Como os keynesianos sequestraram o helicóptero de Milton Friedman
Meu professor de apologética no seminário foi Cornelius Van Til. A apologética é a defesa filosófica da fé cristã. Van Til era tão perspicaz quanto Friedman. Ele possuía um grande conjunto de metáforas em seu arsenal retórico. A minha favorita era a metáfora da serra circular. Ele dizia o seguinte: "Você pode ter a mais afiada das serras circulares; mas se você a utilizar em um ângulo errado, ela jamais fará um corte certeiro."
No campo da teoria monetária, Milton Friedman era uma serra circular posicionada em um ângulo torto. Jamais cortava corretamente.
Friedman descrevia a distribuição da moeda fiduciária em termos de uma metáfora: um helicóptero cheio de papel-moeda saía jogando dinheiro para a população logo abaixo. Ele utilizou essa metáfora em um capítulo intitulado "O Mistério do Dinheiro". Trata-se do capítulo 2 de seu livro de 1994, Money Mischief. Seu objetivo neste capítulo era mostrar que dinheiro gratuito jogado dos céus, de maneira contínua, aumentaria os preços. Ele introduziu a metáfora na página 29.
O que a metáfora não mostra é exatamente aquilo que a teoria monetária da Escola Austríaca enfatiza: este dinheiro recém-criado é introduzido em pontos específicos da economia. Ele não entra uniformemente em todos os setores da economia. O Banco Central cria dinheiro do nada e utiliza este dinheiro para comprar títulos em posse do sistema bancário. Os bancos, por conseguinte, utilizam este dinheiro para conceder empréstimos. É assim que o dinheiro entra em circulação.
Um dos primeiros clientes a receber este dinheiro é o governo federal, que está sempre incorrendo em déficits -- e, logo, está sempre pedindo empréstimos. O governo federal recebe este dinheiro antes de todo mundo e o gasta. Aquelas pessoas e empresas que consequentemente recebem este dinheiro são privilegiadas, pois podem gastá-lo antes de todas as outras pessoas, quando os preços ainda não subiram. Ao gastar esse dinheiro, os preços começam a subir. Mas, como é possível notar, os preços não sobem uniformemente. E, caso a produção da economia esteja aumentando, os preços podem até nem mesmo subir. Mas o que está sempre subindo são os gastos do governo. Este fato -- e não os efeitos da criação de dinheiro sobre o nível geral de preços -- deve ser o cerne de qualquer análise correta sobre o Banco Central e seu poder de criar dinheiro do nada. Tal fato é discutido unicamente pelos economistas seguidores da Escola Austríaca.
Friedman nunca admitiu que este processo de gastos sequenciais fosse relevante. Ele, assim como seu mentor intelectual Irving Fisher, conscientemente rejeitou a abordagem analítica austríaca. Qual é essa abordagem? A mesma do roteiro do filme Todos os Homens do Presidente: "Siga o dinheiro".
Irving Fisher publicou seu livro sobre teoria monetária em 1911. Ludwig von Mises o refutou com seu livro de 1912, The Theory of Money and Credit. Fisher nunca respondeu explicitamente a Mises. Mas seus respectivos discípulos travaram várias batalhas. Murray Rothbard repetidas vezes criticou Friedman em relação a este mesmo ponto. Friedman jamais respondeu explicitamente a Rothbard.
Friedman sempre disse preferir a precificação feita pelo livre mercado. Mas sempre houve esta reluzente exceção: a precificação do dinheiro. Sua metáfora do helicóptero se tornou uma poderosa ferramenta retórica para persuadir outras pessoas em relação aos seus argumentos contra a precificação da moeda feita pelo livre mercado. Ele passou toda a sua carreira tentando solapar a ideia de um livre mercado no âmbito monetário (moedas de ouro) e de um sistema de preços baseado nele. Ele se tornou uma figura pública com seu livro de 1961, Capitalismo e Liberdade. O capítulo 3 é todo sobre dinheiro. Ele já começa o capítulo com uma rejeição do padrão-ouro puro, baseado no uso de moedas de ouro.
