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Economia

A política monetária no livre mercado

22/03/2012

A política monetária no livre mercado

A questão fundamental sobre o sistema bancário e a política monetária é se o governo pode aperfeiçoar as instituições monetárias de um mercado livre e desimpedido.  Toda e qualquer intervenção governamental nesta área se resume a esquemas de aumentar a quantidade de dinheiro para além daquela quantidade que existiria sem a intervenção estatal.  O argumento libertário a favor da abolição da intervenção governamental sobre a moeda e sobre o sistema bancário baseia-se na constatação de que este último serve apenas para propósitos redistributivos.

A política monetária está sempre dedicada a fazer modificações na quantidade de dinheiro da economia.  Embora as autoridades monetárias possam, em última análise, querer controlar as taxas de juros, o desemprego ou o índice da bolsa de valores, a tentativa de se alcançar qualquer um destes objetivos por meio da política monetária pressupõe a capacidade de modificar a quantidade de dinheiro.

Por exemplo, para reduzir as taxas de juros de curto prazo, as autoridades monetárias têm de produzir quantidades adicionais de dinheiro e oferecer este dinheiro no mercado interbancário, caso contrário elas não conseguirão exercer nenhuma pressão baixista sobre as taxas de juros.  Logo, a pergunta crucial é: quem deveria ter a permissão para criar e destruir dinheiro, e quais objetivos deveriam ser buscados por meio desta medida?

A política do sistema bancário está voltada para questões semelhantes.  Em vez de lidar com a produção de dinheiro, o sistema bancário lida com a produção de substitutos monetários, ou recibos de armazenamento de dinheiro, os quais podem ser instantaneamente redimidos em dinheiro -- ao contrário de títulos de crédito ou notas promissórias, os quais poderão ser redimidos em dinheiro somente em algum ponto futuro determinado.  Um banco -- no caso, um banco que participa do sistema bancário e influi em suas políticas -- é uma empresa que emite recibos de armazenamento de dinheiro.   Estes podem ser talões de cheque, cartões de débito, cartões de crédito, contas de internet etc.  Quem deveria ter a permissão para emitir tais recibos?  Com quais propósitos e em quais quantidades?  Estas são as principais perguntas sobre o sistema bancário e sua política.

A livre e desimpedida produção de dinheiro

No livre mercado, todo e qualquer indivíduo teria o direito de investir seu trabalho e sua propriedade na produção de dinheiro, e fazer com seu produto o que bem entendesse -- vender ou doar.  Cada produtor de dinheiro iria, neste sentido, adotar sua própria política monetária, assim como cada fabricante de tênis, ao vender seus produtos, está adotando sua própria "política calçadista".

Portanto, as duas principais questões sobre política monetária são respondidas pelo próprio princípio organizacional do mercado: propriedade privada.  Cada indivíduo é um elaborador de políticas, criando sua própria política para sua propriedade.  E cada indivíduo vai buscar aqueles objetivos que ele gostaria de alcançar.

Historicamente, vários diferentes tipos de mercadorias (ouro, prata, cobre, conchas, tabaco, algodão etc.) foram utilizados como dinheiro.  No entanto, ouro e prata sempre se sobressaíram como dinheiro, sobrepujando as outras moedas e retirando-as do mercado.  E tudo por causa de suas imbatíveis qualidades para a consecução de várias funções monetárias: ambos são homogêneos, duráveis, fáceis de serem reconhecidos, fáceis de serem moldados etc.

Sua produção está sujeita às mesmas leis que governam a produção de todas as outras mercadorias.  Logo, a "política monetária" dos proprietários de minas e de cada estabelecimento que faz a cunhagem de moedas será estritamente voltada para a satisfação do consumidor, e as quantidades produzidas irão depender apenas da demanda dos consumidores.

Dado que moedas de papel são o tipo dominante de dinheiro em nossa era, tem havido muita especulação sobre a possibilidade de um livre mercado para dinheiro de papel ou dinheiro eletrônico.  No entanto, não apenas não há nenhuma evidência histórica para respaldar tal possibilidade, como também há o lamentável fato de que o dinheiro de papel -- isto é, o dinheiro que não é mercadoria -- sempre, em todos os lugares e épocas, foi uma criatura do estado.

Foi algo ainda muito recente a introdução do papel-moeda na economia pelo estado.  Ele fez isso concedendo a uma entidade (o Banco Central) o privilegiado monopólio de emissão de dinheiro, bem como a permissão de suspender a restituição em ouro de seus recibos de armazenamento.  Embora o histórico não comprove ser impossível haver um dinheiro que não seja mercadoria em um livre mercado, os economistas austríacos argumentam que, para um dinheiro se estabelecer voluntariamente, ele tem de se originar como uma mercadoria.

