventual Ministro da Fazenda, Armínio Fraga, que foi tratado como um moleque de recados do mercado financeiro e acusado de gostar juros altos com o único objetivo de fazer a alegria dos banqueiros.
Porém, tão logo as urnas sacramentaram sua vitória apertada, Dilma deixou a retórica de lado e foi se ajoelhar perante o todo-poderoso presidente do conselho de administração do Bradesco, Lázaro Brandão -- a quem carinhosamente chama de "Seu Brandão" --, pedindo que ele liberasse um de seus melhores funcionários, ninguém menos que o atual presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, para ser seu futuro Ministro da Fazenda.
Após a recusa de Trabuco, Dilma seguiu ajoelhada e implorou por outro manda-chuva do Bradesco: Joaquim Levy, diretor superintendente do Bradesco Asset Management, braço dos fundos de investimento do banco. Levy aceitou.
O curioso é que Neca Setúbal nem sequer é banqueira; é apenas uma herdeira. Ela não trabalha com bancos; é educadora. Já Lázaro Brandão, Trabuco e Joaquim Levy são banqueiros no sentido mais clássico do termo.
Uma conclusão: para Dilma, banqueiros maus só os do Itaú. Os do Bradesco aparentemente são dotados de alguma sensibilidade social.
Uma ironia: economista com doutorado pela Universidade de Chicago e detentor de inquestionáveis credenciais ortodoxas -- é conhecido como Joaquim Mãos de Tesoura, pois por onde passou cortou gastos e trancou os cofres --, Joaquim Levy não apenas é um grande amigo de Armínio Fraga, como também foi seu aluno e deu conselhos econômicos para a campanha de Aécio.
Ou seja, após dizer que se Marina Silva ganhasse as eleições os banqueiros do Itaú comandariam a economia, e que se Aécio ganhasse as eleições Armínio Fraga comandaria a economia ajoelhado perante o mercado financeiro, Dilma ganhou as eleições e quem vai comandar a economia é um Chicago boy do Bradesco, que foi aluno de Armínio e que deu conselhos para a equipe econômica de Aécio.
Quem é Joaquim Levy
Ainda no final de 2002, quando Antonio Palocci estava à procura de quadros qualificados -- leia-se: não ligados ao PT -- para compor sua futura equipe econômica, Joaquim Levy foi recomendado a Palocci por Armínio Fraga. Além de Levy, Armínio também indicou Marcos Lisboa e Murilo Portugal, os quais também foram prontamente efetivados.
Levy tornou-se Secretário do Tesouro no primeiro mandato de Lula, função essa que hoje é exercida pelo pavoroso Arno Augustin.
Nessa função, Levy foi odiado pelos radicais do PT, que viam nele um tecnocrata imune às demandas por mais gastança. Se, de um lado, ele se mostrou inflexível a todas as propostas de aumentar os gastos, de outro, ele não teve nenhum problema em aumentar impostos. A alíquota da COFINS subiu de 3% para 7,6% ao passo que a base de cálculo da CSLL foi alargada, o que aumentou a arrecadação.
Vista por esse prisma, a indicação de Levy por Dilma realmente não é de todo incoerente.
Mas há pontos positivos. No início de sua gestão no Tesouro, a TJLP, que é a taxa de juros dos empréstimos do BNDES, foi elevada para 12%. Atualmente está em 5%. Ironicamente, também durante sua gestão, houve uma proposta de capitalização do BNDES, que receberia uma injeção de dinheiro público. Tal medida sofreu resistência implacável de Levy, e não foi efetivada enquanto ele ocupou a função. Já o atual Secretário do Tesouro, Arno Augustin, não apenas abriu completamente os cofres e liberou verbas bilionárias, como também utilizou o BNDES em operações "contabilmente criativas" para maquiar as contas públicas.
