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Política

A economia do proibicionismo, as ciclofaixas e os kulaks de Higienópolis

31/10/2014

A economia do proibicionismo, as ciclofaixas e os kulaks de Higienópolis

A análise econômica do proibicionismo se concentra nas consequências não intencionais das proibições, contrárias à intenção de seus defensores. As causas do fenômeno, por sua vez, são atribuídas a fatores psicológicos, como os instintos que levam alguns a tentar impor valores aos outros, mesmo nos casos nos quais a ação proibida não gera danos a terceiros.

Mas será que existiriam causas econômicas?

Além de sua origem instintiva, existe um aspecto econômico que ajuda a explicar a expansão do proibicionismo.  Como será demonstrado a seguir, a ênfase dos governantes em projetos que proíbem ou restringem algum comportamento individual dos governados faz parte de uma estratégia racional de sobrevivência política de baixo custo em estados altamente endividados -- os quais sofrem resistência, por parte da sociedade, ao financiamento da expansão de seus gastos.

A exposição do argumento requer o exame dos incentivos e restrições enfrentadas pelos políticos. Estes últimos operam em um ambiente que mostra tendência à expansão de sua influência e tamanho.

Iniciemos com a revisão dos dois motivos básicos por trás das falhas de governo, que ironicamente fundamentam essa expansão do estado.

Em primeiro lugar, os governos falham porque seus agentes não são tão inteligentes quanto se supõe. Em termos gerais, a substituição do mecanismo descentralizado dos mercados pela ação estatal centralizada implica, dado o pressuposto de conhecimento limitado por parte de qualquer grupo de agentes, a redução da capacidade de se levar em conta nas regulações e projetos as informações dispersas sobre os detalhes do infinitamente complexo ambiente econômico.

Isso se manifesta por meio das consequências não intencionais do plano central, contrárias aos objetivos de seus idealizadores. Concretamente, isso significa que intervencionismo gera empobrecimento.

Em decorrência da ignorância da teoria econômica, esse empobrecimento tem um efeito curioso, que poderíamos denominar Lei de Say do Intervencionismo: as falhas de governo geram sua própria demanda. Os problemas gerados pelo insucesso das intervenções prévias são atribuídos a mercados pretensamente desregulados, o que acaba gerando pressão por novas medidas corretivas da mesma natureza daquelas que causaram o problema inicial. Quanto pior o desempenho de uma solução estatal, mais verba é exigida para tornar mais "eficaz" essa mesma solução.

Em segundo lugar, os governos falham porque seus agentes não são tão altruístas quanto se supõe. Se adotarmos a hipótese aparentemente escandalosa de que políticos gostam de poder e funcionários públicos de dinheiro, o estado interventor irá ofertar privilégios legais que conferem poderes monopolistas a empresas estabelecidas, que por sua vez usarão parte do ganho de monopólio pilhado do consumidor para pagar impostos e financiar campanhas políticas.

Como os eleitores não têm como monitorar de perto o comportamento dos políticos e cada privilégio legal conferido pelo estado gera ganhos concentrados para poucos e custos pagos por todos, existem condições para que na esfera política minorias façam lobby, obtenham vantagens monopolistas e efetivamente explorem a maioria da população.

As duas fontes de falhas de governo interagem para a expansão do setor estatal.

Intervenções mal sucedidas geram demanda por mais intervenções, que exigem transferência de recursos para o setor púbico, que se cristalizam na forma de poder para políticos, salários para funcionários públicos, ganhos para firmas associadas e, em geral, migração de esforços da atividade de produção (competição nos mercados) para a atividade de 'predação' (competição na arena política).

A consequente perda de dinamismo da economia, como em uma bola de neve, convida então a mais poder conferido aos políticos.

Esse mecanismo de expansão do estado exige cada vez mais do setor produtivo. Como se trata efetivamente de um modelo de exploração, a analogia com o parasitismo é apropriada. O parasita se expande à custa do hospedeiro até o limite imposto pela debilitação demasiada deste, que ameaça o futuro do parasita. O nosso hospedeiro, o setor produtivo, tende a criar mecanismos de defesa contra as investidas do parasita em expansão.