Os keynesianos pilotam o helicóptero
Desde o início, os keynesianos adoraram a metáfora friedmaniana do helicóptero cheio de dinheiro de papel. Por quê? Porque esta metáfora retratava o Banco Central como uma ofertante de bens gratuitos. Os keynesianos compreenderam aquilo que os economistas austríacos já sabiam: havendo um Banco Central sempre pronto para comprar títulos dos bancos, o governo federal torna-se capaz de vender seus títulos para o sistema bancário a juros menores do conseguiria sem um Banco Central. Isso permite ao governo gastar mais dinheiro do que o total que arrecada por meio de impostos e de empréstimos junto ao setor privado.
Eis aqui uma lei básica da economia: tudo o mais constante, quando o preço de um bem diminui, uma maior quantia é demandada. Dinheiro fiduciário emitido por um Banco Central permite ao governo adquirir mais poder e influência sobre toda a economia. Dinheiro fiduciário criado pelo Banco Central é um grande subsídio ao governo federal.
Keynesianos acreditam que o governo pode e deve aumentar seus gastos -- isto é, sua aquisição de bens e serviços. Friedman sempre disse que o governo não deveria poder fazer isso com muito frequência -- e que, quando o fizesse, que fosse de maneira eficiente (por exemplo, por meio da emissão de vouchers para a educação). Mas Friedman ignorou o óbvio: o poder de criar dinheiro fiduciário reduz os custos do endividamento do governo. O governo poderá se endividar a juros cada vez menores. Isso significa que o Banco Central fornece poder e influência para o governo a um custo muito baixo. O governo irá sempre demandar mais dinheiro a juros cada vez mais artificialmente baixos, pois isso amplia o âmbito e o alcance das operações do governo.
Este foi o cerne do erro analítico de Friedman, que durou toda a sua vida. E esse erro caiu como uma luva para os keynesianos. Eles hoje sabem perfeitamente qual é o maior benefício de existir um Banco Central: a instituição fornece dinheiro extra e quase gratuito para o governo incrementar seus gastos.
Friedman tentou reduzir a ênfase dada a esse aspecto do arranjo. Ele passou a promover a ideia de uma inflação monetária constante, com a oferta monetária crescendo a uma taxa anual fixa, em torno de 3 a 5% ao ano. Segundo ele, essa seria uma forma de manter o "motor" da economia funcionando suavemente. Para Friedman, o lubrificante necessário para a economia -- metáfora minha, e não dele -- era o dinheiro. Ele realmente acreditava que o dinheiro poderia ser ofertado pelo Banco Central a custo zero.
Ele adquiriu sua reputação por meio de um livro escrito a quatro mãos, A Monetary History of the United States (1963). Nele, Friedman e Anna Schwartz culpam o Federal Reserve pela Grande Depressão. Por quê? Porque o Banco Central americano não inflacionou o bastante para socorrer 9.000 bancos e com isso interromper a contração do M1. Os bancos quebraram e o M1 entrou em deflação. Para os keynesianos, essa teoria foi um maná ideológico caído dos céus. Essa foi a ideologia anticapitalista gratuitamente jogada por Friedman de um helicóptero: culpar um banco central por não ter produzido uma inflação de preços adequada e por não ter inflacionado a moeda o necessário para permitir um aumento dos gastos do governo.
Friedman, portanto, acreditava em um almoço grátis nesta área da economia. Essa sua teoria deu o tom a todas as suas análises econômicas. Foi ela também que lhe garantiu o Prêmio Nobel.
E ele estava completamente equivocado.
Superando a deflação de preços
Os 9.000 bancos quebraram porque o seguro federal sobre depósitos (Federal Deposit Insurance Corporation, de 1934) ainda não havia sido criado. Os correntistas tiraram seu dinheiro dos bancos e não o redepositaram. Isso levou à falência de milhares de bancos, o que criou uma deflação monetária. O processo de reservas fracionárias foi implodido.