Com mestrado em economia pela FGV e com doutorado pela Universidade de Chicago, Levy já trabalhou no FMI e no Banco Central Europeu. Quando foi o secretário do Tesouro de Lula, de 2003 a março de 2006, teve conflitos duros com a própria Dilma Roussef, que era ministra de Minas e Energia. Quando a então equipe econômica quis implantar um programa que limitaria o crescimento dos gastos com custeio, pessoal e até mesmo com políticas sociais, Dilma veio a público irritada e classificou o programa como "rudimentar".
Disse ela: "despesa corrente é vida".
A mandatária, pelo visto, não pode ser acusada de incoerente. Seu primeiro mandato presidencial foi pautado exatamente por essa visão de mundo.
Levy saiu do Tesouro em março de 2006 após a demissão de Palocci e foi para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Mas voltou ao Brasil já em janeiro de 2007 para ser o Secretário da Fazenda do estado do Rio de Janeiro no primeiro mandato de Sérgio Cabral. Após dois governos desastrosos do casal Garotinho, as finanças do estado estavam em frangalhos. Levy conseguiu fazer um ajuste fiscal e, ao equilibrar as finanças, fez com que o estado do Rio fosse o primeiro estado brasileiro a receber o "grau de investimento" da Standard & Poor's.
Saiu do cargo em março de 2010 e foi para o Bradesco, onde atua na direção de gestão de fundos de investimentos e ganha algo em torno de R$250 mil por mês. Como ministro, ganhará R$26 mil. Não há motivos para crer que ele aceitaria trocar esse belo emprego no Bradesco para virar um mero capacho de Dilma e ganhar bem menos.
O lado positivo é que Levy já mostrou que sabe equilibrar orçamentos e não tem muito problema em segurar gastos. O lado negativo é que ele costuma equilibrar orçamentos aumentando impostos.
E já circulam pelos bastidores promessas de retorno da CIDE, elevação da alíquota do PIS e da COFINS sobre produtos importados, e aumento da tributação sobre cosméticos.
Já se fala também na volta da CPMF (que está sendo articulada por governadores do PT), na tributação de dividendos e na extinção dos juros sobre capital próprio (também projetos de deputados do PT).
Ou seja, se o governo realmente decidir fazer um "ajuste fiscal", pode preparar seu bolso.
O resumo da encrenca
Aparentemente, o ano de 2015 já está perdido. O estrago feito nos últimos anos foi enorme e o conserto não será nem rápido e nem indolor.
O trio Guido Mantega (Fazenda), Arno Augustin (Tesouro) e Márcio Holland (Secretária de Política Econômica) deixou um legado desastroso, de modo que o simples anúncio da saída destes senhores já é motivo de comemoração.
As últimas notícias econômicas são desalentadoras.
Em primeiro lugar, a economia está, na melhor das hipóteses, estagnada há 15 meses. Dos últimos 5 trimestres, a economia encolheu em três deles e ficou parada em um.
Mesmo esse crescimento de 0,1% divulgado para o terceiro trimestre deste ano não é nada alentador, uma vez que, em relação ao terceiro trimestre de 2013, o PIB do terceiro trimestre de 2014 encolheu 0,2%.
O endividamento das famílias (que segue em níveis recordes) em conjunto com a carestia (que não dá sinais de arrefecimento) derrubou o consumo das famílias.
Os investimentos, que vinham encolhendo há 4 trimestres seguidos, apresentaram uma ligeira retomada. Mas crescer 1,3% após terem encolhido 12% em quatro trimestres seguidos não é nada alvissareiro.
O problema é que os números são piores do que parecem: na comparação com o terceiro trimestre de 2013, houve uma queda de 8,5% nos investimentos do terceiro trimestre de 2014, o que indica que a confiança dos empresários segue definhando.
E, de fato, a confiança do empresariado atingiu o menor valor da série histórica.
Isso se reflete na indústria, onde a carnificina se intensificou. Nos últimos 10 trimestres, a produção industrial encolheu em 9 deles (em relação ao mesmo mês do ano anterior).
Já a confiança do consumidor despencou para o menor nível desde 2008.
A taxa de câmbio se desvalorizou continuamente desde meados de 2011, com o real se enfraquecendo quase 40% em relação ao dólar.