Um sistema bancário de livre mercado

No livre mercado, cada indivíduo teria o direito de se tornar um banqueiro.  Qualquer pessoa poderia se oferecer para armazenar o dinheiro de terceiros e emitir recibos de armazenamento, os quais, por sua vez, iriam servir de registro do fato de que o dinheiro foi depositado em seu estabelecimento e que ele pode ser restituído a qualquer momento.

É perfeitamente concebível também que alguns banqueiros iriam propor esquemas de investimentos que possuíssem uma forte semelhança com a atividade de armazenar e emitir recibos de armazenamento.  Por exemplo, eles poderiam se oferecer para emitir notas promissórias em troca do dinheiro que fosse investido em seus bancos -- dinheiro este o qual os bancos emprestariam a juros para terceiros -- e tentariam tornar estas notas mais atrativas prometendo liquidá-las sob demanda ao seu valor de face.  Eles poderiam até emitir estas notas em formatos que fossem praticamente idênticos aos formatos dos recibos de armazenamento.  E isto, por conseguinte, poderia induzir alguns participantes de mercado a aceitar estas notas promissórias como sendo um genuíno meio de pagamento em suas rotineiras trocas de mercado, assim como eles ocasionalmente aceitam papeis de hipoteca ou de ações como meio de pagamento.

Alguns economistas creem que tais esquemas já foram feitos no passado e os rotulam de "sistema bancário de reservas fracionárias".  Eles também utilizam o termo "cédulas" para descrever as supracitadas notas promissórias.  Entretanto, é importante estar atento às essenciais diferenças que existem entre estas notas e os recibos de armazenamento.  Não obstante a semelhança na aparência e no uso, recibos de armazenamento são títulos de reivindicação sobre dinheiro, ao passo que a promessa de se restituir uma nota promissória em dinheiro permite uma boa margem de manobra para o banqueiro.  Ao passo que todos os recibos de armazenamento podem ser restituídos a qualquer momento, se vários portadores de notas promissórias decidirem liquidá-las ao mesmo tempo, apenas uma parte delas poderá de fato ser liquidada como havia sido prometido pelo banqueiro.

Nomes idênticos e aparências externas idênticas entre os recibos de armazenamento e as notas promissórias líquidas não são uma mera coincidência.  Na maioria dos exemplos históricos, banqueiros que emitiram notas promissórias líquidas se esforçaram enormemente para ocultar as reais diferenças que distinguiam seu produto de genuínos recibos de armazenamento.  Se tais esforços são empreendidos com a intenção de ludibriar outros participantes de mercado, então um sistema bancário de reservas fracionárias representa um esquema fraudulento que viola os princípios do livre mercado e serve meramente para enriquecer alguns indivíduos (os banqueiros e seus clientes) à custa de todos os outros.

Mais sobre o dinheiro e sobre recibos de armazenamento

Esta tendência de fundir dinheiro com recibos de armazenamento nunca mais foi interrompida desde que vários decretos dos governos do século XX transformaram de maneira fundamental a natureza dos bancos centrais e das cédulas que eles imprimem.  Tais decretos (a) deram aos bancos centrais nacionais o privilégio de poder negar restituições em metais para seus correntistas que quisessem redimir seus recibos de armazenamento em ouro ou prata e (b) garantiram privilégios monopolistas às cédulas criadas pelos bancos centrais, concedendo a elas o privilégio do curso forçado -- o que significa que todas as pessoas eram agora obrigadas a aceitar tais cédulas.

Por falta de melhores alternativas no curto prazo, as cédulas dos bancos centrais permaneceram em circulação.  No entanto, estas cédulas agora não mais eram recibos de armazenamento, pois elas não mais poderiam ser apresentadas aos bancos e restituídas em metais.  Elas haviam se tornado bens independentes: dinheiro de papel.

Similarmente, os bancos centrais não mais eram bancos comuns; eles eram agora criadores de dinheiro.  Uma confusão a respeito desta transformação estava prestes a se espalhar, pois, fisicamente, tanto as cédulas do banco central quanto o próprio banco central continuaram existindo sem qualquer alteração em sua aparência -- um interessante caso daquilo que poderia ser chamado de transubstanciação econômica.

Isto não significa que recibos de armazenamento deixaram de existir.  Com efeito, a instituição de moedas de papel decretada pelo governo transformou apenas os bancos centrais e seus produtos.  Todos os outros bancos continuaram emitindo recibos de armazenamento, com a única diferença que os recibos que eles emitiam não mais se referiam a uma commodity metálica, mas sim a uma nova moeda de papel.  Papel (recibos de armazenamento) era agora trocado por outro papel (dinheiro). Atualmente, o desprezo pela fundamental distinção entre dinheiro e recibos de armazenamento (os dígitos eletrônicos nas contas-correntes) tem gerado grandes especulações sobre a possibilidade de moedas puramente digitais cridas e gerenciadas na internet.

