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Economia

O economista e os monopólios

14/07/2012

O economista e os monopólios

A denúncia dos males provocados pelos monopólios sempre foi uma das tarefas centrais da teoria econômica. A despeito disso, o economista moderno defende com surpreendente frequência esquemas que envolvem monopólios. Como isso é possível?

Por que tão poucos economistas preferem mercados livres a privatizações acompanhadas de regulação rígida? Se de fato as firmas não têm interesse em ofertar bens ditos públicos, por que tanto zelo em proibir que elas tentem? Por que os economistas se irritam tanto diante da simples menção à proposta de Hayek de introduzir competição na esfera monetária? Por que tanta relutância para aplicar a teoria de monopólio na atividade política e estatal?

Existem várias causas para esse fenômeno, algumas das quais explorarei neste artigo. Argumentarei que certos aspectos da evolução da teoria econômica fizeram com que o monopólio passasse a ser considerado, na visão dos economistas, um predador banguela, na medida em que a teoria econômica moderna alimenta a impressão de que os monopólios poderiam ser satisfatoriamente regulados e utilizados para melhorar o desempenho que seria obtido em mercados livres "imperfeitos".

Em termos mais específicos, destacarei duas características da teoria microeconômica que sustentam a ilusão de monopólios domáveis pela regulação: (i) a crença de que as curvas de custos da teoria de equilíbrio estático teriam contrapartidas literais no mundo real, de modo que poderiam ser estimadas empiricamente e (ii) a crença de que essas curvas de custo seriam invariantes em relação à estrutura de mercado, ou seja, o conhecimento a respeito das formas mais baratas de produzir um bem não dependeria da existência de um grau maior ou menor de competição.

Em termos mais gerais, essas duas características são derivadas (a) do gradual abandono de uma concepção de competição associada à ideia de rivalidade em favor de outra calcada na noção de equilíbrio, (b) do gradual abandono de uma concepção institucionalista de economia em favor de outra calcada na busca pela especialização técnica e (c) do gradual abandono de uma concepção metodológica que interpretava as relações teóricas como entidades abstratas em favor de outra calcada na busca de conceitos empiricamente operacionais.

Em termos mais abstratos, essas três tendências são redutíveis a uma só: o progressivo domínio da visão de mundo positivista na Economia. Para que essas afirmações todas sejam entendidas e discutidas, façamos o caminho de volta: examinarei inicialmente as tendências (a), (b) e (c) ao longo do desenvolvimento da teoria de competição e monopólio e em seguida criticarei as características (i) e (ii).

Ao longo da evolução da teoria, a variação no tratamento dado ao monopólio reflete a mudança gradual que sofreu a noção de competição: de processo de rivalidade empresarial a uma alocação de equilíbrio eficiente, obtida sob as hipóteses de produto homogêneo, livre entrada e conhecimento perfeito.[1]

Durante o período da escola clássica, a partir de Adam Smith, a crítica aos monopólios tratava em larga medida de monopólios legais: as regulações impostas pelos governos, tanto no comércio exterior quanto nos mercados internos de cada país, refletiam a busca por privilégios monopolísticos, que bloqueavam a atividade competitiva. Esta última, por sua vez, era essencialmente vista como a atividade pela qual os empresários rivalizavam entre si na tentativa de lucrar com sua produção oferecida aos consumidores.

Depois da revolução marginalista de 1871, a compreensão de como isso é feito foi aprofundada: a nova teoria do valor mostrou como os recursos escassos de uma sociedade tendem a ser alocados às necessidades mais urgentes, com o auxílio do sistema de preços. Essa nova concepção apenas reforçou a visão clássica de competição: em um mercado competitivo os empresários são livres para sugerir aos consumidores diferentes usos possíveis dos limitados recursos e o lucro é a recompensa aos empresários que melhor antecipam as soluções que geram mais valor do que o custo de oportunidade dos recursos empregados. O monopólio, como antes, é associado às restrições impostas pela regulação estatal ao processo competitivo de experimentação e não pela busca de equilíbrios competitivos eficientes. De fato, como relata DiLorenzo[2], a implementação da legislação antitruste nos Estados Unidos no final do século dezenove não refletiu a opinião dos economistas do período, que não consideravam a mera concentração de firmas em um instante do tempo ou outras coisas que viriam a ser violações a lei antitruste como ameaças ao processo rival de competição.