A inflação de preços acumulada em 12 meses passa longe da meta, de 4,5%, desde 2011, e se mantém teimosamente acima do teto da meta, de 6,5%:
E quando analisada mais pontualmente, a carestia se revela ainda mais descontrolada. A inflação de preços acumulada em 12 meses no setor de serviços está em 8,50%, e a de bens não-duráveis, como alimentação e bebidas, está em 6,74%.
Já a situação real das contas públicas do Brasil está entre as piores do mundo. Para começar, o superávit primário (receitas menos despesas, sem incluir o pagamento de juros da dívida) deixou de existir, e agora os déficits primários, que não ocorriam desde 1997, passaram a ser a norma.
E, no acumulado no ano, o déficit nominal (receitas totais menos despesas totais, incluindo o pagamento de juros da dívida) já alcançou R$224,4 bilhões, sendo que no ano passado, nesse mesmo período, ele havia sido de R$132,2 bilhões.
Nos últimos doze meses, o déficit nominal foi de R$249,7 bilhões, o que equivale a 4,92% do PIB, a maior taxa em 11 anos.
Este patamar só é igualado ou superado por EUA, Reino Unido, Japão, Índia e África do Sul.
O gráfico abaixo mostra uma projeção, otimista, do FMI para todo o ano de 2014.
Este artigo explica em mais detalhes as atuais manobras do governo para, na prática, acabar com o superávit primário. O que importa, no entanto, é que déficits no orçamento do governo (sejam eles primário ou nominal) são financiados pela emissão de títulos do Tesouro. E esses títulos do Tesouro são majoritariamente comprados pelos bancos por meio da criação de dinheiro.
Portanto, os déficits do governo são uma medida inerentemente inflacionária. Será difícil reduzir a atual inflação de preços se o governo não equilibrar seu orçamento.
Como consequência desses crescentes déficits nominais, a dívida bruta do governo já alcançou R$3,05 trilhões em outubro, equivalente a 61,7% do PIB. Para que se tenha uma ideia, no final de 2013, a dívida bruta do Brasil estava em 56,7% do PIB.
Caso essa rota não seja alterada, o Brasil pode perder o grau de investimento (investment grade) da Standard & Poor's. Como consequência, fundos estrangeiros que investem no Brasil terão, por questões legais, de retirar seus dólares daqui. Isso geraria uma saída maciça de capitais do Brasil, com consequências desastrosas para a taxa de câmbio e, consequentemente, para a inflação de preços.
E o que tudo isso gerou? Essa série de notícias fala por si:
Emprego tem o pior abril em 15 anos, mostra Caged
Brasil tem menor abertura de vagas formais para julho em 15 anos, mostra Caged
Criação de vagas até agosto é a pior da série histórica
Criação de empregos formais tem pior mês de setembro em 13 anos
País fechou 30 mil vagas formais em outubro, informa governo
A taxa de desemprego só não sobe porque, como explicado em detalhes neste artigo, o número de pessoas economicamente ativa e à procura de emprego está caindo. Se as pessoas param de procurar emprego, elas não entram na estatística de desemprego.
Só que a riqueza de um país não é determinada pela taxa de desemprego, mas sim pela quantidade de pessoas que trabalham. E, como mostra a linha vermelha abaixo, o número de pessoas empregadas não avançou nada desde meados de 2012.
Com todos esses feitos, o resultado não poderia ser outro: pesquisa recentemente divulgada pelo IPEA -- a qual foi convenientemente deixada para ser publicada somente após as eleições -- mostra que, após 10 anos, o número de miseráveis voltou a subir no Brasil. O aumento foi de 3,7%.
O que terá de ser feito
Os resultados acima mostram o fracasso de mais um experimento heterodoxo no Brasil.
Após 4 anos de intensa aplicação, a Nova Matriz Econômica -- que se baseia em política fiscal expansionista, juros baixos, crédito subsidiado, câmbio desvalorizado e aumento das tarifas de importação para "estimular" a indústria nacional -- logrou apenas recessão, queda nos investimentos, queda na produção industrial, aumento nas falências, aumento na inadimplência, desânimo no setor de serviços e, como mostra o gráfico acima, estagnação na criação de empregos.
