Regulamentações, desespero e o estado
Lembro-me dos velhos dias da era soviética, os quais para mim tipificam perfeitamente o que significa viver em uma sociedade sob total controle do estado. O governo criou uma revista chamada Vida Soviética, a qual era repleta de fotos de pessoas felizes e saudáveis vivendo vidas ativas e gratificantes. O contraste com a realidade não tinha como ser mais extremo. Emigrantes contavam histórias de uma população desmoralizada buscando refúgio no álcool, nas drogas e no suicídio -- qualquer coisa servia para fugir da tóxica combinação entre padrão de vida em queda acentuada e a ausência de liberdade de escolha devido ao despotismo.
Hoje, todos sabemos que as propagandas do governo soviético eram uma mentira. No entanto, aparentemente ainda não nos demos conta de que esta tragédia humana não é exclusividade de uma sociedade totalmente socializada. Qualquer nação pode chegar a esta situação a passos curtos porém contínuos, aumentando o tamanho do estado e expandindo seu poder e seu alcance ano após ano até ele finalmente se fazer presente em absolutamente todos os aspectos da nossa vida e de nossas atividades diárias.
Em várias economias atuais, já se chegou a um ponto em que é impossível viver fora do escopo do estado. Aonde quer que vamos, temos de lidar com barreiras policiais; burocratas estão por todos os lados impondo leis, criando regulamentações, demandando documentos, proibindo-nos de fazer o que queremos fazer e obrigando-nos a fazer o que não queremos fazer.
A história a seguir ocorreu nos EUA, mas histórias similares podem perfeitamente estar ocorrendo rotineiramente ao redor do mundo.
Trata-se da triste e trágica história de Andrew Wordes, um criador de galinhas que foi levado ao completo desespero em decorrência dos seguidos assédios do governo e acabou se suicidando no mês passado. Seu martírio continua me apavorando. Andrew foi apenas mais um entre milhões de casos de tormentos psicológicos similares causados pelo governo, direta e indiretamente. São eventos completamente evitáveis, os quais infligem terríveis sofrimentos e perdas ao mundo.
Ele era como qualquer um de nós: apenas mais um ser humano vivendo sob o despotismo de nossa era. Ele conseguiu resistir aos assédios do estado enquanto teve os nervos para tal. Porém, em vez de finalmente aquiescer e obedecer, ele decidiu que uma vida que não mais lhe pertencia não valia a pena ser vivida.
É uma história dramática e profundamente triste, e que serve de alerta sobre um pouquíssimo falado custo de se viver em uma sociedade gerida pelo estado: a desmoralização que nos acomete quando não mais estamos no controle de nossas vidas.
Todo o suplício de Andrew começou há apenas alguns anos, quando ele começou a criar galinhas em seu quintal. Sua propriedade era de 1 acre, mas era rodeada de bosques descampados. Ele adorava suas aves, vendia ou até mesmo distribuía de graça seus ovos e gostava de mostrar às crianças seus bichos. Ele era também muito bom neste seu trabalho e, sendo uma pessoa independente, escolheu fazer dessa atividade que amava a sua profissão.
O município, no entanto, começou a contestar essa sua atividade e começou a assediá-lo. Em 2008, o departamento de zoneamento da prefeitura emitiu uma advertência com relação às galinhas em sua propriedade, dizendo que todo o empreendimento deveria ser revisto. Isso foi estranho, pois ele não estava violando absolutamente nenhum regulamento ou lei municipal. Ao contrário, o código municipal especificamente aprovava a criação de galinhas em propriedades com menos de 2 acres. Até mesmo o prefeito, à época, chegou a questionar a postura do departamento. Mas os burocratas foram em frente mesmo assim. Um ano depois, contando com a ajuda do ex-governador do seu estado (Geórgia), Andrew venceu a causa nos tribunais.
