Nem esquerda, nem direita
A maioria das pessoas sempre parece estar à procura de termos simplistas e simplificadores, de generalizações cômodas e convenientes, pois ajudam em seus discursos e definições. Estes termos servem para substituir definições longas e tediosamente complexas. No entanto, é essencial ter cuidado ao escolher estes termos, pois é comum que tais simplificações gerem truques semânticos e produzam um desserviço para aqueles que as utilizam. Receio ser esse o caso dos termos "esquerda" e "direita" quando utilizados por libertários que, como espero demonstrar, não estão nem à esquerda e nem à direita no que concerne ao espectro ideológico aceitável de nossa era.
"Esquerda" e "direita" descrevem, cada uma, posições autoritárias. A liberdade não possui relação horizontal com o autoritarismo. A relação do libertarianismo com o autoritarismo é vertical; está muito acima dessa podridão de homens escravizando indivíduos. Mas vamos começar do início.
Houve uma época em que "esquerda" e "direita" eram denominações apropriadas e nada imprecisas para diferenças ideológicas. Os primeiros esquerdistas foram um grupo de recém-eleitos representantes para a Assembléia Nacional Constituinte da França, no início da Revolução Francesa, em 1789. Eles foram rotulados "esquerdistas" simplesmente porque, por acaso, estavam sentados do lado esquerdo da câmara legislativa francesa.
"Os legisladores que estavam assentados do lato direito eram chamados de Partido da Direita, ou Direitistas. Os Direitistas ou 'reacionários' defendiam um governo nacional altamente centralizado, leis especiais e privilégios para sindicatos e vários outros grupos e classes, monopólios estatais sobre os setores estratégicos e básicos para a vida, e uma continuação dos controles governamentais sobre preços, produção e distribuição." -- Dean Russell, The First Leftist [Irvington-on-Hudson, N.Y.: Foundation for Economic Education, 1951], p. 3.
Os esquerdistas da época eram, para todos os propósitos práticos, ideologicamente similares àqueles que hoje podem ser chamados de "libertários". Já os direitistas representavam o oposto ideológico: estatistas, intervencionistas -- em suma, autoritários. "Esquerda" e "direita" na França, durante o período 1789-90, eram termos que apresentavam, ao mesmo tempo, uma conveniência semântica e um alto grau de acurácia.
Mas aí vieram os autoritários Jacobinos, e o termo "esquerdista" foi rapidamente expropriado por eles, passando a ter um significado oposto. "Esquerdista" passou a ser sinônimo de igualitarista, sendo depois associado às vertentes do socialismo marxista: comunismo, socialismo, fabianismo. O que ocorreu, então, com o termo "direitista"? Onde ele caberia agora, após essa reviravolta semântica do termo "esquerdista"? Os camaradas de Moscou se encarregaram dessa tarefa, e em proveito próprio: qualquer coisa que não fosse comunista ou socialista foi decretada e propagandeada como "fascista". Logo, qualquer ideologia que não coubesse integralmente dentro do rótulo comunista (esquerda) passou a ser popularmente denominada de fascista (direita).
Eis a definição de fascismo segundo o dicionário Webster: "Qualquer programa visando à criação de um regime nacional centralizado e autocrático, com políticas severamente nacionalistas e que exerça um intenso programa de arregimentação da indústria, do comércio e das finanças, com rígida censura e enérgica supressão da oposição".
Qual é, na prática, a diferença entre comunismo e fascismo? Ambos são formas claras de estatismo e autoritarismo. A única diferença entre o comunismo de Stalin e o fascismo de Mussolini é um insignificante detalhe na estrutura organizacional. Mas um é "esquerda" e o outro é "direita"! Sendo assim, onde tudo isso deixa o libertário em um mundo em que os termos foram definidos por Moscou? O libertário é, na realidade, o oposto do comunista. No entanto, se o libertário empregar os termos "esquerda" e "direita", ele estará caindo na armadilha semântica de se tornar um "direitista" (fascista) pelo simples fato de não ser um "esquerdista" (comunista). Isso seria um suicídio semântico para os libertários, um invento artificioso que excluiria automaticamente sua existência. Ao passo que comunistas e socialistas continuarão utilizando essa definição, há vários motivos para os libertários evitá-la.