Financiamento monetário gera defesas, como ajustes nas expectativas sobre aumentos de preços e indexação; endividamento prolongado exige juros cada vez maiores para novos empréstimos e aumentos de carga tributária geram custos políticos. Em equilíbrio, a resistência marginal a cada fonte de transferência para o setor público deve ser igual, a menos que surjam oportunidades de exploração geradas por mudanças em alguma circunstância relevante, criando oportunidades para o empreendedorismo político.

Portanto, em um cenário no qual as extrações por meio de inflação, endividamento e tributação já atingiram patamares que envolvem resistências consideráveis, o político se encontra em um cenário aparentemente sem alternativas. Para sobreviver no curto prazo (a competição política puniria impiedosamente quem pensa no longo prazo), o político tem de deixar sua marca.

Mas como encontrar recursos para a construção de um novo elefante branco que sirva como vitrine? Afinal, as gestões anteriores já dilapidaram os recursos públicos passados e futuros em obras caríssimas e investimentos sem sentido, deixando como subprodutos privilégios, burocracia e cabides de emprego. A população, por sua vez, reclama de falta de líderes como os do passado, ignorando que foram as ações destes últimos que amarraram as mãos de seus herdeiros.

Uma solução racional de baixo custo para o político é dada pelo proibicionismo: a imposição de normas que proíbem ou restringem algum tipo de comportamento dos governados. Já que não existem novos recursos públicos para serem gastos diretamente, então que os custos das "realizações políticas" de um governante sejam pagos pelos outros, em uma nova modalidade de extração de recursos.

Para que essa solução seja viável, precisamos investigar sua demanda. Com certeza, apela aos instintos básicos da população: quantas vezes, diante da existência de algum problema, ouvimos alguém afirmar que deveria existir alguma lei proibindo diretamente algum comportamento que se crê ser a sua causa? Ao contrário do economista, que examina consequências não intencionais e investiga, além dos benefícios, também os custos de cada decisão, a opinião de senso comum percebe apenas boas ou más intenções por parte das pessoas, passíveis de correção por parte do estado paternalista.

No ambiente político contemporâneo, marcado pela ausência de respeito pela diversidade de opiniões em favor da divisão totalitária e moralizante entre as posições dos esclarecidos e dos ignorantes, o proibicionismo ressoa fundo naquele que acredita que o mundo seria um lugar melhor se os outros seguissem o seu próprio exemplo, modelo de virtude politicamente correta.

Mas, para que de fato funcione, o proibicionismo deve impor custos preferencialmente aos outros, como ocorre em qualquer modalidade de escolha política. Como dizia Mussum, "O governo tá certis!", desde que a política não afete o preço da cachaça.  Como a adoção de padrão esdrúxulo de tomada elétrica afeta a todos, a proibição é quase universalmente detestada e não gera dividendos políticos por parte da demanda.

As proibições de jogos eletrônicos de tiros, venda de brinquedos associados a alimentos, armas de brinquedo, sacolas plásticas em supermercados ou de álcool não diluído em água, por outro lado, como afetam grupo mais restrito de pessoas, têm apelo maior.

O mesmo ocorre com a redução artificial de limites de velocidade, pretensamente em nome da segurança, que extrai dos motoristas os altos lucros da indústria das multas.

A assimetria de imposição de custos explica assim o surgimento de propostas fantásticas como aquela que propõe limitar a 30 Km/h a velocidade de veículos em todas as ruas de certos bairros. Maurício de Souza pode ficar bravo, com razão, com a ideia de proibir as maçãs da Mônica, mas quais consumidores se importariam a ponto de se organizar politicamente para bloquear a iniciativa?

Naturalmente, quanto mais alto for o custo imposto a um grupo, maior será a resistência. Isso nos leva ao exame do aspecto ideológico do problema. A eficácia do proibicionismo pode ser reforçada por fatores ideológicos se a resistência por parte daqueles que arcam com as consequências da proibição for distorcida pelo discurso governista, apresentada como se fosse manifestação reacionária de alguma classe de vilões.

Se a criação de classes imaginárias puder coincidir com alguma divisão entre uma postura moral correta e outra condenável, o ganho político é potencializado, angariando simpatia até mesmo daquelas pessoas cheias de remorsos, que se enxergam como membros da fictícia classe vilã!