A troca da equipe econômica, com a demissão de Guido Mantega, Arno Augustin e Márcio Holland, e a nomeação de Joaquim Levy, representa um reconhecimento tácito desse fracasso por parte de Dilma.
Já é um bom começo.
Mas e aí? O que deve ser feito?
Atacar a carestia
A primeira e mais crucial medida a ser tomada é atacar a carestia. Além de estrangular o orçamento das famílias e de gerar incertezas no empresariado (estudantes de contabilidade sabem como isso funciona), a inflação de preços é uma das responsáveis diretas pelo definhamento do setor industrial, como foi explicado em detalhes neste artigo.
E para atacar a carestia, duas medidas terão de ser tomadas simultaneamente: controlar o orçamento do governo -- ou seja, reduzir os déficits nominais -- e controlar a voracidade dos bancos estatais.
Ao contrário dos países desenvolvidos -- nos quais o Ministro da Fazenda é uma figura quase que meramente decorativa, de modo que quem tem o real poder é o presidente do Banco Central (você sabe quem é a presidente do Fed, mas não sabe quem é o ministro das finanças dos EUA) --, no Brasil, o Ministro da Fazenda tem uma importância quase tão grande quanto a do presidente do BACEN.
E o motivo é simples: é ele quem comanda a política de crédito dos bancos estatais. E é exatamente aí que Joaquim Levy terá de agir com mais determinação.
Portanto, a tarefa imediata de Levy, sem a qual qualquer outra será ineficaz, é controlar os bancos estatais. Na condição de Ministro da Fazenda, ele tem totais poderes sobre o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o BNDES.
No gráfico abaixo, a linha azul mostra o total de crédito concedido pelos bancos privados (Itaú, Bradesco, Santander, HSBC, Citibank e outros pequenos). A linha vermelha mostra o total de crédito concedido pelos bancos estatais (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES, Banco do Nordeste, Banco da Amazônia e demais bancos públicos estaduais, como Banrisul, BRB, Banestes etc.)
Vale repetir: no nosso atual sistema monetário e bancário, quando uma pessoa ou empresa pega empréstimo, os bancos criam dinheiro do nada -- na verdade, meros dígitos eletrônicos -- e simplesmente acrescentam esses dígitos na conta do tomador do empréstimo. Ou seja, todo esse processo de expansão de crédito nada mais é do que um mecanismo que aumenta a quantidade de dinheiro na economia.
(Mesmo o BNDES, que antigamente utilizava apenas recursos do FAT, teve sua operação alterada, e agora também se tornou uma máquina de criar dinheiro, ainda que de maneira indireta. Funciona assim: como o BNDES não tem todo o dinheiro que o governo quer destinar a seus empresários favoritos, o Tesouro emite títulos da dívida com o intuito de arrecadar esse dinheiro para repassar a esses empresários. Trata-se de uma operação que, além de inflacionária, aumenta a dívida bruta do governo. Sobre os títulos emitidos, o Tesouro paga juros de 11,25% (SELIC atual). Já o BNDES cobra apenas 5% nesses empréstimos que repassa a empresários.)
O gráfico acima, portanto, mostra quanto dinheiro foi criado pelos bancos privados (linha azul) e pelos bancos estatais (linha vermelha) em operações de concessão de empréstimo.
Olhando o gráfico, algumas coisas se tornam imediatamente evidentes: 1) o crédito no Brasil já se encontra efetivamente estatizado; 2) o crédito dos bancos estatais, majoritariamente do tipo 'crédito direcionado', é indiferente a alterações na SELIC; 3) os bancos estatais estão completamente fora de controle, criando dinheiro e jogando esse dinheiro na economia de forma exponencial; 4) são os bancos estatais os principais causadores da carestia que estamos vivenciando no Brasil. Quanto mais dinheiro eles jogam na economia, maior é a pressão sobre os preços.
