O cartel dos taxistas contra os aplicativos para carona
O liberalismo defende a total liberdade de mercado, isto é, a ausência de proteções estatais e a ausência de barreiras à entrada de novos concorrentes no mercado. Em suma, o liberalismo defende a livre concorrência absoluta.
Esse arranjo faz com que empresas e empresários já estabelecidos em um determinado ramo do mercado percam suas vantagens competitivas sempre que surgem novas empresas concorrentes. Sendo assim, a única maneira de esses empresários conservarem sua fatia de mercado passa a ser recorrendo ao estado para pedir regulamentações específicas e privilégios protecionistas. E os liberais, é claro, se opõem a todas as formas de privilégio estatal.
O setor de táxis sempre foi um ótimo exemplo de mercado totalmente protegido pelo estado e blindado da concorrência. No Brasil, os serviços de táxi são regulamentados pelas prefeituras, as quais emitem licenças que permitem que apenas determinadas pessoas realizem tal serviço. Em quase todo o resto do mundo o funcionamento é o mesmo: só pode prestar serviços de táxi quem o estado permite.
Em linhas gerais, a regulação funciona da seguinte maneira: uma prefeitura anuncia que irá emitir uma licença -- também chamada de alvará -- para um serviço de táxi. Ato contínuo, esta licença adquire um valor de mercado, o qual varia de cidade para cidade. No Rio de Janeiro, uma licença custa cerca de R$60 mil. Em São Paulo, o valor varia de R$70 a R$120 mil. Se você for operar no Aeroporto de Congonhas, o valor pode chegar a R$250 mil.
Quem quer ser taxista, mas não tem dinheiro para adquirir essa licença, tem duas opções: ou ele pode alugar um táxi de outro taxista -- desta maneira dividindo com ele as despesas --, ou ele pode trabalhar com um carro de frota ou de uma cooperativa e pagar aluguel. No Brasil, o arranjo mais comum é se tornar membro de uma cooperativa.
Além do alvará, também é necessário que o veículo tenha uma licença específica, também dada pelo governo.
Por fim, vale enfatizar que o preço do serviço é tabelado pelo governo. Nenhum taxista pode cobrar um preço fora do estipulado pelo governo.
Ou seja, o setor de táxi sempre esteve blindado da livre concorrência. E, como sempre ocorre em setores protegidos pelo estado, os táxis não foram capazes de se adaptar às necessidades de preço e qualidade exigidas pelos consumidores. Os preços subiram, mas a qualidade ficou estacionada.
Tão logo adquiriram esta reserva de mercado (mais especificamente: serviços de transporte de passageiros em automóveis), e se viram protegidos contra a concorrência de provedores alternativos que os forçassem a se adaptar e a se reinventar continuamente, os táxis se acomodaram confortavelmente sob o manto estatal.
Há pouco mais de um ano, alguns aplicativos para os consumidores chamarem táxi pelo smartphone começaram a se popularizar no Brasil. Tais aplicativos, ao localizarem automaticamente -- via GPS -- os táxis que estão mais próximos do consumidor, dispensava a necessidade do uso de cooperativas. As cooperativas sentiram o baque e, como era esperado, correram para o governo implorar por regulamentação.
Os taxistas, no entanto, mantiveram o monopólio do serviço de transporte de passageiros em automóveis.
Eis que agora surge um novo aplicativo que, não apenas dispensa o uso de cooperativas, como também abole completamente o uso de táxis: no resto do mundo, ele se chama Uber; no Brasil, ele se chama Zaznu. Trata-se de um App inovador criado por um empreendedor de San Francisco que permite o contato direto entre pessoas que querem compartilhar serviços de carona a preços livremente contratados.
Veja a notícia:
No princípio era o táxi. Aplicativos de celular para chamar amarelinhos proliferaram no ano passado, seduzindo passageiros e incomodando cooperativas. Agora, a nova onda de soluções móveis para o trânsito tenta contornar taxistas por completo em busca de objetivo mais ambicioso: convencer motoristas a aderirem, de vez, às caronas.
Um dos modelos é inspirado em softwares que fazem sucesso -- e barulho -- em cidades como San Francisco e Nova York, a exemplo de Uber e Lyft. A primeira experiência do tipo no Brasil atende pelo nome de Zaznu (gíria em hebraico equivalente ao nosso "partiu?") e escolheu o Rio para sua estreia, em março.
Por meio do app, donos de smartphone podem solicitar e oferecer caronas a desconhecidos. Tudo começa com o passageiro, que aciona o programa para pedir uma carona. Com base na localização e no perfil da pessoa, motoristas cadastrados que estiverem nas redondezas decidem se topam ou não pegá-lo. Quando a carona é aceita pelo motorista, os dois conversam por telefone para combinar o ponto de encontro.
Para garantir a segurança dos passageiros, o Zaznu diz entrevistar os motoristas cadastrados, além de checar antecedentes criminais. Já os passageiros precisam registrar um cartão de crédito, uma vez que as caronas são pagas.
É justamente por não ser gratuito que o app desperta polêmica. Tão logo surgiu, taxistas abriram a página no Facebook "Zaznu, a farsa da carona solidária", que denuncia "o crime que é oferecer serviço de transporte em carro particular", explicou o criador do grupo, Allan de Oliveira. O sindicato da categoria no Rio concorda.
