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Cinco lições sobre o referendo escocês

22/09/2014

Cinco lições sobre o referendo escocês

As autoridades governamentais do Reino Unido declararam que a campanha do "Sim" pela secessão perdeu por uma margem de aproximadamente 10 pontos percentuais -- 55% votaram pelo "Não" e 45% votaram pelo "Sim". 

No entanto, mesmo sem obter o voto majoritário, essa campanha pela secessão da Escócia em relação ao Reino Unido nos forneceu alguns vislumbres sobre o futuro dos movimentos secessionistas e sobre aqueles que defendem o status quo.

Lição 1: as elites globalistas têm pavor da secessão e da descentralização

Instituições da elite global e indivíduos mundialmente poderosos e influentes -- como o banco Goldman Sachs, o ex-presidente do Fed Alan Greenspan, o primeiro-ministro britânico David Cameron, e vários grandes bancos ao redor do mundo -- fizeram uma profunda e incessante campanha de medo para desencorajar o povo escocês a votar pela independência.  Grandes bancos -- como o RBS (Royal Bank of Scotland) e o Deutsch Bank -- juraram punir a Escócia, declarando que sairiam do país caso a independência fosse declarada.

De acordo com esta notícia:

Um relatório do Deutsche Bank comparou a independência da Escócia ao retorno do Reino Unido ao padrão-ouro nos anos 1920, e disse que ela poderia desencadear uma reprise da Grande Depressão, ao menos na região do Reino Unido.

No que diz respeito a previsões de colapso econômico, é difícil ser mais histérico do que isso.  Difícil, mas não impossível.  David Cameron conseguiu.  Em um discurso em Aberdeen, ele quase foi às lágrimas ao implorar aos escoceses para que não votassem pela independência.

Os ataques incessantes da elite globalista à secessão se basearem em pelos menos duas estratégias.  A primeira envolvia ameaças diretas e sermões ao estilo "é para o seu próprio bem".  As coisas "não serão nada boas" para a Escócia em caso de secessão, alertou Robert Zoelick do Banco Mundial.  Já John McCain inferiu que a independência escocesa seria boa para os terroristas. 

A segunda estratégia envolvia promessas e súplicas aos escoceses, o que revela o quanto as elites ocidentais realmente temem a secessão.  Além de toda a teatralidade de Cameron sobre a importância de não "dissolvermos a nossa família", o primeiro-ministro também tentou (aparentemente com sucesso) subornar os eleitores escoceses com várias promessas de mais autonomia, mais dinheiro, e mais poderes dentro do Reino Unido.

Já as ameaças feitas em relação ao futuro do sistema monetário escocês são particularmente significativas.  A última coisa que os governos de Londres, Bruxelas e Washington querem ver é um país ocidental já estabelecido e consagrado se separar de um sistema monetário e se juntar a outro de maneira ordenada.  A secessão política já é ruim o bastante e é vista como um espinho pela União Europeia, a qual claramente quer se estabelecer como uma união perpétua que não permite nenhuma alternativa de fuga; já uma secessão monetária seria um golpe fatal.  Uma saída bem-sucedida de uma grande moeda global, mesmo que fosse para se juntar à União Monetária Europeia mais tarde, deixaria claro para o resto do mundo que os países têm opções monetárias, e que eles não têm necessariamente de ser absorvidos completamente (e permanentemente) por um determinado arranjo monetário.

Lição 2: movimentos separatistas exigirão uma votação

Embora as elites do Reino Unido estivessem desesperadas para ver o fracasso do referendo da Escócia, poucos argumentaram que os escoceses não tinham o direito de votar nessa questão.  Alguns argumentaram que todos os cidadãos do Reino Unido, e não apenas os escoceses, deveriam votar nessa questão, mas a maioria dos observadores parece simplesmente ter aceitado que os escoceses tinham o direito de votar e decidir sobre a permanência da Escócia no Reino Unido.

Isso é má notícia para os regimes ocidentais, em que as tradições da democracia são ostensivamente robustas mas são manipuladas em prol da centralização.  Boa parte dos governos ocidentais adere à ideia de que nenhuma secessão pode ocorrer se não for aprovada pelo governo central, e a maioria da população tende a denunciar, de maneira fanática, qualquer tentativa de voto secessionista como traição.  No entanto, na Europa, a mera existência do referendo escocês colocou em cheque a legitimidade de qualquer governo ocidental em proibir ou ignorar votos regionais sobre um desejo de independência.