Durante este período, o Fed inflacionou a base monetária com o intuito de impedir este fenômeno, ao contrário dos relatos de Friedman e Schwartz. O que aconteceu é que, de 1931 a 1933, os correntistas americanos frustraram os planos do Fed. Um gráfico produzido pela sucursal do Fed de St. Louis deveria para sempre silenciar aqueles economistas que creem que Friedman e Schwartz provaram a "complacência" do Fed. Mas não irá, é claro. A história contada por Friedman e Schwartz é conveniente demais para ser utilizada como ferramenta de pressão para novas rodadas de inflação monetária. Friedman e Schwartz escreveram o livro mais importante da história a favor da inflação monetária, pois os meios acadêmicos acreditam universalmente nele. A única seção do livro que sempre é citada pelos economistas convencionais é a seção sobre as ações do Fed no início dos anos 1930. A história é analítica e historicamente mentirosa. Eis aqui os fatos.
Friedman ignorou o que deveria ser discutido: a política adotada pelo Federal Reserve, de 1926 a 1929. Foi isso que o livro de Murray Rothbard, também publicado em 1963, discutiu: A Grande Depressão Americana.
Em sua seção sobre jogar dinheiro do helicóptero, Friedman não discutiu nem governo e nem tributação, mas os keynesianos já haviam entendido tudo. Em última instância, dado que os Bancos Centrais compram os títulos da dívida do governo, a expansão monetária feita pelo Banco Central resulta em um aumento dos gastos do governo sem que seja necessário um aumento da tributação. Esta é a grande implicação de posição de Friedman. E os keynesianos adoraram. (Em 1963, os keynesianos simbolicamente convidaram Friedman para entrar no establishment acadêmico profissional por causa de seu livro. Antes disso, ele era um pária.)
E a inescapável implicação dessa posição -- a expansão do tamanho do estado por meio da inflação monetária -- foi explicada claramente por Murray Rothbard em seu livro What Has Government Done to Our Money?:
A invenção do dinheiro, embora uma bênção para a espécie humana, também abriu um caminho mais sutil para a expropriação governamental. No livre mercado, a moeda pode ser adquirida de duas formas: ou o indivíduo produz e vende bens e serviços desejados por terceiros, ou ele se dedica à mineração de ouro (um negócio tão lucrativo como outro qualquer, no longo prazo). Mas se o governo descobrir maneiras de se envolver em falsificação -- na criação de nova moeda do nada --, então ele poderá, rapidamente, produzir o próprio dinheiro sem ter o trabalho de vender serviços ou garimpar ouro. Ele poderá, então, se apropriar maliciosamente de recursos e quase sem ser notado, sem suscitar as hostilidades desencadeadas pela tributação. De fato, a falsificação gera, nas próprias vítimas, a feliz ilusão de incomparável prosperidade.
É evidente que a falsificação não é senão outro nome para a inflação -- as duas criam novo "dinheiro" que não é ouro ou prata, e ambas funcionam do mesmo modo. E agora vemos por que os governos são inerentemente inflacionários: porque a inflação é um meio poderoso e sutil para o governo adquirir recursos do público, uma forma de tributação indolor e bem mais perigosa.
O que se vê e o que não se vê
Em 1850, Frédéric Bastiat nos alertou a, sempre que fossemos fazer uma análise econômica, prestarmos atenção às coisas que não víamos. Ele utilizou a metáfora da vidraça quebrada e os gastos que tal acontecimento gera. Temos de pensar no que está acontecendo ao longo de todo o processo, ele disse. A vidraça quebrada altera o padrão de gastos. Ela reduz investimentos em bens e serviços que eram de alta prioridade antes de a vidraça ser quebrada e aumenta os gastos na nova prioridade: reparar a vidraça quebrada. O homem cuja vidraça foi quebrada sofreu uma perda. Logo, disse Bastiat, não pode ser válido um argumento que afirma que os gastos com o conserto de vidraça produzem um benefício pessoal líquido para o sujeito. Sendo assim, se não houve um benefício pessoal líquido, também não pode ter havido um benefício social líquido. Este é o âmago de sua análise.