Essa manobra, porém, tende a surtir efeito apenas junto aos intelectuais, já que as classes propostas nas explicações dos políticos existem apenas na imaginação, enquanto a população do mundo real sofre as consequências da verdadeira exploração entre classes: aquela imposta pelos monopólios concedidos pelos políticos aos seus clientes.

O contraste entre os dois tipos de teoria de exploração e a lógica do proibicionismo pode ser ilustrado pelas recentes administrações municipais de São Paulo. Castigada ao longo do tempo por prefeitos que legaram aos paulistanos uma cidade endividada, com excesso de funcionários, altos impostos e serviços públicos de péssima qualidade, São Paulo preenche as condições iniciais descritas pela nossa análise.

Durante a gestão Kassab, a despeito do significativo aumento do IPTU, não se pôde perceber melhora na qualidade dos serviços prestados pela prefeitura. Em cenário no qual não se cogita reformas liberalizantes e a situação fiscal não permite obras de impacto no curto prazo, a alternativa que restou para fugir de uma má avaliação por parte dos eleitores foi o proibicionismo. A realização que marcou tal gestão foi a "lei da cidade limpa", que proibiu a atividade de publicidade externa privada na cidade e impôs reformas nas fachadas dos estabelecimentos comerciais, em nome de valores estéticos.

Admitindo para fins de argumentação a legitimidade desse tipo de intervenção, a valorização de fachadas em áreas de interesse histórico e eventuais abusos de publicidade poderiam ser tratados por aplicação da legislação prévia, mas o proibicionismo mais contundente gerou o efeito político desejado, a um custo irrisório para a prefeitura: a maioria da população apoiou entusiasticamente a medida e os custos foram transferidos para uma minoria de lojistas e de pessoas associadas ao mercado de publicidade externa. Além disso, a prefeitura garantiu para si o monopólio do segmento.

Na gestão Haddad, o primeiro impulso foi buscar novos aumentos do IPTU para financiar mais "soluções" para os problemas do município, deixando intocadas as ineficiências existentes que sorvem o enorme orçamento público municipal. Barrada essa tentativa de aumento de impostos, restou ao prefeito novamente deixar sua marca através do proibicionismo, desta vez no setor de transportes: faixas exclusivas para ônibus e bicicletas.

Por um custo irrisório para a prefeitura, os motoristas gastam algumas horas a mais por semana se deslocando pela cidade para abrir espaço para faixas completamente vazias de ônibus e bicicletas. Além do apoio a essas iniciativas, a prefeitura espera aumento significativo de arrecadação com a fiscalização eletrônica de violações dessas proibições.

Mas, como neste caso os custos incorridos pela população são consideráveis, piorando o que talvez seja a principal desvantagem de viver na cidade, a reação negativa foi considerável, o que requer considerável investimento ideológico para reverter a avaliação negativa do prefeito.

Os argumentos utilizados para desacreditar os críticos utilizaram um dos maiores talentos dos políticos, a saber: a exploração dos instintos tribais da população por meio da sugestão de divisão da sociedade entre classes antagônicas. Afinal, intelectual odeia riqueza, motoristas detestam motoboys e pedestres não gostam de ciclistas.

Muitos argumentos empregados invocaram lutas de classes entre ricos proprietários de automóveis e pobres usuários de ônibus e bicicleta ou ainda o confronto moral entre motoristas sem consciência ecológica e usuários das demais modalidades, possuidores dessa consciência. A resistência é atribuída, por exemplo, à elite "coxinha" do bairro de Higienópolis: dondocas consumistas não estariam dispostas a perder algumas vagas de estacionamento para dar passagem a ciclistas, ocupados em salvar o planeta.

A manipulação ideológica desses "conflitos de classe" varia conforme a necessidade do momento. Na URSS, sob o peso dos fracassos do planejamento, a classe conspiradora dos grandes proprietários de terra (kulaks) foi ampliada até finalmente incluir o agricultor com apenas uma vaca. Em São Paulo, a vítima social favorita na gestão Suplicy, o motoboy, é agora ignorado e substituído pelo ciclista, conforme as antigas faixas de motos são convertidas em ciclovias.

