Consumidores não provocam recessões
Há pelo menos uma coisa
extremamente positiva nas colunas de Paul Krugman no The New
York Times: quando um economista austríaco quiser explicar para alguém como a
ciência econômica convencional causa destruição em massa, ele poderá sempre
contar com Krugman, que inevitavelmente estará fornecendo um exemplo de maneira
clara e concisa. Isso é ótimo porque nos poupa muito trabalho, já que não
precisaremos primeiro descrever a argumentação para depois derrubá-la.
Até mesmo o leitor ocasional da imprensa financeira
sabe que ela é dominada pelo pensamento keynesiano "do lado da
demanda". Por exemplo, ainda no início do ano, durante o debate sobre o
pacote de estímulo do governo americano -- aquele que consistia na devolução de
parte do dinheiro de impostos para que os cidadãos pudessem gastar mais --, a
principal preocupação dos keynesianos e monetaristas era que os contribuintes
resolvessem utilizar parte desse reembolso para pagar as faturas do cartão de
crédito, ao invés de torrarem tudo nos shopping centers, como esses economistas
queriam. Porem, ao leitor nunca foi dada uma explicação meticulosa e clara da
visão de mundo que gera essas noções malucas.
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"O paradoxo da
poupança"
Krugman primeiro nos informa
das (supostamente) más notícias: "A capitulação dos consumidores
americanos, há muito temida, enfim chegou... [O] gasto real com consumo caiu a
uma taxa anual de 3,1 por cento no último trimestre; o gasto real em bens
duráveis (coisas como carros e TVs) caiu a uma taxa anual de 14 por
cento".
Paremos aqui por um
momento. Muitos economistas de esquerda -- inclusive
Krugman -- viviam nos avisando, durante anos, que o déficit comercial
americano estava muito alto, e que a taxa de poupança do país estava muito
baixa. Portanto, seria o caso de alguém pensar que uma queda nos gastos com
consumo seria uma coisa boa. Bem, parece que não funciona bem assim: Krugman
nos informa que "o momento escolhido para essa nova sobriedade foi
completamente infeliz.... Os consumidores estão cortando gastos exatamente
quando a economia americana caiu numa armadilha da liquidez".
E agora vem a teoria por
trás de todas essas ponderações. De acordo com Krugman,
[U]m dos pontos altos do semestre, se você é um professor
de macroeconomia introdutória, ocorre quando você explica como a virtude
individual pode ser um vício público; como que as tentativas dos consumidores
de fazer a coisa certa -- ou seja, poupar mais -- pode acabar fazendo com que
todos piorem. A questão é que se os consumidores cortam seus gastos, e nada
entra para substituir esses gastos, a economia irá cair numa recessão,
reduzindo a renda de cada um.
Na realidade, a renda dos consumidores pode até cair mais
do que seus gastos, o que significa, portanto, que sua tentativa de poupar foi
um tiro que saiu pela culatra -- uma possibilidade conhecida como o paradoxo da
poupança.
Por onde começar?
A questão mais central da
ciência econômica -- voltando a uma época ainda anterior à metáfora de Adam
Smith sobre a "mão invisível", a pelo menos até o livro de Bernard
Mandeville, a Fábula
das Abelhas, de 1732 -- é que, em um sistema baseado na propriedade privada,
os vícios privados podem ser aproveitados em benefício de todo o público. Mais
especificamente, uma economia de mercado faz com que os gananciosos homens de
negócio tenham de ficar acordados a noite toda pensando num jeito melhor de
satisfazer seus clientes.
Além dessa verdade (que
foi descoberta recentemente (em termos relativos) na história humana), as
pessoas sempre souberam que um indivíduo sábio se abstém do consumo quando quer
acumular poupança. A razão por que os humanos do século XXI são tão
fantasticamente ricos comparados àqueles do século XI não é meramente por uma questão de inovação tecnológica. É também o
resultado do crescente estoque de máquinas, ferramentas e equipamentos (isto é,
"bens de capital") que veio sendo transmitido de geração para
geração. "Todo mundo sabe" que a parcimônia leva à prosperidade, ao
passo que a gastança pródiga leva à ruína. Há até uma passagem famosa na Bíblia
sobre esse tópico.
É verdadeiramente
chocante saber que Krugman não apenas ensina a seus alunos o exato oposto -- a
saber, que as virtudes privadas geram vícios públicos, e que poupar empobrece a
todos da comunidade --, mas também se regozija
com a sua demonstração. Felizmente para o bem da sanidade, é muito fácil expor
suas falácias.