Mas aí aconteceu o esperado: a câmara municipal simplesmente reescreveu a lei, abolindo todas as isenções. Os burocratas proibiram mais do que seis galinhas por terreno, e especificaram que todas as galinhas deveriam permanecer dentro de um recinto permanentemente cercado. Andrew tentou então conseguir uma licença para colocar barreiras cercando a sua propriedade, mas como sua casa estava em uma planície aluvial, terreno sujeito a inundações, o município não liberou a aprovação. Em meio a toda esta controvérsia, houve uma enchente que inundou seu terreno e invadiu a sua casa, e ele teve de usar até mesmo uma escavadeira para retirar toda a lama do terreno e, assim, salvar sua propriedade e suas galinhas.
Como era de se esperar, a câmara municipal prontamente emitiu duas intimações judiciais: uma por mover terra sem permissão e a outra pela criação ilegal de galinhas não confinadas. Em seguida, o município se recusou a enviar à FEMA (Agência Federal de Gerenciamento de Emergências) o pedido de Andrew por fundos de emergência para a reconstrução de sua propriedade após esta tempestade (indivíduos sozinhos não conseguem receber este tipo de dinheiro; é preciso um pedido formal do município). Não satisfeitos, os burocratas entraram em contato com a senhora que havia financiado a hipoteca de Andrew -- que era amiga dele e credora de sua hipoteca há dezesseis anos -- e a pressionaram a vender a hipoteca para não ter problemas jurídicos.
Está tendo a impressão de que Andrew estava sendo deliberadamente perseguido? E estava mesmo. E ele sabia disso. Na estrada, a polícia do município (Roswell) repetidamente o mandava encostar o carro para lhe aplicar multas. Isso foi feito inúmeras vezes e pelos motivos mais triviais possíveis, o que servia apenas para lhe gerar ainda mais transtornos. Os carros da polícia ficavam de prontidão em frente à sua casa apenas para segui-lo quando ele saísse de carro. E quando ele não conseguia pagar todas as multas aplicadas (ele já estava praticamente falido após tudo isso), os burocratas simplesmente o fichavam e o jogavam na cadeia. Isso ocorreu várias vezes. Como se não bastasse toda esta provação, a câmara municipal seguiu emitindo várias outras intimações.
Mas a coisa ficou ainda pior. Os planejadores urbanos inventaram um tal "Plano Roswell 2030" que estipulava que haveria um parque exatamente onde estava sua casa. Ao saber disso, Andrew se ofereceu para vender seu imóvel para a prefeitura, mas a oferta foi recusada. Os burocratas claramente queriam forçá-lo a sair dali por meio deste bombardeio jurídico. Não importa que Andrew tenha vencido todas as disputas jurídicas ou tenha conseguido fazer com que todas as intimações não prosperassem -- isso serviu apenas para deixar os burocratas ainda mais furiosos. Com tempo, os burocratas conseguiram uma sentença de condicional, obrigando Andrew a comparecer regularmente à Polícia para prestar esclarecimentos. Esta foi a medida que viria a destruir seu meio de vida.
Certo dia, ele escreveu em sua página do Facebook que iria a um evento político. Enquanto estava fora de casa, suas galinhas foram envenenadas. Também envenenaram todos os seus filhotes de peru, 10 dos quais eram na realidade do prefeito, que era seu amigo. Com isso, Andrew agora havia perdido todo o seu meio de sustento. Em pânico, sem saber o que fazer, ele se esqueceu de fazer a sua visita de rotina à polícia para a checagem da sua condicional. Como consequência desta "violação", foi determinado que ele passasse o resto do período da sua condicional na cadeia, por 99 dias.
Enquanto estava na cadeia, sua casa foi invadida e saqueada. Obviamente, a polícia nada fez. Com efeito, é bem possível que ela tenha aprovado tal ato. Também enquanto estava na cadeia, seu novo credor hipotecário decidiu executar sua hipoteca. Toda a vida de Andrew estava agora destroçada.
