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Economia

A economia é a filosofia da tolerância

20/11/2014

A economia é a filosofia da tolerância

O mundo é repleto de esnobes.  Há o esnobe da música, que é aquela pessoa que reclama que a maioria das pessoas prefere Lady Gaga a Stravinsky.  Há o esnobe do cinema, que reclama que a maioria das pessoas prefere filmes de ação a filmes de arte.  Há o esnobe da literatura, que reclama que a maioria das pessoas prefere 50 Tons de Cinza a Schopenhauer.  E há o esnobe da culinária, que reclama que a maioria das pessoas prefere pizza a um fino sashimi. 

Ou seja, qualquer que seja o assunto debatido, é tentador fazer um julgamento crítico sobre a preferência dos outros.

O bom economista, ao aprender economia e ao absorver suas lições, aprende a ser menos esnobe.  Sua análise econômica sempre parte do princípio de que as preferências das pessoas já estão por elas determinadas, e que ele nada pode fazer quanto a isso.  O bom economista, ao testemunhar uma pessoa pedindo pizza em vez de sashimi, vê apenas uma pessoa agindo com o intuito de alcançar um objetivo que ela, subjetivamente, considera ser o melhor.  O bom economista é aquele que sabe deixar de lado suas preferências pessoais e suas eventuais propensões à soberba para fazer uma análise sem juízo de valor. 

Mesmo termos corriqueiros como "responsável" ou "irresponsável" estão carregados de juízo de valor.  Atividades que reconhecemos como responsáveis, tais como poupar para a aposentadoria, evitar riscos para a vida ou para os membros do corpo, e ter um estilo de vida saudável são comportamentos consistentes com um arranjo específico de preferências.  Uma pessoa que dê mais valor ao futuro do que ao presente (em termos mais economicistas, alguém que possui uma baixa preferência temporal) irá preferir todos esses comportamentos. 

Já atividades que reconhecemos como irresponsáveis, tais como gastar perdulária e depravadamente, correr risco de morte desnecessariamente, comer porcarias e utilizar drogas também são comportamentos consistentes com um arranjo específico de preferências.  Uma pessoa que pensa mais no presente e pouco se importa com o futuro (em termos mais economicistas, alguém que possui uma alta preferência temporal) será atraída por algumas dessas atividades.

A ciência econômica nos permite entender essas diferentes preferências e suas consequências; mas, por si só, ela não nos permite fazer juízo de valor; ela não nos permite determinar se um determinado arranjo de preferências é superior a outro.

A ciência econômica não faz juízo de valor.  Seu objetivo é explicar fenômenos, suas causas e consequências.  E só.  Juízo de valor é tarefa para a filosofia.

É bastante comum vermos um profissional bem-sucedido fazer um juízo crítico a respeito de familiares ou amigos que preferiram fazer farra em vez estudar e que por isso hoje ganham menos do que ele.  Porém, ao fazer tal juízo, esse profissional está cometendo o erro de interpretar as ações dessas pessoas tomando por base suas próprias preferências.  Fazer farra certamente seria um meio ruim para se alcançar o almejado objetivo do sucesso profissional, mas isso não significa que fazer farra foi a escolha errada para aqueles que optaram por isso. 

Com efeito, dado que cada indivíduo está mais bem informado sobre seus próprios gostos e interesses do que terceiros, é perfeitamente factível crer que alguém que escolha a farra está agindo com a intenção de satisfazer da melhor maneira possível seus fins.

O bom economista, ao estar treinado para observar as ações de terceiros sem fazer juízos de valor, acaba sendo mais tolerante em sua vida pessoas.  Recentemente, o economista Russ Roberts disse gostar de "dar dinheiro para os miseráveis principalmente quando sabe que eles irão gastar esse dinheiro com drogas e álcool.  Afinal, quando você está desesperadoramente miserável, drogas e álcool podem ser exatamente aquilo que você mais quer".  Creio ser seguro presumir que Roberts, um economista com Ph.D., jamais esteve em um situação tão desesperadora quanto essa.  E, ainda assim, ele demonstra seu respeito pela autonomia dessas pessoas e também pela capacidade delas de escolher por si próprias.  Ao agir assim, ele demonstra não se preocupar com o conteúdo das escolhas dessas pessoas.  O que ele realmente não está fazendo é projetar sobre elas suas próprias preferências.

Há uma corrente da economia moderna que quer reintroduzir o juízo de valor a respeito das preferências de terceiros.  Essa corrente é derivada da economia behaviorista, a qual tem o objetivo de mostrar que as pessoas não se comportam "racionalmente" (no sentido neoclássico) ao buscarem seus objetivos.  Segundo essa corrente, as pessoas são impulsionadas por vários erros, influências e propensões.

Armado com as ferramentas de economia behaviorista, aquele nosso profissional bem-sucedido poderia alegar que seus amigos e familiares menos responsáveis foram, na realidade, vítimas de influências.  Ou seja, quando eles optaram por farrear em vez de estudar, eles não estavam verdadeiramente agindo com o intuito de alcançar, da melhor maneira possível, seus objetivos.  Eles estavam agindo de uma maneira consistente com suas preferências daquele momento, mas não estavam atuando de maneira consistente com sua "verdadeira" preferência, que seria aquela que os intelectuais seguidores da economia behaviorista estipularam ser a melhor.

O erro fundamental desse raciocínio behaviorista é fácil de ser percebido, mas só é percebido pelo economista bem treinado: não há nenhuma base teórica para definir qual comportamento representa os 'verdadeiros' melhores interesses de cada indivíduo. 

Se um indivíduo possui vários arranjos de preferências inconsistentes, como seria possível afirmar que um arranjo específico é o "verdadeiro" e que todos os outros são "falsos"?   É fácil deixar que nossas preferências influenciem nosso julgamento.  O profissional bem-sucedido acredita que estudar em vez de farrear seria a preferência verdadeira simplesmente porque ele prefere estudar a farrear.  O intelectual que preza a saúde acredita que sua preferência por salada em vez de batatas chips é a preferência verdadeira, e por isso ele faz campanha para que as pessoas comam menos batata chips e mais saladas.

O bom economista deve saber resistir à tentação de inserir suas propensões e preferências em suas análises econômicas.  A tolerância criada por essa maneira de pensar é um valioso efeito colateral do estudo da ciência econômica.  Ela anda de mãos dadas com a noção de que o economista é um tanto um estudioso quanto um observador neutro da sociedade, e não um mecânico ou médico.  É agindo assim que os bons economistas poderão, um dia, neutralizar aqueles totalitários que querem dominar e impor sua visão de mundo sobre todas as outras pessoas.


Sobre o autor

Garrett Petersen

está concluindo seu Ph.D. na Simon Fraser University. Ele possui mestrado em economia pela Queen's University e é bacharel em matemática pela University of Victoria.

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