Desvalorizar o câmbio estimula o crescimento econômico?
Pensamento popular
De acordo com o pensamento popular, o segredo para o crescimento econômico está na demanda por bens e serviços. Afirma-se que um aumento na demanda por bens e serviços gera crescimento econômico porque tal aumento irá desencadear a produção de bens e serviços. Logo, aumentos ou reduções na demanda por bens e serviços estariam por trás de aumentos e declínios na produção geral da economia. Sendo assim, para manter a economia crescendo, as políticas econômicas do governo têm se concentrar na demanda geral, implementando medidas para estimulá-la.
É fato que parte da demanda por produtos domésticos advém de países estrangeiros. A acomodação desta demanda é rotulada de exportações. Da mesma maneira, os cidadãos locais também exercitam suas demandas por bens e serviços produzidos no estrangeiro, o que é rotulado de importações. Observe que, ao passo que um aumento nas exportações produz uma demanda geral pelos produtos domésticos, um aumento nas importações reduz esta demanda. Donde se conclui que as exportações, sempre de acordo com este pensamento, são um fator que contribui para o crescimento econômico ao passo que as importações são um fator que subtrai do crescimento da economia.
Dado que a demanda internacional pelos bens e serviços de um país é um importante ingrediente na determinação do ritmo do crescimento econômico, faz sentido, segundo este pensamento, fazer com que os bens e serviços produzidos localmente sejam atraentes para os estrangeiros. Uma das maneiras de fazer com que os bens domesticamente produzidos sejam mais demandados por estrangeiros é fazendo com que os preços destes bens sejam mais atraentes para eles.
Por exemplo, imagine que o preço de um saco de batatas no Brasil é de R$10 e de US$10 nos EUA. Imagine também que a taxa de câmbio entre o dólar e o real é de 1:1. À taxa de câmbio de 1 real por 1 dólar, um americano consegue, com US$10, comprar um saco de batatas brasileiras.
Uma das maneiras de os brasileiros estimularem sua competitividade é depreciando o real em relação ao dólar. Suponhamos que, em reação a um anúncio de que o Banco Central brasileiro está disposto a afrouxar sua política monetária, a taxa de câmbio passe para R$2 por US$1. Consequentemente, isto significa que R$10 agora podem ser adquiridos com US$5, o que por sua vez implica que um saco de batatas brasileiras agora custa US$5. Consequentemente, um americano pode agora com US$10 comprar dois sacos de batatas do Brasil em vez de apenas um, como ocorria antes da depreciação do real. Em outras palavras, o poder de compra dos americanos em relação às batatas brasileiras dobrou.
Se aplicarmos o exemplo das batatas para todos os bens e serviços, podemos chegar à conclusão de que, como resultado da depreciação da moeda, tudo o mais constante, a demanda geral por bens produzidos domesticamente tenda a aumentar. Isto, por sua vez, irá gerar um superávit no balanço de pagamentos e, consequentemente, fortalecer o crescimento do PIB. Observe que, para estimular a demanda estrangeira, os brasileiros estão agora oferecendo dois sacos de batatas em troca de um saco de batatas dos EUA. Isto também significa que o preço de um saco de batatas americanas está agora duas vezes mais caro no Brasil em relação a antes da depreciação do real. Muito provavelmente, isto irá reduzir a demanda dos brasileiros por batatas americanas. O que temos até agora, no que concerne ao Brasil, são mais exportações e menos importações, algo que, de acordo com o pensamento convencional, é uma ótima notícia para o crescimento econômico brasileiro.