O episódio final ocorreu no dia 26 de março deste ano. A polícia foi à sua casa para executar o despejo final. Andrew se trancou dentro da casa e ali permaneceu por várias horas, até que, repentinamente, ele surgiu na porta e, gritando, falou para as autoridades se afastarem de sua casa. Em seguida, ele acendeu um fósforo e a gasolina que ele havia espalhado por toda a casa se encarregou de criar uma gigantesca explosão. O corpo de Andrew ficou totalmente queimado, tornando impossível reconhecê-lo.
Talvez você esteja pensando que Andrew fosse algum desajustado que, por algum motivo, não conseguia levar uma vida normal junto à vizinhança. Ledo engano. Seus vizinhos relataram que ele era o melhor vizinho que alguém poderia ter. Em seu enterro, várias pessoas deram seu testemunho sobre como ele era prestativo, sobre como ele sempre estava disposto a ajudar quando solicitado, sobre como ele consertava as coisas para as pessoas, sobre como ele distribuía ovos pela vizinhança e sobre como ele era incrivelmente generoso para com todos ao seu redor. Escutei uma entrevista sua e o considerei extremamente bem articulado e inteligente.
Confesso que, quando ouvi essa entrevista, lágrimas brotaram dos meus olhos. Este homem representava o coração e a alma de tudo aquilo que fez dos EUA uma grande nação. O estado o perseguiu e o acossou, essencialmente porque alguns burocratas haviam criado um projeto que, para ser implantado, necessitava da exclusão de sua casa. Os burocratas foram adiante com seu plano. Andrew se tornou um inimigo do estado. Desmoralizado, fatigado, deprimido e abatido, ele finalmente descobriu que não havia mais saída. Decidiu pôr um fim à sua vida.
Observe, também, algo que nos leva a uma conclusão tenebrosa: Andrew era amigo e tinha o apoio de altos membros da classe política, dentre eles o atual prefeito e um ex-governador. Atente para o que isto significa: não é a classe política quem comanda as coisas. Como já escrevi inúmeras vezes, políticos vêm e vão. A classe política é apenas o verniz do estado; é apenas a sua face pública. Ela não é o estado propriamente dito. Quem de fato comanda o estado, quem estipula as leis e as impinge, é a permanente estrutura burocrática que comanda o estado, estrutura esta formada por pessoas imunes a eleições. São estes, os burocratas e os reguladores, que compõem o verdadeiro aparato controlador do governo.
É difícil dizer que Andrew tenha tomado a decisão correta. Mas certamente foi uma atitude corajosa -- pelo menos eu creio que foi. Trata-se de uma escolha moral difícil, sem dúvida. Quando o estado vem para tomar tudo o que você construiu durante toda a sua vida e está determinado a arrancar seu coração e sua alma, reduzindo sua vida a nada mais do que um saco de ossos e músculos, e não lhe concedendo o básico direito de fazer o que você ama -- e você realmente não vê nenhuma saída para esta situação --, é possível dizer que você realmente tem uma vida? Andrew decidiu que não.
Cidadãos de qualquer país que tenha um estado intervencionista enfrentam situações similares às que Andrew enfrentou. Eles podem ter o sonho de começar o próprio negócio ou de expandir o atual, mas estão obstruídos -- não por alguma falta de visão ou de iniciativa, mas sim por causa do emaranhado de leis e regras erigido pela política pública. O estado age como um destruidor de sonhos. E ele se torna ainda mais enlouquecedor quando se constata que não há absolutamente nada que o cidadão possa fazer para combatê-lo. Não há nenhuma alternativa.
As condições econômicas desencadeadas pelas políticas governamentais ao redor do mundo contribuíram para um aumento nas taxas de suicídios. A Europa está vivenciando uma epidemia de suicídios naqueles países que foram seriamente afetados pela recessão. Na Grécia, a taxa de suicídios entre os homens aumentou mais de 24% depois que o desastre começou. Na Irlanda, suicídios masculinos cresceram 16%. Na Itália, suicídios por motivações econômicas dispararam 52%.
