O capitalismo explícito e o capitalismo envergonhado no Brasil
No
entanto, minha recente viagem ao Brasil, vinculada à minha participação no 27º
Fórum da Liberdade, realizado pelo Instituto de Estudos Empresariais (IEE),
possibilitou que eu aumentasse minha compreensão do quão importante um
capitalismo explícito pode ser para uma economia.
Sob qualquer padrão, o Brasil é um país que ainda não conseguiu fazer jus ao
seu potencial econômico. Quinta maior nação do mundo -- tanto em termos de
população quanto de extensão territorial --, o Brasil possui uma quantidade
aparentemente infinita de recursos naturais e uma população dinâmica e
crescente -- que, estima-se, ultrapassou recentemente a cifra de 200 milhões.
Não
obstante tudo isso, de acordo com o World Economic Outlook Database, do Fundo
Monetário Internacional (2013), o país está na 79ª posição global em termos de
PIB per capita.
Após apenas alguns dias no país, é fácil ver por quê.
A primeira coisa que me chamou a atenção foi a onipresença do espírito
empreendedor. É isso mesmo: neste país de tendências esquerdistas, quase
socialistas, o capitalismo está em todos os cantos e é praticamente inevitável.
Quando você anda pelas ruas, vai à praia, pega um táxi ou senta-se à mesa em um
restaurante, o capitalismo se apresenta de maneira explícita. Do meu ponto de
vista, era como se os brasileiros estivessem a todo o momento praticando um
comércio desregulamentado, vendendo absolutamente qualquer coisa imaginável e
em todos os pontos de venda humanamente possíveis.
Você necessita de uma espreguiçadeira e de um guarda-sol para desfrutar uma
praia que você acabou de descobrir? Sem problemas, há vários ambulantes prontos
para lhe oferecer algumas opções. E o preço é negociável. Você quer um queijo
coalho fresquinho enquanto se estica na espreguiçadeira? Tranquilo, o ambulante
já está vindo com seu forno a carvão totalmente portátil. Ah, você quer um
coquetel para acompanhar? O cidadão que vende caipirinhas já está a caminho,
ávido para mostrar sua destreza em misturar rum, limão, frutas frescas e menta
em seu quiosque portável (e não, ele não vai pedir sua carteira de identidade).
No centro da maioria das cidades, almoços em marmitas são vendidos nas
carrocerias de furgões, mesas de plástico são armadas por qualquer pessoa que chegar
primeiro, e a atividade comercial ocorre incessantemente sem nenhuma aparente
interferência das autoridades.
Testemunhei
centenas de ambulantes -- os quais, se estivessem nas ruas de Nova York, seriam
detidos e presos pela polícia em menos de cinco minutos -- atuando livremente
nas ruas e praias lotadas de Salvador, na Bahia. Todos os ambulantes com os
quais consegui me comunicar me disseram a mesma coisa: no Brasil, ninguém liga
para a maneira como você tenta ganhar dinheiro; a polícia local pode exigir
alguma propina, mas ela não vê como sua função impor a moralidade pública e
impingir determinadas leis. Essa postura é consistente com a natureza
independente da cultura brasileira.
No entanto, toda essa tolerância acaba quando o capital começa a ser acumulado
e o empreendimento começa a se tornar grande. É nesse ponto que o governo
começa a intervir, e com uma mão extremamente pesada.
Na conferência da qual participei em Porto Alegre, todos os empresários e economistas
brasileiros com os quais conversei faziam a mesma e consistente reclamação:
abrir um negócio real no Brasil é um pesadelo burocrático e operacional criado
por um poder extremamente concentrado em uma capital distante e corrupta, que é
dominada por uma classe política que tem uma filosofia consistentemente anti-empreendedora.
Como
resultado, o Brasil ocupa a 114ª posição no Índice de Liberdade Econômica da
Heritage Foundation. Isso faz com que o país esteja em uma posição pior que
a de paraísos capitalistas como Tanzânia, Honduras e Camboja.
Mas as coisas pioram a partir daqui.
De acordo com dados de 2013 compilados pelo Banco Mundial, um empreendedor leva
mais de 108 dias para cumprir toda a burocracia necessária para abrir uma empresa
no Brasil. Esse número faz com que o Brasil esteja na terceira pior posição em
todo o mundo (melhor apenas do que aquelas outras duas potências
sul-americanas: Venezuela, 144 dias; e Suriname, 208 dias). É claro que se está desconsiderando países como
Cuba e Coreia do Norte, onde é proibido abrir qualquer tipo de empresa.