Igualmente, à taxa de câmbio original de 1:1, uma redução nos preços domésticos das batatas brasileira de R$10 para R$5 também permitiria a um americano trocar seus US$10 por dois sacos de batatas brasileiras. Em suma, mudanças na taxa de câmbio ou mudanças nos preços nos respectivos países irão determinar a chamada 'competitividade internacional', a qual também é rotulada de taxa de câmbio real. Ela pode ser resumida na seguinte fórmula:
Taxa de câmbio real = taxa de câmbio nominal x (preços estrangeiros/preços domésticos)
A taxa de câmbio nominal é a quantidade de moeda nacional necessária para se adquirir uma unidade de moeda estrangeira. Uma desvalorização cambial significa um aumento da taxa de câmbio nominal (aumenta-se o número de reais necessários para se adquirir um dólar).
De acordo com esta expressão, um aumento na taxa de câmbio real (isto é, uma desvalorização do câmbio real) implica um aumento na competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional, e uma redução na taxa de câmbio real (isto é, uma apreciação do câmbio real) significa uma queda nesta competitividade internacional. Donde que, seguindo-se esta equação, uma desvalorização da moeda nacional (uma redução na quantidade de moeda estrangeira necessária para adquirir uma mesma quantidade de moeda nacional) levará a uma desvalorização na taxa de câmbio real e, consequentemente, a um aumento na competitividade internacional.
Já uma queda nos preços estrangeiros levará a uma apreciação da taxa de câmbio real, desta forma reduzindo a competitividade dos produtos brasileiros no exterior. Seguindo-se este raciocínio simples, conclui-se que a desvalorização da moeda nacional -- tudo o mais constante -- é algo benéfico para o crescimento econômico.
Por que estimular exportações por meio da desvalorização da moeda não pode fazer uma economia crescer continuamente
Quando o Banco Central brasileiro anuncia que irá afrouxar a política monetária, isto leva a uma rápida resposta dos agentes do mercado de câmbio: eles irão vender a moeda nacional e adquirir moedas estrangeiras, o que irá levar a uma depreciação da moeda nacional. Em resposta a isso, vários produtores nacionais perceberão que agora está mais atraente aumentar suas exportações. Para financiar este aumento em sua produção, os produtores recorrerão aos bancos, os quais, em decorrência das recentes injeções monetárias feitas pelo Banco Central, concederão crédito a taxas de juros menores.
Fazendo uso deste crédito recém-concedido, os produtores poderão agora adquirir os recursos necessários para expandir sua produção de bens com o intuito de acomodar a crescente demanda estrangeira. Em outras palavras, por meio deste crédito recém-criado, os produtores irão retirar recursos reais de outros setores da economia, desviando-os para si próprios. Enquanto os preços domésticos se mantiverem inalterados, os exportadores irão registrar um aumento nos lucros.
No entanto, este suposto aumento na competitividade gerado pela desvalorização da moeda significa que os cidadãos brasileiros irão agora obter menos bens importados para uma mesma quantidade de bens exportados. Em suma, ao passo que o país está enriquecendo em termos de moeda estrangeira (mais dólares estão entrando no país), ele está empobrecendo em termos de riqueza real, isto é, em termos dos bens e serviços necessários para manter o padrão de vida e o bem-estar das pessoas. A quantidade de bens na economia diminui tanto em decorrência do aumento das exportações quanto em decorrência da diminuição das importações.
À medida que o tempo passa, os efeitos de uma política monetária frouxa começam a fazer um efeito mais generalizado nos preços dos bens e serviços, e, no final, tendem a solapar os lucros dos exportadores. Em suma, um aumento nos preços põe um fim na ilusória tentativa de se criar prosperidade econômica do nada, utilizando apenas manipulações monetárias para este fim. De acordo com Ludwig von Mises
As tão faladas vantagens que a desvalorização proporciona ao comércio exterior e ao turismo se devem inteiramente ao fato de que o ajuste dos preços e salários domésticos ao estado de coisas criado pela desvalorização requer algum tempo. Enquanto este processo de ajustamento não se completa, as exportações são estimuladas e as importações, desencorajadas. Não obstante, isto significa apenas que, neste intervalo de tempo, os cidadãos do país que desvalorizou sua moeda estão obtendo menos em troca do que estão vendendo no exterior, e pagando mais pelo que estão comprando no exterior; o consumo interno, consequentemente, sofre uma redução. Este efeito pode parecer benéfico para aqueles que medem o bem-estar de uma nação pela sua balança comercial. Em linguagem clara, esta realidade pode ser descrita da seguinte forma: o cidadão inglês precisa exportar mais bens ingleses para poder comprar aquela quantidade de chá que corresponderia, antes da desvalorização, a uma menor quantidade de bens ingleses.