Mas estes grandes agregados não transmitem o real nível da tragédia vivenciada por cada indivíduo. Eles deixam para trás famílias despedaçadas e comunidades destruídas. Há uma história insuportavelmente triste por trás de absolutamente cada estatística.
A diferença entre a crescente prosperidade gerada por um mercado livre e o desespero econômico gerado pelo governo é realmente uma questão de vida e morte. O governo espalha miséria, desespero e tristeza ao seu redor de maneira direta e indireta. Ser assediado, perseguido e acossado por burocratas e reguladores é uma maneira direta: a pessoa não vê saída para o seu suplício, o que a leva a adotar medidas desesperadas. A maneira indireta resulta da estagnação econômica causada pelo governo: suas políticas que geram ciclos econômicos, durante os quais há um período de forte euforia o qual é inevitavelmente seguido por um período de depressiva recessão; suas políticas anticíclicas que não funcionam (que, aliás, só pioram as coisas); suas regulamentações que enlouquecem as pessoas; e seus impostos e sua inflação, que apenas perpetuam a pobreza.
Por que o estado faz isso? Tudo se resume à sensação de ter controle sobre sua vida. A essência da política e da "arte de governar" é a total ausência de princípios e de liberdade de escolha, principalmente da liberdade de escolher não participar do sistema. E o estado tenta ofuscar estas características -- explícitas para qualquer observador atento -- por meio de vários e complexos programas e políticas.
Porém, uma vez que você adquire a destreza para tais constatações, você se torna capaz de percebê-las em todos os lugares. O semblante das pessoas nas repartições públicas, as enormes filas para atendimento em hospitais públicos e até mesmo os olhares vazios que você vê nas filas dos Correios. Há algo no estado que nos desmoraliza e perverte. Há algo nele que afeta a nossa saúde, a nossa fisionomia e a nossa perspectiva de vida, e que até mesmo leva a tragédias.
Ah, sim, eles vivem nos dizendo que, em um sistema democrático, podemos votar livremente e alterar as coisas. E que, se as coisas estão ruins, é porque foi nossa escolha. Logo, não temos do que reclamar. Se não estamos gostando, podemos mudar nas próximas eleições. Mas é óbvio que isso é um total e rematado escárnio. O governo controla completamente o sistema democrático e o administra de modo a gerar o tipo de resultado que ele quer. Como dizem, se eleições alterassem alguma coisa, o voto já teria sido proibido. Mas cada vez mais pessoas estão atentando para isso, o que explica por que a participação eleitoral vem caindo a cada eleição.
Os grandes pensadores da tradição libertária sempre nos ensinaram que a liberdade e a qualidade de vida são absolutamente indissociáveis. Thomas Jefferson, Frédéric Bastiat, Herbert Spencer, Albert Jay Nock, Ludwig von Mises, Murray Rothbard, F.A. Hayek e vários outros. Eles incansavelmente alertavam que cada passo em direção contrária à liberdade significa uma diminuição do nosso padrão de vida. Hoje, estamos vendo essas profecias se concretizando.
Muito frequentemente, os debates sobre políticas públicas se perdem em questões furtivas. O objetivo não deve ser o de fazer o "sistema" funcionar melhor, ou o de elevar a eficácia do governo, ou mesmo o de fazer um ajuste fino nas regras dentro da burocracia. O que é realmente necessário é que comecemos a falar sobre as questões mais prementes, como a dignidade da pessoa humana, o status moral da liberdade e os direitos e liberdades do indivíduo na sociedade. A expansão do estado não é condenável apenas do ponto de vista da "política pública" ou da "eficiência administrativa"; é condenável simplesmente porque é perigosa para o nosso padrão de vida, para a nossa qualidade de vida, para a nossa saúde e para nossa sanidade.
Matar a liberdade é matar a essência de tudo aquilo que nos torna humanos.
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