Por outro lado, demora-se apenas 33 dias para abrir uma empresa na China, 14 dias em Israel, cinco dias nos EUA, três na Austrália, e apenas um único dia na Nova Zelândia.
As
pessoas com quem conversei estavam desesperadas para mudar essa realidade no
Brasil, mas se sentiam totalmente impotentes contra um establishment
democrático que tem os interesses empresariais na mais baixa estima. Não há
dúvidas de que o governo esquerdista de Dilma Rousseff está ansioso para que o
livro de Piketty seja traduzido para o português, para fazer com que ainda mais
brasileiros sejam convencidos de que o capitalismo tem de permanecer
restringido.
Mas a qualidade de vida de uma sociedade está limitada por suas ferramentas. E
as ferramentas que permitem um maior padrão de vida -- fábricas, empresas
inovadoras, capacidade produtiva e distributiva -- só podem ser construídas por
meio da acumulação de capital em larga escala, que é exatamente a atividade que
Piketty e seus apoiadores acreditam ser tão deletéria.
O
capitalismo em pequena escala que viceja no Brasil faz com que a vida de seus
praticantes seja muito mais agradável e tolerável do que seria sem ele, mas seu
poder de gerar aquele crescimento na capacidade produtiva que permite o aumento
da riqueza e do padrão de vida é limitado. O espírito claramente existe. Ele
apenas tem de ser libertado.
Para maximizar a produtividade da mão-de-obra e das matérias-primas, são
necessários grandes ferramentas e grandes sistemas. Fábricas, máquinas,
sistemas de distribuição e de comunicação -- tudo isso nos ajuda a conseguir
mais com menos. Mas esses tipos de sistemas só podem ser construídos se houver
a acumulação de grandes quantias de capital em conjunto com a confiança de se
investir maciçamente em empreendimentos de longo prazo.
Sem esse tipo de formação de capital, tudo o que nos resta são nossas
habilidades motoras de fazer, dentre outras coisas, caipirinhas e queijo
derretido.
No Brasil, uma série de governos populistas incorporou a crença de que o setor
público está mais bem capacitado para gerenciar os setores de peso da economia.
Mas seus sucessivos e estrondosos fracassos já comprovaram de maneira
inquestionável que os planejadores de Brasília são péssimos em resolver os
mesmos desafios que eles impedem de ser solucionados pelo setor privado. Embora
os sistemas educacional e de saúde do Brasil sejam corretamente ridicularizados
por todos, é a lastimável infraestrutura a causa dos maiores problemas do país.
A falta de uma adequada malha rodoviária e ferroviária impede que o Brasil
coloque seus formidáveis recursos naturais e humanos para funcionar. Em vez de
utilizar seus recursos financeiros para alterar essa realidade, o governo
brasileiro decidiu, de maneira unilateral, que o dinheiro estaria mais bem
empregado nos aeroportos, estádios de futebol e instalações olímpicas
necessários para a Copa
do Mundo deste ano e para a Olimpíada de 2016. E embora o futebol seja algo
de grande apelo em campanhas eleitorais, ele está longe de ser o remédio
correto para a vacilante economia do Brasil. (Acredita-se que os pagadores de
impostos brasileiros gastaram mais dinheiro com a corrupção inerente às negociatas
que sempre ocorrem nesses megaprojetos esportivos do que com os próprios
projetos).
Os esforços do governo brasileiro para manter os capitalistas devidamente
restringidos produziram muito pouco daquela igualdade que os neomarxistas de
hoje tão avidamente demandam. O Brasil continua sendo um país onde prédios de
luxo repletos de equipamentos de segurança e entrincheirados por muros e fios
de alta tensão convivem lado a lado com favelas. Os únicos resultados
alcançados pelos políticos populistas do país foram a perpetuação da pobreza e
um desempenho econômico muito abaixo do seu potencial.
Como ocorre com outros países da América do Sul, como Argentina, Venezuela e
Equador, o Brasil parece ser extremamente suscetível à demagogia populista e
carismática. Esse parece ser um hábito ainda mais difícil de ser abandonado do
que uma caipirinha à sombra em uma praia.
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