Compare esta política de desvalorização da moeda com uma política conservadora na qual a moeda não se expande. Sob estas condições, quando o conjunto da riqueza real do país está se expandindo -- isto é, quando a quantidade de bens e serviços está aumentando --, o poder de compra da moeda nacional irá também aumentar. Isto, tudo o mais constante, levará a uma valorização da moeda. Com a expansão da produção de bens e serviços, e com a queda nos preços e nos custos de produção, os produtores nacionais poderão aprimorar sua competitividade internacional e sua lucratividade nos mercados estrangeiros ao mesmo tempo em que a moeda segue se valorizando.
Por outro lado, quando há uma política monetária frouxa, os ganhos obtidos pelos exportadores são apenas temporários, e se dão à custa de outras atividades da economia, as quais ficam privadas de recursos, como explicado acima. Já quando a política monetária é austera, os ganhos obtidos não se dão à custa de ninguém; eles são apenas a manifestação da criação de riqueza real.
Uma moeda forte, além de permitir aos seus usuários desfrutar mais bens por meio de mais importações, também lhes propicia uma maior qualidade de vida. Viagens internacionais e produtos eletrônicos exóticos se tornam mais acessíveis aos consumidores. Os produtores nacionais, por sua vez, conseguem acesso mais barato a recursos e a bens de capital estrangeiros. Ainda que seus preços de venda no mercado interno se mantenham inalterados -- em decorrência da solidez monetária -- o resultado é que seus lucros tendem a ser maiores.
Igualmente, as exportações também tendem a aumentar. A taxa de câmbio representa apenas uma fatia do custo total que os estrangeiros têm de pagar para importar bens desta economia. Tão importante quanto a taxa de câmbio é o custo deste bem em sua própria moeda nacional. Que diferença faz para o importador dos bens da economia brasileira se, por exemplo, o real está 10% mais barato em relação ao dólar e, ao mesmo tempo, os preços domésticos no Brasil subiram também 10% em decorrência da inflação monetária? O efeito é nulo. Por outro lado, com uma moeda forte permitindo a importação maciça de bens de capital mais baratos, os custos de produção tendem a cair e a produtividade tenda a aumentar, o que irá reduzir os preços internos e, consequentemente, estimular as exportações. É assim que uma moeda forte estimula também o setor exportador.
Conclusão
No mundo atual, os bancos centrais agem coordenadamente, expandindo em sincronia a oferta monetária de seus respectivos países de modo a manter as flutuações das taxas de câmbio o mais estável possível. Obviamente, durante este processo, tais políticas desencadeiam um persistente processo de empobrecimento, pois o consumo não se dá de acordo com a produção de riqueza real.
Adicionalmente, neste arranjo, se um país tentar adquirir uma vantagem passageira por meio da desvalorização de sua moeda -- implantando uma política monetária mais frouxa --, ele conseguirá apenas estimular os outros países a fazer a mesma coisa. Consequentemente, o surgimento de desvalorizações competitivas é a maneira mais garantida de se destruir a economia de mercado e jogar o mundo em um prolongado período de crise.
Sobre isso, Mises escreveu,
Uma aceitação geral dos princípios do câmbio flutuante irá resultar em uma competição maléfica entre as nações, cada uma se esforçando para desvalorizar mais do que a outra. Ao final dessa competição, os sistemas monetários de todas as nações estarão arruinados.
Leia também: Uma moeda forte pode trazer desvantagens para os brasileiros?
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