Joaquim Levy, portanto, terá duas opções: ou ele faz com que os bancos públicos reduzam suas concessões de empréstimos, ou ele faz com que os bancos públicos elevem os juros desses empréstimos (muito abaixo da SELIC e apenas pouco acima da inflação de preços).
Caso nenhuma dessas duas alternativas seja implantada, não restará outra opção senão o Banco Central intensificar a alta da SELIC, a qual afeta apenas os bancos privados. Dado que os bancos estatais são imunes à SELIC e dado que eles são responsáveis por metade dos empréstimos feitos no Brasil, a conclusão óbvia é que a SELIC terá de ser elevada de maneira ainda mais intensa apenas para encarecer os empréstimos feitos pelos bancos privados e, com isso, reduzir um pouco o processo de criação de dinheiro.
Caso o BC faça isso, o crédito dos bancos privados ficará ainda mais restrito, e a economia ficará ainda mais dependente do crédito estatal. É praticamente uma "sovietização" da economia brasileira.
Além de atacar os bancos estatais, o orçamento do governo também terá de ser equilibrado. Os déficits nominais (esqueça o superávit primário, um mero truque ilusório que não é utilizado por nenhum país desenvolvido) terão de ser reduzidos. Melhor ainda se forem zerados. Quanto mais Joaquim Levy utilizar suas "mãos de tesoura", mais efetivo será o ataque à carestia.
E Levy já deu mostras de que sabe fazer cortes; mas também já deu mostras de que sabe elevar impostos. Oremos.
Caso
o governo não faça o ajuste fiscal e opte pelos juros, o setor produtivo -- que
já está definhando -- irá sofrer ainda mais.
Com o crédito mais caro, os investimentos produtivos não ocorrerão. Consequentemente, as exportações serão
afetadas. O rombo nas contas externas
(em níveis recordes) terá de ser coberto pelo aumento do influxo de
investimento estrangeiro direto e de capital especulativo. Por enquanto, esse influxo vem ocorrendo.
No entanto, caso haja um revertério no cenário internacional e o influxo diminua, o ajuste será feito "pelo mercado", isto é, pela desvalorização da taxa de câmbio, o que irá intensificar ainda mais a inflação de preços.
Portanto, é recomendável que o senhor Levy ajuste as contas do governo imediatamente. E que faça isso apenas cortando gastos, sem elevar impostos.
Por fim, vale enfatizar algo que este instituto sempre pregou: o gradualismo não funciona. Seja no corte de gastos, seja na elevação de juros. No período 2002-2003, a SELIC foi elevada de 18% para 26,50% em um período de apenas 5 meses. Esse ajuste súbito ajudou a derrubar a inflação de preços de 17% para 5%, pois deu um choque de confiança e alterou de maneira efetiva as expectativas de empresários e consumidores. Atualmente, o Banco Central elevou a SELIC de 7,25% para 11,25% em um período de longos 19 meses. Isso não afetou expectativas e nem gerou confiança. Serviu apenas para encarecer o crédito dos bancos privados e aumentar o espaço dos bancos públicos. Não fez nem cócegas na inflação de preços.
Reduzir o endividamento
Outra prioridade é reduzir a dívida bruta, que alcançou R$3,13 trilhões em setembro, equivalente a 61,7% do PIB. Dado que, no final de 2013, a dívida bruta do Brasil estava em 56,7% do PIB, houve um aumento de 5 pontos percentuais em apenas 9 meses. E o que é pior: esse aumento nem sequer gerou algum crescimento econômico.
Os investidores estrangeiros já estão totalmente a par das mágicas contábeis feitas pelo senhor Arno Augustin -- demorou bastante, mas a ficha deles caiu --, de modo que ninguém mais presta atenção na dívida líquida.