A demonização de opositores nesse processo nos oferece a oportunidade de contrastar as fantasiosas concepções sobre lutas de classe utilizadas pelos demagogos com a teoria da exploração relevante, esboçada no início deste artigo. Enquanto alguns fantasiam sobre seu bom-mocismo, a maioria padece parado no trânsito ou no ponto de ônibus e o pobre se endivida para comprar motos para fugir do péssimo sistema de transporte público.

Por que não são realizadas então mudanças significativas no setor de transportes urbanos, sistematicamente mal avaliado pela população? Por que a regulação não induz competição e eficiência? O profissional do ramo consulta os manuais de microeconomia, em busca de uma racionalização para a regulação existente: o transporte seria um monopólio natural, as ruas são bens públicos, existiriam externalidades significativas no ramo, que seria repleto de assimetrias de informação. Essas fontes de falha de mercado justificariam a regulação vigente.

O cético, pelo contrário, acredita que a perene má qualidade do transporte é explicada por regulação que obedece a lógica da aliança entre políticos e empresários: estes últimos obtêm receitas em ambiente livre de pressões competitivas em troca de, entre outras coisas, financiamento de campanha dos primeiros. O ônus político gerado pela transferência de recursos dos passageiros para as firmas do setor pode ser diminuído por congelamento de tarifas acompanhado de transferência indireta via subsídios cada vez maiores, como em São Paulo.

A existência de faixas exclusivas vazias ilustra perfeitamente as "contradições internas" da política de transportes: ceteris paribus, cartéis não têm interesse em expandir a oferta de um serviço, a menos que consigam dificultar a oferta das modalidades rivais, fora do cartel.

Esta explicação "cínica" para a má qualidade do serviço de transporte, infelizmente, não pode ser ilustrada diretamente, pois acordos de exploração política, pela sua própria natureza, nunca são públicos. O setor, de fato, apresenta a falta de transparência típica da atividade governamental. Mas a natureza anticompetitiva da regulação é indiretamente revelada o tempo todo.

Considere, por exemplo, a regulação dos perueiros na gestão Suplicy. A proibição da atuação de perueiros independentes ocorreu precisamente no momento em que estes, atuando de forma competitiva, se recusaram a acompanhar o aumento de tarifas do serviço prestado pelas companhias de ônibus. No novo sistema, esse resquício de competição foi eliminado pela substituição das vans independentes por cooperativas integradas ao esquema de divisão do mercado entre as firmas do setor.

Fica ao leitor a tarefa de estudar, na seção policial dos jornais, os laços entre partidos políticos, vereadores, companhias de ônibus, sindicatos, cooperativas e crime organizado que marcam a gestão do segmento desde então.

Considere ainda a rapidez com a qual são bloqueados em diversos locais do mundo os avanços tecnológicos, como os aplicativos de carona, que ameaçam os privilégios monopolísticos conferidos pela regulação da atividade de taxista. A exploração via regulação não apenas protege os interesses dos ofertantes estabelecidos, como impede que ocorra o processo de descoberta de novas formas de atender as necessidades da população. Os analistas da área de fato julgam inconcebível a existência de arranjos diferentes daqueles vigentes.

Isso nos leva ao contraste entre as soluções que seriam trazidas pela inventividade resultante da competição e as soluções dos burocratas, que pateticamente nos oferecem como opção um mar de bicicletas, como se estivéssemos em alguma cidade pobre da China de algumas décadas atrás.

Restrito pela falta de confiança no poder inventivo de homens livres e pelo medo de perda de apoio das demais pessoas que lucram com os esquemas vigentes de exploração da população, o político moderno é profundamente conservador, no sentido de que não cogita em absoluto alterar a lógica desse mecanismo de exploração.

Na impossibilidade de alimentá-lo ainda mais, resta a alternativa de proibir paternalisticamente algum tipo de comportamento. Aguardemos para descobrir qual será a proibição preferida pelo próximo prefeito.


Sobre o autor

Fabio Barbieri

Fabio Barbieri é mestre e doutor pela Universidade de São Paulo. Atualmente, é professor da USP na FEA de Ribeirão Preto.

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