A partir da década de trinta, porém, com a formalização da Economia, a preocupação exclusiva com a descrição do equilíbrio competitivo fez com que aatividade competitiva fosse ignorada. A competição deixou de ser um verbo para descrever um estado: um mercado competitivo seria aquele caracterizado pelo preço igual ao custo marginal de produção. Com isso, os economistas deixaram de perceber que os dados descritos pela teoria de equilíbrio não existiriam sem a atividade competitiva que antecede o equilíbrio. Práticas como publicidade ou a experimentação com qualidade e preços, antes vistas como parte essencial do processo competitivo, passaram a ser vistas como sinais de atividade anticompetitiva. A visão clássica de competição, abandonada a partir de então, sobreviveu na teoria moderna apenas entre os austríacos, que não aderiram a revolução formalista na disciplina.

O formalismo moderno, por outro lado, favoreceu o abandono de uma visão de mundo institucionalista que caracterizava a economia até então. A obtenção de alocações eficientes nos mercados passou a ser vista como um problema técnico. Isso permitiu que economistas pudessem ignorar o entorno institucional, como se este fosse uma questão à parte do problema técnico de encontrar soluções alocativas eficientes. Confiar a uma instituição estatal, monopolista, a tarefa de regulação do monopólio deixou então de soar paradoxal.

Finalmente, associado a esse tecnicismo temos o abandono da postura filosófica tradicional a respeito da natureza da teoria econômica, em favor de uma interpretação positivista dessa ciência. Para autores como Mill, Senior, Menger, Keynes (pai e filho) ou Hayek, representantes da tradição antiga, as relações entre as variáveis da teoria não representam grandezas observáveis na prática, mas apenas relações abstratas, que desconsideram todas as outras variáveis que influenciam o fenômeno complexo concreto estudado pela economia. Para esses autores, a teoria pura teria caráter puramente "algébrico"[3], na medida em que nunca poderíamos substituir valores concretos nas fórmulas.

Nessa ótica, tudo o que um economista quer dizer quando afirma que uma curva de custo médio de curto prazo tem forma de U é que, em uma determinada planta industrial de tamanho fixo, produzir nela apenas algumas unidades ou uma quantidade muito grande seria muito caro (pois o custo fixo médio seria alto no primeiro caso e o custo variável médio seria alto no segundo), de modo que existe uma quantidade intermediária que é produzida a custo unitário menor. Isso não significa, no entanto, que possamos conhecer a forma concreta da curva, digamos, por uma auditoria. Hayek nota que o economista moderno tende a confundir o conhecimento abstrato do teórico com o conhecimento prático do agente, ignorando o fato trivial de que minimizar custos é uma batalha diária. Na verdade, não existiria algo como "a" função de produção do setor e portanto uma relação bem conhecida denominada função custo: a cada instante os dados locais se alteram, de modo que, se o gerente ligasse o "piloto automático" e saísse de férias, as curvas de custo rapidamente se deslocariam para cima!

A partir da década de trinta, porém, influenciados por uma visão operacionalista de ciência, as grandezas econômicas passaram a fazer sentido apenas quando mensuráveis em princípio. Temos então economistas sugerindo que o estado, por meio de mandamentos centrais, regule o comportamento das firmas de forma a emular o equilíbrio competitivo, ordenando que as firmas produzam até que o custo marginal (CMg) se iguale ao preço. Mas, pergunta Hayek, como as firmas conheceriam o custo que prevaleceria em competição, se o processo competitivo necessário para que isso fosse conhecido foi bloqueado pela regulação? Nesse ponto, o analista moderno, por falta de sofisticação filosófica, comete uma petição de princípio: supõe conhecido de início a própria solução do problema alocativo.

Esse erro ignora a assimetria entre explicação e previsão no que se refere à análise de fenômenos complexos: quando a tarefa era explicar o funcionamento dos mercados, podemos utilizar as curvas usuais na interpretação algébrica. Quando a tarefa é substituir ou regular os mercados, porém, é necessário que tais curvas sejam interpretadas de forma operacional. As duas interpretações metodológicas contrárias, porém, convivem na visão de mundo do economista moderno. Tome como ilustração o problema do controle de preços, ilustrado na figura. Em um mercado competitivo, o economista mostra que um controle de preços não funciona, pois se o preço for fixo em B, por exemplo, a demanda (D) será maior do que a oferta (S). Para o argumento, não importa o conteúdo concreto das curvas de demanda e custos. Afinal, se essas curvas fossem conhecidas, poderíamos dispensar o uso do sistema de preços! Só faz sentido a liberdade no mercado porque de fato desconhecemos os custos e benefícios envolvidos.