O enganoso modelo do
"fluxo circular"
De forma resumida, o
problema com a análise keynesiana de Krugman é que ela é estática, o que
significa que ela não leva em consideração a passagem do tempo, e consequentemente
é incapaz de abordar a estrutura do capital de uma economia moderna. O
"diagrama do fluxo circular" ilustra a maneira como Krugman vê a
economia:
Assim, durante uma
recessão, Krugman acha que (por alguma razão) os consumidores ficam esquisitos,
perdem o bom senso e começam a gastar menos. Isso reduz as receitas obtidas
pelas empresas com a venda de bens e serviços. E isso significa que as empresas
passam a ter menos dinheiro para gastar com fatores de produção (recursos
naturais, horas de trabalho e bens de capital). Isso significa que a renda
obtida pelos proprietários desses itens -- isto é, por todos na economia --
inevitavelmente cai. E com uma renda menor, as pessoas -- em seus papéis
de consumidores -- não podem mais gastar com bens e serviços da maneira como
gastavam antes, o que faz com que as receitas das empresas caiam ainda mais. E
por aí vai até que a economia de mercado se afunde em uma grande depressão.
Repetindo: Krugman acredita que o livre mercado não é capaz de resolver esse
problema porque os indivíduos racionalmente reagem ao início de uma crise
aumentando seu efetivo em caixa (isto é, eles passam a poupar mais, retendo
mais o dinheiro que possuem), o que só faz piorar a crise.
De acordo com Krugman,
para a economia sair desse círculo vicioso, o governo deve persuadir os
consumidores a voltar a gastar mais. Para atingir esse intento, o governo pode
cortar a taxa de juros ou fazer programas de devolução de dinheiro de impostos.
Mas, algumas vezes (como na atual situação), esses remédios são insuficientes,
e então passa a ser função dos políticos virarem adultos e começarem a gastar
dezenas de bilhões de dinheiro emprestado. Apenas isso poderá dar um
Ctrl-Alt-Del na economia, que voltará a ter um crescimento sustentável.
Há tantas falhas e
falácias nesse pensamento krugmaniano que é difícil saber por onde começar.
Primeiramente, se a gastança estatal pode turbinar as receitas de todas as
empresas, o que fará aumentar a renda nacional, o que irá permitir mais
expansões dos negócios, etc. etc., então por que utilizar essa técnica apenas
durante recessões? Por que não recomendar que o governo esteja sempre praticando déficits orçamentários, para assim poder
criar empregos e aumentar o PIB?
"Bem", diriam
os keynesianos, "em uma situação de pleno emprego, um estímulo à demanda
agregada não faria com que as empresas contratassem mais trabalhadores. Uma
nova demanda por produtos ou serviços a essa altura serviria apenas para
aumentar os preços, e não para aumentar o produto real".
Ah, agora estamos
chegando a algum lugar. Com toda essa conversa sobre gastos do consumidor e
renda nacional, havíamos nos esquecido de que a produção deve ocorrer antes de as pessoas poderem consumir alguma
coisa. Não importa quantas cédulas de dinheiro haja na sua carteira, você não
pode "demandar" um aparelho de TV a menos que a loja de fato tenha
uma unidade na prateleira. Retrocedendo uma etapa, não importa quantos
consumidores estejam fazendo fila na porta da loja, o gerente só poderá
abastecer suas prateleiras com aparelhos de TV se o fabricante já as tiver
produzido anteriormente. E, é claro, o fabricante só poderá atingir esse
objetivo se ele encontrar mão-de-obra suficiente, bem como os componentes
necessários para se fabricar as TVs. E isso independe da quantidade de dinheiro
que o gerente da loja lhe ofereça. Cédulas de dinheiro, por si só, não criam os
insumos -- e nem a qualificação -- necessários para a fabricação de bens de
capital.
Agora podemos ver por que
o diagrama de fluxo circular acima é um modelo bem enganador da economia. Ele
nos faz pensar que a produção de bens de consumo final pode imediatamente
aumentar e cair de acordo com o "gasto". Essa estrutura seria válida
caso não houvesse bens de capital, o que significa que todos os bens de consumo
e serviços seriam produzidos imediatamente, como se os trabalhadores fossem
capazes de pegar os bens da natureza e os transformar imediatamente em bens de
consumo final.
Por exemplo, em uma
economia composta de massagistas e malabaristas, o diagrama do fluxo circular
poderia ser útil. Se alguém quisesse uma massagem e tivesse o dinheiro, o
massagista poderia prontamente iniciar o trabalho. A única restrição física
sobre a produção do "setor massagista" seria o número de massagistas
e o fato de que eles precisam dormir em algum momento. Além do insumo
"mão-de-obra", o único outro item envolvido é uma mesa de massagem,
mas a mesma mesa pode ser utilizada na produção de milhares de massagens antes
de precisar ser trocada.