Caso a dívida bruta do Brasil (que, entre os países em desenvolvimento, é menor apenas que a da Hungria) não seja reduzida, as agências de classificação de risco poderão reduzir a nota dos títulos da dívida brasileira. Se a Standard & Poor's retirar o "grau de investimento" do Brasil, fundos estrangeiros serão proibidos, por questões legais, de investir aqui. Consequentemente, terão de retirar seus dólares do Brasil. Essa fuga de capitais derrubaria ainda mais a taxa de câmbio, afetando a carestia.
Portanto, e de novo, é recomendável que o senhor Levy ajuste as contas do governo imediatamente. E que faça isso apenas cortando gastos, sem elevar impostos.
Corrigir o setor elétrico
Outro pavor é a questão elétrica. O baixo nível dos reservatórios e a crescente dependência das termelétricas indicam que o sistema elétrico terá custos crescentes e dependerá cada vez mais das chuvas.
Toda a bagunça atual começou em 2012, quando Dilma resolveu intervir e 'microgerenciar' o setor.
No início de 2012, a presidente cismou que a conta de luz no país tinha de ser reduzida em 20%. E, bem ao seu estilo, decidiu que faria isso com uma simples canetada.
Ela tinha duas opções: a mais inteligente e mais prática era reduzir as alíquotas do PIS e da COFINS que incidem no faturamento das empresas do setor elétrico, de modo que essas empresas pudessem repassar ao menos uma parte desse desconto tributário para as tarifas de energia. A menos inteligente e menos prática -- e, obviamente, a que foi escolhida -- era antecipar para 2012 o fim dos contratos de concessão das empresas de geração e transmissão (os quais terminariam entre 2014 e 2018) com o intuito de fazer novos contratos e impor tarifas menores.
Aí, deu no que deu. As ações das empresas, principalmente da Eletrobras, despencaram, o governo teve de indenizar (com o nosso dinheiro) as empresas cujos investimentos foram perdidos, a oferta de energia acabou encarecendo e o setor elétrico está à beira do colapso.
Com o ataque às geradoras e transmissoras, as distribuidoras ficaram sem alternativa e tiveram de recorrer ao mercado de energia de curto prazo, no qual os preços negociados são muito superiores em relação aos ofertados pelas geradoras que ficaram sob intervenção. Para piorar, o país vive uma de suas secas mais severas, o que afetou os reservatórios das hidrelétricas. Para aliviar, foram acionadas as usinas térmicas, que produzem uma energia muito mais cara.
As distribuidoras estão hoje desabastecidas e endividadas. Por isso, estão investindo o mínimo necessário. Para socorrê-las, o governo repassou bilhões de reais do nosso dinheiro. Essa conta, obviamente, terá que ser paga pelos consumidores. E isso muito provavelmente ocorrerá por meio da elevação das tarifas.
A sorte do governo é que, como o país está em recessão e a indústria está encolhendo, a demanda por energia não está crescendo, e o risco de apagão segue baixo. Porém, caso a demanda cresça, e caso a atual situação se mantenha no setor elétrico se mantenha, o preço das tarifas terá de subir.
Isso, inclusive, gera uma situação paradoxal: o governo não deve querer que a economia volte a crescer, pois isso poderia levar a um apagão.
Cesp (SP), Cemig (MG) e Copel (PR) não aceitaram a chantagem do governo e suas concessões começam a vencer em 2015. O governo terá de resolver como fará as próximas licitações.
O mau humor dos empresários e do mercado com Dilma efetivamente começou em 2012, com a Medida Provisória 579, a qual alterou totalmente o sistema elétrico brasileiro e deixou claro que o atual governo não tem nenhum respeito por contratos.
Conclusão
Dilma terá de limpar a bagunça que ela própria criou. E terá de fazer isso tomando medidas impopulares. Mais ainda: terá de tomar medidas impopulares ao mesmo tempo em que 1) passa por uma crescente insatisfação popular, 2) vê o acirramento de ânimos e a difusão de movimentos secessionistas, e 3) provavelmente vivenciará um processo de impeachment.
Caso ela seja bem sucedida em todos os desafios listados neste artigo, o máximo que ela irá conseguir é retornar o país ao ponto em que ele se encontrava no início de 2011.
Que avanço.
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