Um enorme problema que surgirá caso o libertário opte por utilizar a terminologia esquerda-direita é a grande tentação que tal postura cria para se aplicar a doutrina do meio-termo. Durante aproximadamente vinte séculos, o homem ocidental aceitou a teoria aristotélica de que a posição sensata é aquela entre quaisquer dois extremos, que hoje é conhecida politicamente como a posição moderada, conciliatória, a terceira-via, ou simplesmente o centro. Se os libertários utilizarem os termos "esquerda" e "direita", eles estarão se anunciando como sendo de extrema direita pela simples virtude de estarem extremamente distantes em suas crenças do comunismo. Mas "direita" é um termo que passou a ser exitosamente identificado com o fascismo. Portanto, cada vez mais pessoas são levadas a crer que a posição sensata seria em algum lugar entre o comunismo e o fascismo, uma vez que ambos significam autoritarismo.
Só que a doutrina do meio-termo não pode ser aplicada indiscriminadamente. Por exemplo, ela é sensata o bastante quando se está decidindo entre, de um lado, o jejum total e, do outro, a gulodice. Mas ela é evidentemente insensata quando se quer decidir entre não roubar nada ou roubar $1.000. O meio-termo recomendaria roubar $500. Logo, o meio-termo não é mais sensato ou racional quando aplicado para comunismo e fascismo (dois rótulos para o mesmo autoritarismo) do que quando aplicado para dois tipos de roubo. O libertário não pode querer nada com "esquerda" ou "direita" simplesmente porque ele desdenha qualquer forma de autoritarismo -- o uso do aparato estatal para tolher e controlar a criatividade e o empreendedorismo do indivíduo.
Para ele, comunismo, fascismo, nazismo, fabianismo, assistencialismo -- todos formas de igualitarismo -- cabem na descrição definitiva que Platão, talvez cinicamente, nos forneceu séculos antes de qualquer um desses sistemas coercivos terem se desenvolvido:
O maior de todos os princípios é o de que ninguém, homem ou mulher, deve prescindir de um líder. Nem deverá a mente de um indivíduo habituar-se a deixá-lo fazer qualquer coisa nem por iniciativa própria, nem por zelo, nem mesmo por prazer. Tanto na guerra quanto na paz, a seu líder ele deve direcionar seus olhos e segui-lo fielmente. E mesmo nos assuntos mais ínfimos ele deve se sujeitar a alguma liderança. Por exemplo, ele deve se levantar, se mover, se lavar ou se alimentar . . . somente se tiver recebido ordens para tal . . . Em suma, ele deverá ensinar sua alma, por meio do hábito e da prática reiterada, a nunca sonhar agir de forma independente. Com efeito, deve ensiná-la a se tornar totalmente incapaz disso.
Pairando sobre a degradação
Os libertários rejeitam esse princípio e, ao fazê-lo, não se colocam nem à direita e nem à esquerda dos autoritários. Eles, assim como os espíritos humanos que libertariam, ascendem -- estão acima -- sobre esta degradação. Sua posição no espectro ideológico, se fossemos usar analogias direcionais, seria acima -- como um vapor que se separa do esterco e sobe a uma atmosfera saudável. Se a idéia de extremismo for aplicada a um libertário, que seja baseada em quão extrema é a sua oposição às crenças e tentações autoritárias.
Estabeleça este conceito de emersão, de libertação -- o qual é o próprio significado do libertarianismo --, e o significado da doutrina do meio-termo passará a ser inaplicável, pois não é possível haver uma posição de meio caminho entre o zero e o infinito. E é absurdo sugerir que possa haver.
Qual termo simples os libertários deveriam aplicar para se distinguirem das variedades de "esquerdistas" e "direitistas"? Não consegui inventar nenhum, mas até que eu consiga, contento-me em dizer que "sou libertário", e estou disposto a explicar a definição do termo a qualquer pessoa que procure significados em vez de rótulos.
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