Mas as coisas são
diferentes com a maioria dos bens e serviços produzidos em uma economia
moderna. Em quase todos os setores, os trabalhadores se apresentam no local de
trabalho e utilizam ferramentas e equipamentos que ampliam enormemente sua
produtividade. Ademais, a esmagadora maioria dos trabalhadores não utiliza suas
ferramentas diretamente nos recursos naturais em estado bruto. Ao invés disso,
eles utilizam suas ferramentas para transformar os materiais que lhe são
enviados por outras empresas.
Há tantas falhas e
falácias nesse pensamento krugmaniano que é difícil saber por onde começar.
Uma vez que entendemos a
assombrosa complexidade do verdadeiro "problema econômico" -- como que
toda essa entrelaçada atividade humana é coordenada de modo a fazer a produção
fluir suave e previsivelmente --, podemos ver a absurdidade das receitas
keynesianas que exigem gastança pura e simples. Durante uma recessão, não é
verdade que toda a produção em todos os setores irá cair exatamente na
mesma percentagem. Pelo contrário, alguns setores encolhem mais do que outros.
Isso ocorre porque alguns setores sofreram prejuízos enormes e precisam liberar
uma parte (ou o todo) de seus trabalhadores e recursos para setores mais
lucrativos. Esse rearranjo leva tempo, principalmente porque alguns bens
intermediários críticos precisam ser produzidos para que as operações mais ao
final da estrutura de produção possam recomeçar. (Nesse artigo, eu
conto uma rápida história descrevendo esse processo para uma hipotética ilha de
100 pessoas.)
Os keynesianos estão
certos quando dizem que, em uma situação de "pleno emprego", suas
propostas não farão com que sejam construídas mais TVs e mais caminhões para
desafogar a linha de montagem. Mas mesmo em uma situação de desemprego maciço,
as soluções keynesianas não ajudam. Para enfatizar: simplesmente não é possível aumentar do nada a
atividade de todos os setores em, digamos, 1%, de modo a elevar o produto
novamente aos níveis pré-recessão; isso é fisicamente impossível, pois, não
importa quanto dinheiro os consumidores joguem na economia, a Ford só vai conseguir
produzir 1.000 Rangers
a mais se ela comprar 4.000 pneus específicos a mais. E o produtor de pneus,
por sua vez, só será capaz de atender as encomendas da Ford se puder comprar a
quantidade necessária de borracha extra. E o produtor de borracha só vai
atender as encomendas se.... e por aí vai.
Quando a recessão é
resultado de um boom artificial induzido pelo banco central (como ocorreu na
recente bolha imobiliária),
o declínio econômico é um período de reajustamento, que é quando os recursos
que foram mal alocados são canalizados de volta para usos mais apropriados,
consistentes com as preferências do consumidor e com a realidade tecnológica.
Quando o governo intervém, tentando impedir esse reajustamento, ele acaba
simplesmente mantendo essa distribuição insustentável dos recursos escassos. Os
gargalos passam a ser freqüentes nas milhões de diferentes estruturas por onde
"escorre" o fluxo de recursos naturais, que vão desde inúmeras mãos
de trabalhadores até as prateleiras das lojas.
Não há nada de
paradoxal quanto à poupança
Para finalizar, seria
útil esclarecer exatamente o que acontece em uma economia de mercado quando os
consumidores decidem poupar mais da sua renda. A primeira coisa a ser percebida
é que as pessoas não decidem se vão "gastar" ou não; elas decidem se
vão gastar no presente ou no futuro. Por exemplo, imagine que
milhares de casais vivendo em uma grande cidade decidam, num belo dia, parar
com suas saídas semanais para jantar em restaurantes com o intuito de poupar
dinheiro para um cruzeiro de verão. À primeira vista, parece que isso iria
afetar a economia. Afinal, os restaurantes locais irão ver suas vendas caírem,
o que fará com que eles comprem menos itens de seus fornecedores e demitam
alguns empregados. Os fornecedores e trabalhadores, consequentemente, terão
menos renda pra gastar, o que afetará as vendas em outros setores também.