-- É uma irregularidade, e iremos à Justiça se for necessário. Mas temos certeza de que a prefeitura vai detê-lo -- disse o diretor José de Castro.
Em sua defesa, Yuri Faber, fundador do Zaznu, alegou que o aplicativo não constitui um serviço pago de transportes porque seus termos de uso classificam o pagamento como doação opcional. A sugestão de preço equivale a 80% do preço que seria cobrado por um táxi no mesmo trajeto. A Zaznu fica com um quinto do valor pago e o restante vai para o motorista.
-- O passageiro tem todo o direito de decidir se paga, e quanto paga, ao fim da carona. O app só sugere um valor -- justificou.
A polêmica é semelhante à gerada pelos similares Uber e Lyft em várias cidades do mundo. Avaliado em US$ 4 bilhões, o Uber já foi processado em diversas cidades americanas e ainda não há consenso sobre sua legalidade.
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que regulamenta o transporte rodoviário interestadual, considera ilegal angariar passageiros em redes sociais e "em troca do transporte, cobra um valor a título de passagem". Mas o órgão disse, em nota, que ainda debate "a melhor forma de se posicionar" diante do fenômeno.
Em suma: o aplicativo simplesmente permite que uma pessoa encontre outra disposta a dar carona. Ao final da corrida, o aplicativo sugere um preço, o qual pode ser voluntariamente acordado entre motorista e caroneiro.
O passageiro não é obrigado a remunerar o dono do carro -- nem integralmente nem parcialmente, se não for de própria vontade. Por outro lado, os motoristas poderão classificar os passageiros -- e vice-versa. Com isso, os não-pagadores tenderão a ficar expostos na lista e, naturalmente, serão rejeitados pelos donos dos carros. Livre mercado pleno.
(Este vídeo ilustra bem como funciona o aplicativo. Perceba também a reação furiosa do taxista ao ver seu monopólio sendo ameaçado pelo livre mercado.)
Em vários países do mundo, as confederações de taxistas estão exigindo a proibição imediata deste aplicativo de caronas. Na Bélgica, qualquer cidadão que for flagrado utilizando o Uber será multado em incríveis 10.000 euros. Na França, que nunca decepciona, taxistas simplesmente depredaram o carro de um usuário desse aplicativo.
O desdobramento de tudo isso será bastante curioso porque nenhum estado possui tamanha capacidade policial para controlar esses aplicativos. No que mais, na maioria dos países não há nenhuma lei que proíba caronas e o subsequente compartilhamento de custos entre motorista e caroneiro. A única função desses aplicativos é facilitar e intermediar o contato entre duas pessoas. Os preços são livremente acordados. Portanto, não há uma clara fronteira entre legalidade e ilegalidade.
Como não querem dizer abertamente que estão preocupados com a perda do monopólio e a consequente queda de seus lucros, os taxistas, ao pedirem a proibição desses aplicativos, recorreram à justificativa de sempre: estão apenas preocupados com a segurança dos usuários.
Segundo eles, esses aplicativos são perigosos para o cidadão comum porque os motoristas não são profissionais credenciados e homologados pela guilda. Ou seja, em uma total inversão dos fatos, os taxistas estão dizendo que as barreiras de entrada ao mercado existem para proteger não o cartel, mas sim o consumidor, o qual, sem tais barreiras, será vítima fácil de condutores sem escrúpulos.
Essa desculpa ilustra com perfeição por que a regulamentação de serviços de táxi não tem nenhum sentido: aqueles usuários que desejarem serviços de táxi mais caros e (supostamente) mais seguros podem simplesmente escolher aqueles veículos que contam com uma licença estatal; já aqueles outros usuários que preferem correr um risco maior em troca de tarifas menores, melhor qualidade do serviço e maiores facilidades de pagamento podem simplesmente utilizar estes aplicativos de carona. Liberdade de escolha. Qual o problema com isso?
Não há nenhuma razão para que o estado reprima essas duas opções com o intuito de garantir os lucros de uma classe organizada. Estamos testemunhando uma histórica inovação que veio para importunar alguns cartéis protegidos pelo estado, e esta inovação deve ser deixada livre para que possa se desenvolver em prol de toda a sociedade, sem interferência estatal. Aqueles motoristas que gerarem maior valor para os consumidores e prestarem os melhores serviços prosperarão ao passo que aqueles que forem incapazes disso deverão se dedicar a outras profissões.
Lamentavelmente, se formos nos basear em seus antecedentes históricos, tudo indica que o estado irá ignorar o interesse geral da população e irá atender apenas aos interesses organizados do lobby dos taxistas. Assim como ocorre com os setores de telecomunicações, aéreo, elétrico, energético e de transportes terrestres, este é mais um perfeito exemplo prático de como as regulamentações existem para proteger justamente o setor regulado e impedir que o consumidor usufrua os benefícios de uma livre concorrência. Os regulados são os corruptores, e os reguladores são os corruptíveis.
Regulamentações não atendem aos interesses da população consumidora, mas sim aos interesses de grupos de pressão e ao interesse eleitoral de políticos.
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Participaram deste artigo:
Juan Ramón Rallo é diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri. É o autor do livro Los Errores de la Vieja Economía.
Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.
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