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Agora, considere no gráfico da direita uma firma monopolista operando em regime de concessão pública. O gráfico ainda é útil para dizer que o preço de monopólio C será superior ao competitivo D, coeteris paribus. O problema surge quando o economista acredita que, como regulador, poderia forçar a firma a operar em D. Isso, como vimos, requer duas ilusões. Em primeiro lugar, reguladores e regulados precisam conhecer as magnitudes envolvidas no mundo real, o que não é possível em um sistema econômico minimamente complexo, cujos fundamentos se alteram a cada instante. Em segundo lugar, é necessário nutrir a esperança de que essa economia seja habitada por anjos que não irão regular o preço em C, maximizando o lucro do monopolista, repartido entre reguladores e regulados. Nem a retomada desse tema clássico pela moderna escola da escolha pública, porém, demove o economista de sua fé na capacidade de controlar (de forma monopolista) os monopólios.

Vista a primeira característica da microeconomia moderna que facilita a crença de que monopólios podem ser domados, a saber, a crença de que as curvas de custo da teoria podem ser observadas na realidade, passamos agora a considerar a segunda, que afirma que os custos não dependem da estrutura de mercado. Essas duas características podem ser ilustrada por meio de uma disparate encontrado em qualquer livro-texto da área: "se o governo fixar o preço de um bem, o monopolista passa a se comportar como se fosse uma firma competitiva, produzindo até que o custo marginal seja igual a esse preço".

Se o governo de fato conhecesse todas as curvas do nosso diagrama da direita, isso teria sentido. Mas por que a análise do diagrama anterior deixou de valer? Se as curvas se alterarem continuamente, poderíamos ter por exemplo um preço fixo menor do que D e teríamos novamente um excesso de demanda. Será que ao longo do tempo teríamos efetivamente alocações mais eficientes?

Além disso, imaginar que os custos unitários de produzir em monopólio seriam idênticos aos custos que ocorreriam sob competição é algo que soa verdadeiramente extraordinário para alguém não comprometido com a teoria, mas é algo necessário para que o dirigismo inerente à visão tradicional seja mantido. Se os custos fossem dados de forma automática, de forma independente da atividade empresarial, poderiam-se expurgar da teoria as características necessárias para que a competição de fato ocorra, como a propriedade privada, que permite a liberdade para experimentar cursos de ação não imaginados anteriormente.

Aqui, entram em contraste as visões austríaca e neoclássica sobre competição. Para a primeira, o mercado funciona como um processo de descoberta e a competição é um estímulo à atividade empresarial que busca novas formas de melhor atender às necessidades dos consumidores. Para a segunda, por outro lado, não existe nada a ser descoberto: os agentes sempre maximizam funções conhecidas e o mercado é apenas um mecanismo de computação. Ao dispensar a função empresarial, relegada a uma análise exógena da inovação, esta concepção burocratiza o funcionamento dos mercados, de modo a abrir caminho para uma análise que ignora os problemas gerados por monopólios dirigidos, tornando possível a crença de que as "falhas de mercado" poderiam ser corrigidas por monopólios regulados.



[1] Para uma excelente história da transformação da noção de competição, ver MACHOVEC, F.M. Perfect Competition and the Trasformation of Economics. Londres: Routledge, 1995.

[2] DiLORENZO, T. The Origins of Antitrust: an interest-group perspective.International Review of Law and Economics, vol. 5, pp. 1985.

[3] HAYEK, F.A. The Theory of Complex Phenomena, in Studies in Philosophy, Politics and Economics, London, UK: Routledge & Kegan Paul. 1967, nota de rodapé 14.


Publicado originalmente no site do Ordem Livre.


Sobre o autor

Fabio Barbieri

Fabio Barbieri é mestre e doutor pela Universidade de São Paulo. Atualmente, é professor da USP na FEA de Ribeirão Preto.

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