Entretanto, desde que os
empreendedores envolvidos na indústria de cruzeiros navais antecipem o eventual
aumento na demanda por seus serviços, eles irão contrabalancear exatamente os
efeitos citados acima ao contratarem mais trabalhadores e outros itens para se
prepararem para os atarefados meses de verão. A nova poupança acumulada (que
antes era gasta em restaurantes) leva a uma diminuição da taxa de juros, o que
talvez permita às operadoras de cruzeiros contraírem mais empréstimos para
pagar por um navio adicional. Portanto, a decisão de poupar mais não reduziu a
renda ou o emprego total, uma vez que todos se ajustaram aos novos padrões de
gastos. E não seria diferente em qualquer outro cenário, como um em que
milhares de pessoas se tornam adeptas de uma vida saudável e decidem gastar seu
dinheiro em vegetais ao invés de em fast
food.
Por outro lado, é verdade
que, nas circunstâncias do atual pânico financeiro, os gastos com consumo
caíram por causa do temor e da insegurança, e não por causa de alguma alteração
fundamental no timing do consumo.
Mas, ainda assim, a questão permanece a mesma: as pessoas reduzem o atual nível
de consumo com a intenção de poderem "gastar dinheiro" no futuro. A
diferença entre a nossa atual situação e a história do cruzeiro relatada acima
é apenas que as pessoas nesse momento não estão muito certas sobre quando, e
nem com o quê, irão gastar essa poupança extra.
Todavia, a melhor solução
ainda é impedir o governo de se intrometer e deixar que as pessoas encontrem a
solução dos problemas voluntariamente. A incerteza não é falsa; as pessoas
realmente não sabem o que irá
acontecer no mês seguinte. Nessa situação, é totalmente apropriado que a
economia pare de produzir tantos iPods e outros objetos afins, permitindo que
haja um acúmulo temporário dos recursos utilizados na produção desses itens não
essenciais.
O que é especialmente
irônico em tudo isso é que, mesmo em seus próprios termos, as recomendações de
Krugman não fazem sentido. Quer dizer, mesmo se ignorarmos todos os reais
ajustes físicos que devem acontecer para se reformar a economia à luz do
insustentável boom imobiliário, ainda seria o caso de se defender que o governo
não faça nada. Se a atual crise de fato fosse, em grande medida, o resultado de
um pânico irracional e de um entesouramento, então um ativismo governamental
iria apenas deixar as pessoas mais
incertas sobre o futuro. Em particular, ninguém faz qualquer idéia do que a
dupla Paulson & Bernanke irá anunciar amanhã em relação a empresas
financeiras e hipotecas. Se a intenção é tranqüilizar os consumidores de que
tudo está normal, por que querer ressuscitar as ferramentas do manual de
estratégias do New Deal?
Há mais uma contradição
que deveríamos mencionar. A essência do paradoxo da poupança e da armadilha da
liquidez é a percepção de que as empresas não irão expandir suas operações se
não houver demanda para seus produtos. Mas se Krugman e outros keynesianos são
capazes de ver que a interrupção do consumo é apenas temporária, então os
empresários do setor também o são. E para aqueles setores em que a interrupção
dos gastos não é temporária -- por
exemplo, construtores da casas atualmente estão tendo vendas muito baixas, e
isso não se deve a um entesouramento irracional da parte dos consumidores --,
então os gastos do governo com o intuito de "preencher o vazio"
somente irão deturpar as coisas ainda mais.
Uma produção sustentável
de longo prazo é aquela em que os produtos das empresas emergem do fluxo de
produção exatamente quando os consumidores querem comprá-los. Os preços de
mercado e o sistema de lucros e prejuízos fornecem a melhor maneira de permitir
que os empresários façam essas previsões. Se o governo começar a comprar,
digamos, máquinas de fotocópia, mesmo que não precise delas, isso pode de fato
criar empregos temporários em algumas empresas, mas os proprietários sabem que
não podem confiar nessa demanda porque ela está sujeita a caprichos políticos.
Portanto, os esforços do governo irão apenas confundir os empresários que estão
tentando configurar sua capacidade produtiva para atender a demanda futura.
Conclusão
Em sua discussão sobre o "paradoxo da poupança", Paul Krugman comprova que ele não é um economista -- ou, pelo menos, não é um muito bom. Suas recomendações políticas são baseadas em um modelo keynesiano em que não se considera o tempo e nem a estrutura do capital de uma produção. As recessões são, na realidade, causadas por desarranjos nessa estrutura inacreditavelmente complexa -- desarranjos esses causados pela intervenção governamental, principalmente na área monetária --, e é necessário haver um período de produção abaixo do normal para que essa estrutura se conserte a si própria. E o que é mais importante: os consumidores estão fazendo a coisa certa quando aumentam sua poupança durante uma recessão. Se acabar com uma recessão fosse tão simples quanto colocar as pessoas para gastar, então recessões não seriam algo tão recorrente.
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