O governo italiano se recusou a sequer reconhecer a existência do referendo veneziano sobre a secessão da região, e o governo espanhol em Madri já reiterou que irá ignorar os resultados do vindouro voto catalão.

Não passará despercebido o fato de que as pessoas que ignoram tais resultados democráticos (quando eles colocam em risco os arranjos defendidos pela elite globalista) são as mesmas pessoas que exortam as virtudes da democracia quando os resultados são favoráveis aos seus propósitos centralizadores.

Aqueles regimes que negarem referendos separatistas ou que se negarem a reconhecer votações pró-secessão serão cada vez mais vistos como retrógrados e autoritários, e grande parte disso será devido à quase incontestada prerrogativa escocesa de conduzir votos locais sobre a secessão.

Alguns regimes podem tentar contornar essa situação exigindo que futuros referendos separatistas sejam votados por todos os cidadãos do país, e não apenas pela região que quer se separar do país.  No caso de Veneza, por exemplo, é muito mais fácil vislumbrar um arranjo em que o governo em Roma permita que toda a Itália, e não apenas a região de Veneto, vote em um referendo sobre a secessão de Veneza.  Do ponto de vista do regime central, essa seria uma eleição segura, pois seria altamente improvável que mais da metade do país aprovasse a separação de uma região rica e pagadora líquida de impostos.  Os italianos do sul, por exemplo, se beneficiam dos impostos extraídos da região de Veneto. 

Da mesma forma, a Catalunha é uma das mais produtivas regiões da Espanha, de modo que um referendo conduzido em toda a Espanha certamente seria favorável a que a Catalunha continuasse sendo explorada em prol do restante da população espanhola, que é menos produtiva.

Alguns observadores insistiram na tese de que a relação entre essas regiões e seus respectivos governos centrais são como "casamentos", e que a secessão seria como um "divórcio".  Uma analogia muito mais correta seria a de uma esposa que é espancada diariamente e que quer fugir dessa relação.  Dar a todo o eleitorado nacional o poder decisório sobre essa relação é como dar a um marido violento o poder de vetar qualquer tentativa de divórcio.

É interessante observar, no entanto, que a Escócia não está na mesma posição de Veneza ou da Catalunha no sentido de que a Escócia não é uma região rica do Reino Unido.  Com efeito, do ponto de vista do orçamento do governo central e das receitas de impostos (ignorando a dimensão monetária), a Inglaterra não sofreria um grande impacto negativo caso a Escócia se separasse.  Se a situação fosse oposta, certamente não teríamos visto a mesma atitude tolerante em relação ao referendo.  Não obstante, o precedente já foi criado.

Lição 3: dizer que secessão é coisa de pessoas racistas e preconceituosas é uma ideia arcaica e provinciana

Para muitas pessoas, a ideia de secessão ainda remete à guerra civil americana e à escravidão.  No entanto, e incoerentemente, essas mesmas pessoas não mencionam que a Revolução Americana foi uma secessão dos EUA em relação ao Império Britânico.  Ou que a dissolução da URSS em dezenas de países foi também uma secessão.  Ou que a divisão da Tchecoslováquia em dois novos países foi também uma secessão.

Para tais pessoas provincianas, se você defende a secessão, você só pode ser um racista, pois, obviamente, a secessão não pode ter nenhum outro propósito que não seja a disseminação da escravidão ou a intolerância a "pessoas diferentes".

O fato é que -- e isso foi comprovado pelo referendo escocês -- a secessão sempre foi, ao longo da história, um recurso utilizado dentro de uma variedade de contextos históricos e políticos.  Por motivos óbvios, escravidão e racismo nada tem a ver com os movimentos separatistas do Quebec, da Escócia, de Veneza, ou da Catalunha.

No que mais, é uma atitude tipicamente autoritária e retrógrada dizer que "qualquer que seja o arranjo atual, ele é a lei" e assim deve permanecer, como se algo tão importante quanto autonomia e independência políticas fosse uma questão já decidida e proibida de ser revista.  Para esses totalitários, o assunto já está decidido até o fim dos tempos.  É realmente necessário sofrer de um indecente nível de materialismo para acreditar que um arranjo meramente político já está decidido para sempre só porque "já é assim há um bom tempo".  Seres humanos mais racionais e sensatos reconhecem que obediências e submissões políticas se alteram constantemente, assim como as linhas imaginárias que delimitam estados dentro de territórios nacionais.