Aplicando este mesmo princípio a um helicóptero que joga dinheiro lá de cima, a alteração no padrão de gastos que tal fenômeno gera -- do setor privado para o setor estatal -- não pode, ipso facto, ser tida como geradora de um benefício social líquido. Ao contrário, ela tem de ser considerada como geradora de uma perda social líquida.
Friedman nunca falou nada a respeito disso. Ele sempre dizia que havia algum tipo de regra jurídica teoricamente válida que poderia ser aplicada pelo governo para proibir este uso indevido do helicóptero, isto é, para impedir a expansão dos gastos do governo para além do que (1) os pagadores de impostos estão dispostos a aceitar e (2) os emprestadores privados estão dispostos a financiar a juros baixos. Tal raciocínio implicava ser confiável colocar raposas para tomar conta do galinheiro. (Todos nós adoramos metáforas, não?) A ideia era ilógica desde sua criação, e, ainda assim, este homem brilhante jamais se dispôs a encarar abertamente sua total absurdidade.
De 1963 até sua morte em 2006, Friedman jamais publicou a seguinte mensagem:
Os keynesianos utilizaram inapropriadamente minha tese sobre a Grande Depressão. Eles defenderam uma expansão monetária empreendida pelo Banco Central e pelo sistema bancário com o intuito de contrabalançar uma deflação de preços e uma depressão econômica. Eu também. Eles culparam o Fed, 1930-33, por não ter inflacionado o bastante. Este foi exatamente o meu argumento, e a Dra. Schwartz forneceu várias estatísticas para provar. Mas eu não me responsabilizo de forma alguma pela expansão dos gastos governamentais ocorrida desde 1933. Nada. Nem um fiapo. Minhas mãos estão limpas.
Os keynesianos defendem mais gastos governamentais. Eu não. Sim, é verdade que, dado que o Banco Central expande a base monetária ao comprar títulos do Tesouro em posse do sistema bancário, isso necessariamente estimula o aumento dos gastos do governo. Mas isso não é culpa minha. O Banco Central poderia igualmente, e com a mesma facilidade, comprar títulos emitidos por empresas. Eu nunca recomendei isso, e simplesmente não é justo utilizar a minha teoria e as evidências históricas fornecidas pela Dra. Schwartz para justificar uma expansão governamental. Repudio toda e qualquer responsabilidade por qualquer expansão ocorrida nos governos federais.
Ele deveria ou ter publicamente adotado esta obviamente implausível linha de raciocínio, ou ter admitido que ele e Schwartz eram culpados da acusação. Mas ele nunca o fez.
Conclusão
A metáfora do helicóptero distribuindo dinheiro de papel serve aos propósitos dos keynesianos e dos monetaristas. Mas ela não é uma metáfora correta. Tampouco ela é relevante para o real processo da inflação monetária.
A metáfora correta seria a de um homem carregando uma grande valise de dinheiro. Este "homem da valise" atua como agente da máfia. Ele carrega em sua valise várias cédulas de dinheiro para subornar políticos corruptos.
A máfia seria o sistema bancário de reservas fracionárias, que nada mais é do que um cartel protegido pelo Banco Central. E o Banco Central seria, portanto, o homem da valise. Ele suborna os políticos: compra títulos do Tesouro com dinheiro criado do nada (o mesmo que falsificação).
Milton Friedman foi o agente operacional que fornecia a teoria que respaldava o homem da valise dos grandes bancos comerciais: sua função era a de passar a ideia de que era possível reformar o Banco Central. Ele subornou os porta-vozes dos políticos, os keynesianos, com a moeda na qual estes negociam: fórmulas matemáticas e várias notas de rodapé. Ele foi saudado como um desbravador econômico pelos keynesianos por causa deste seu crucial serviço ideológico.
Em contraste, Rothbard e Mises, por terem defendido que um padrão-ouro puro faria o serviço de precificação de livre mercado sem qualquer tipo de intervenção econômica, passaram toda a sua carreira como profetas, gritando sozinhos na imensidão do deserto.
Veja também:
Por que o Banco Central é a raiz de todos os males
Depressão com deflação ou depressão com hiperinflação - a escolha da Europa e dos EUA
Comentários (66)
Deixe seu comentário