Economia
Irlanda versus Islândia - quem se saiu melhor após a crise financeira de 2008
Irlanda versus Islândia - quem se saiu melhor após a crise financeira de 2008
Ambos foram talvez os dois países mais afetados pelo congelamento da liquidez ocorrido em 2008.
Uma conclusão bastante recorrente nos meios econômicos afirma que um destes países fez tudo certo e que o outro fez tudo errado. Qual país fez tudo certo e qual fez tudo errado vai depender inteiramente da ideologia do economista. Sendo assim, meu objetivo aqui é fazer uma abordagem mais pragmática. Há aspectos positivos em ambos os casos, assim como também há aspectos negativos.
Sempre correndo o risco de estar simplificando em demasia a situação de ambos, eis as principais diferenças nas políticas econômicas adotadas:
1. O governo da Islândia permitiu que fatias substanciais do seu setor financeiro fossem à bancarrota (majoritariamente sucursais de bancos domiciliados no estrangeiro), sem dar nenhum socorro. Já a Irlanda utilizou dinheiro de impostos para socorrer seus bancos e, com isso, manter seu setor financeiro solvente.
2. O governo da Islândia inflacionou substancialmente sua moeda, a coroa, em uma tentativa de desvalorizar sua taxa de câmbio e, com isso, dar alguma competitividade ao seu setor exportador. Já a Irlanda, por estar presa ao euro, não pôde trilhar um caminho semelhante. Em vez de recorrer à desvalorização da moeda, a Irlanda tentou se tornar mais atraente aos investidores estrangeiros por meio de uma redução em seus preços domésticos. (Nesta monografia, há explicações mais detalhadas sobre como a baixa sindicalização dos irlandeses e um setor estatal mais enxuto permitiram que preços caíssem em até mais de 6%, sem enfrentar grandes resistências).
3. A Islândia adotou controle de capitais para impedir que houvesse uma fuga de capitais e para impedir que o capital estrangeiro saísse do país, desta forma mantendo os investimentos presos dentro de suas fronteiras. Já a Irlanda, por fazer parte da União Europeia, teve de manter seu compromisso com uma livre mobilidade de capitais, e os investidores puderam continuar entrando e saindo do país a seu bel-prazer.
No que diz respeito a qual conjunto de soluções foi mais eficaz, as evidências são mistas. À primeira vista, a Islândia parece ter conseguido suavizar melhor o impacto imediato de sua recessão, mas o atual crescimento da Irlanda é mais sólido, como veremos mais abaixo. De maneira similar, o desemprego na Islândia foi menor e ainda permanece mais baixo atualmente.
Para os propósitos deste artigo, irei me concentrar apenas nos efeitos das respectivas políticas monetárias de ambos os países, e em como os ganhos de curto prazo gerados pela reação inflacionária da Islândia são hoje pequenos em comparação à reação mais branda da Irlanda.
O gráfico abaixo mostra a evolução do PIB nominal de ambos os países, isto é, o PIB que desconsidera a inflação de preços. A Irlanda está de verde e a Islândia, de azul.
Gráfico 1: PIB Nominal (2008 = 100) Fonte: Federal Reserve Bank of St. Louis
O gráfico 1 mostra aquilo que o senso comum prevê. A política inflacionista da Islândia estimulou as exportações, ocultou o alto endividamento da população e das empresas, e permitiu que o país saísse da tempestade de forma aparentemente ilesa. Já a Irlanda, por outro lado, segue presa a um baixo crescimento e, cinco anos depois do início da crise, a renda nominal do país ainda é 10% menor do que o pico alcançado antes da crise.
Mas esta análise, no entanto, ignora completamente os efeitos da inflação sobre a economia da Islândia. A política inflacionista da Islândia aumentou a oferta monetária em quase 20% apenas em 2008, e levou a um imediato e acentuado aumento nos preços.
O gráfico abaixo mostra a evolução do PIB real, isto é, o PIB que leva em conta a inflação de preços. A Irlanda está de verde e a Islândia, de azul.
Gráfico 2: PIB Real (2008 = 100) Fonte: Federal Reserve Bank of St. Louis
O gráfico 2 mostra uma realidade mais acurada da situação vivenciada pelo islandês e pelo irlandês comum. Quando o Banco Central da Islândia inflacionou a oferta monetária do país e depreciou o câmbio, a inflação de preços disparou para quase 20%. À medida que o poder de compra dos cidadãos da Islândia diminuía, eles sentiam que sua segurança financeira estava piorando. Mas isso não era aparente para o resto do mundo, cujos observadores estavam fixados nos indicadores nominais da economia da Islândia. Em seu ponto mais baixo, alcançado no quarto trimestre de 2010, a renda da Islândia ajustada pela inflação de preços havia caído 35%.
Já na Irlanda, este declínio foi sensivelmente mitigado pela deflação de preços de 6% ocorrida. À medida que os preços domésticos caíam, foi se tornando mais fácil para os cidadãos da Irlanda continuar sobrevivendo com uma renda nominal declinante. Em seu pior momento, a economia da Irlanda caiu 10% em termos reais.
Isso parece sugerir que a Irlanda recorreu a uma solução melhor ao não implantar uma política monetária inflacionista. Já outros irão notar, no entanto, que a recuperação da Islândia desde 2010 tem sido bastante robusta.
Com efeito, se analisarmos a queda na taxa de emprego (atenção: taxa de emprego e não de desemprego) em ambos os países, é natural que sintamos mais comiseração pelas massas de desempregados irlandeses.
Gráfico 3: Taxa de Emprego (2008 = 100) Fonte: Federal Reserve Bank of St. Louis
Porém, se analisarmos mais profundamente, as coisas não são exatamente como o gráfico acima sugere. Por causa da inflação de preços maior, vários cidadãos da Islândia têm de trabalhar em dois empregos para chegar até o fim do mês. Este efeito foi se tornando cada vez mais pronunciado ao longo da recessão à medida que a inflação de preços ia tornando mais difícil a sobrevivência com apenas um salário. Como consequência, vários islandeses que perderam um de seus dois empregos durante a recessão não aparecem nas estatísticas de desemprego, pois eles mantiveram o outro emprego.
Já na Irlanda, a situação é outra. E mais confortável. Além do fato de um emprego por pessoa continuar sendo a norma, a deflação de preços tornou mais fácil para uma pessoa empregada manter seu padrão de vida à medida que a recessão continuava.
Uma maneira mais acurada de mensurar a situação do emprego em ambos os países é analisar a evolução das horas trabalhadas em um ano.
Gráfico 4: Horas anuais trabalhadas (2008 = 100) Fonte: Federal Reserve Bank of St. Louis
Este gráfico permite ver como a situação se inverte. No auge da recessão, em 2010, o número de horas trabalhadas pelo cidadão da Islândia havia caído 6%, ao passo que, na Irlanda, a queda foi de apenas 3,5% -- quase a metade.
Conclusão
Ambos os países ainda têm problemas. Os controles de capital adotados pela Islândia notavelmente estão afetando os investimentos, que são extremamente necessários. Já a Irlanda está sufocada por uma enorme dívida pública gerada pelo socorro dado pelo governo aos bancos. O fardo da dívida está impedindo sua recuperação. Uma coisa, no entanto, é clara: os efeitos da política monetária são nítidos e os supostos benefícios da política inflacionária adotada pela Islândia foram contrabalançados pela inflação de preços que ela causou.
Jamais deixe que uma crise passe em branco; aprenda algo com ela. Como a história destes dois países demonstra, inflacionar uma moeda pode dar a aparência de recuperação, mas a realidade é bem menos rósea do que supõem os inflacionistas.
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