Lição 4: a secessão é uma boa maneira de barganhar

Como aprendemos com a experiência escocesa, os centralizadores temem a secessão ao ponto de se mostrarem realmente dispostos a oferecer várias benesses aos separatistas.  É claro que, no caso da Escócia, que é uma região recebedora de impostos, as promessas envolveram ainda mais assistencialismo estatal.  Já no caso de Veneza, por outro lado, as coisas certamente seriam distintas.  De qualquer maneira, ameaçar separatismo é uma tática muito útil para se obter ou mais autonomia ou mais benesses.  Adicionalmente, é sempre positivo forçar um governo central a se submeter a um referendo que questione sua legitimidade.  Isso, aliás, não deveria ser algo feito em uma única eleição, como fizeram os escoceses, mas sim uma característica tradicional e corriqueira do processo político.  Deveria ser algo feito continuamente.

Em última instância, no entanto, o que realmente importa para o regime é a capacidade de inflacionar a oferta monetária e controlar o sistema financeiro.  A saída da Escócia da libra implicaria menos libras criadas pelo sistema bancário escocês, menos libras circulando no Reino Unido, e consequentemente menos libras sendo coletadas e subsequentemente gastas pelo governo de Londres.  Ou seja, isso implicaria menos poder de gastos para o governo central britânico. 

Políticos de um governo central podem até se mostrar tolerantes com a perda de alguns poderes, mas o poder de inflacionar e de controlar os bancos jamais será abdicado facilmente.

Lição 5: a centralização não é necessária para o sucesso econômico

Como já foi observado pelo historiador Martin Van Creveld e por vários outros observadores das tendências da legitimidade do estado, o prestígio do estado como o pilar essencial de toda a ordem política continua em declínio ao redor do mundo à medida que grupos nacionais pequenos e pequenas regiões econômicas vão desafiando a velha ordem em prol de mais autonomia local e de mais alianças internacionais.  O esforço pela secessão escocesa foi apenas um de vários exemplos recentes.  A derrota de curto prazo do referendo não alterará essa tendência.

Adicionalmente, as várias e distintas realidades econômicas do mundo moderno, com seu contínuo e cada vez mais rápido fluxo de capital e de mão-de-obra, irão solapar as atuais nações-estado, as quais foram majoritariamente formadas e edificadas sobre a ideia do nacionalismo econômico e do mito de que a auto-suficiência econômica nacional pode ser alcançada facilmente.

A proliferação do comércio entre as nações que possuem grandes mercados nacionais, grande mão-de-obra e grande disposição para as transações internacionais dissolveu as antigas alegações nacionalistas de que somente um estado-nação com um forte governo central pode abrir as portas dos mercados estrangeiros aos produtos nacionais e, com isso, gerar crescimento econômico.  Com efeito, os escoceses, os venezianos e os catalães veem o acesso aos mercados internacionais como algo totalmente factível e alcançável sem o fardo do estado central, aos quais eles atualmente estão vinculados.  Será que os venezianos necessitam de Roma para comercializar com a China?  Improvável.

Como explicado neste artigo, nações pequenas se saem muito bem quando o assunto é desempenho econômico, de modo que ser pequeno não pode ser visto como um passivo.  Essa alegação de que ser maior é melhor sempre foi facilmente refutável, mas teima em se manter popular no imaginário das pessoas.  No entanto, a boa aceitação da alegação dos secessionistas escoceses de que a Escócia poderia continuar competindo internacionalmente demonstra que a dominância dos velhos mitos está se arrefecendo.

Conclusão

Alguns jornais britânicos declararam que "o sonho acabou" para a independência da Escócia.  Isso só é verdade se considerarmos que o "acabou" significa "acabou apenas pelos próximos anos". 

Por toda a Europa, o ímpeto por mais independência regional e por mais autonomia continuará crescendo à medida que a economia continuar estagnada e as elites políticas em Bruxelas, em Roma ou em Madri continuarem dizendo que sabem o que é melhor para todo o continente.  Com o tempo, não mais haverá ouvidos para reverberar as promessas mentirosas desses centralizadores. 

E isso vai se espalhar para os outros continentes.


Sobre o autor

Ryan McMaken

Ryan é bacharel em economia e mestre em políticas públicas e relações internacionais pela Universidade do Colorado. É editor sênior do Mises Institute

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