Produção de dinheiro, sistema bancário e governo

A grande questão sobre as políticas monetária e bancária é se um sistema bancário de livre mercado, com livre entrada e livre produção de dinheiro, pode ser aprimorado por esquemas baseados na coerção.  A história da análise monetária e das políticas monetárias é uma história de debates sobre as limitações e deficiências do mercado livre e desimpedido e sobre como estas limitações podem ser corrigidas com esquemas monetários estatistas.  Praticamente todas estas discussões têm girado ao redor do problema da suposta escassez de dinheiro; e a essência de todas as soluções criadas para superar estes problemas é produzir um volume de dinheiro maior do que aquele que seria produzido no mercado livre e desimpedido.

Escritores mercantilistas argumentavam que mais dinheiro significava juros menores e preços maiores, e que isto, por sua vez, estimulava o comércio e a indústria.  Além disso, tributos poderiam ser impostos mais facilmente em uma economia monetária do que em uma economia de escambo.  Assim, os mercantilistas exortavam que as importações de ouro e de prata fossem estimuladas tanto por meio de subsídios às exportações de produtos domésticos quanto por tarifas sobre a importação de bens estrangeiros.  Eles apoiavam o sistema bancário de reservas fracionárias, o qual beneficiava também a Coroa, e defendiam privilégios monopolistas especiais para os bancos "centrais" ou "nacionais".

E isso fazia sentido para eles: os reis lucravam enormemente com este aumento da circulação de dinheiro, pois tornava mais fácil espoliar seus súditos.  No entanto, os fisiocratas franceses e os economistas clássicos britânicos demoliram completamente o resto do esquema mercantilista.  Tarifas de importação e subsídios às exportações não podiam aumentar permanentemente a oferta monetária doméstica, e a quantidade de dinheiro circulando na economia não gera impacto positivo no comércio e na indústria como um todo.

A grande contribuição da Escola Monetária para a teoria da política monetária foi mostrar que aumentos na quantidade de dinheiro na economia não aumentam a quantidade de bens e serviços na nação como um todo.  Uma maior oferta monetária irá meramente elevar os preços, mas não irá afetar a indústria como um todo e nem a produto real agregado da economia.  Isto é o que eles tinham em mente quando falaram que o dinheiro era um "véu" que era colocado por cima da economia física.

Mas tarde, outros economistas refinaram esta análise dando a ela uma explicação mais sofisticada sobre impacto do dinheiro na economia real.  Eles demonstraram que aumentos na oferta monetária geram duas formas de redistribuição de renda.  De um lado, um aumento na quantidade de dinheiro significa que o poder de compra de cada unidade monetária está sendo diluído.  Se esta perda de poder de compra não for antecipada, os tomadores de empréstimos se beneficiarão à custa de seus credores.

Por outro lado, e independentemente das antecipações dos participantes de mercado, o dinheiro recém-criado irá chegar primeiro apenas a alguns poucos indivíduos, cujo poder de compra aumentará, de modo que eles agora poderão comprar mais bens -- mas sem que tenha havido um aumento na oferta dos mesmos.  Consequentemente, todas as outras pessoas irão comprar menos bens e a preços maiores, dado que o gasto deste dinheiro adicional irá elevar os preços.  Logo, embora variações da quantidade de dinheiro não tragam nenhuma melhoria generalizada para a economia, elas irão beneficiar algumas pessoas, indústrias e regiões à custa de todos os outros participantes do mercado.

Por mais de cem anos, a ideia de que uma economia poderia promover o bem-estar de seus cidadãos aumentando a oferta monetária para um nível além daquele que vigoraria em um mercado livre e desimpedido era algo desacreditado entre economistas profissionais, ainda que o influente J.S. Mill houvesse solapado esta ortodoxia monetária fazendo várias concessões.

E então surgiu John Maynard Keynes, que, praticamente sozinho, deu nova vida às velhas políticas mercantilistas.  O carismático Keynes era o mais conhecido economista do mais conhecido departamento de economia de sua época.  Em seus escritos, palestras e conversas privadas, ele utilizava seu prestígio pessoal e institucional para promover a ideia de que a multiplicação do dinheiro poderia fazer mais do que simplesmente redistribuir a renda em favor do governo e dos grupos que o controlam.

O keynesianismo logrou aumentar enormemente o controle governamental sobre a economia.  Ele forneceu aos estados modernos a justificativa para que implementassem políticas de engenharia social em uma escala totalmente inaudita e transformassem profundamente as relações sociais, a alocação geográfica de recursos e a psicologia das massas.  No entanto, o maior legado de Keynes é o fato de que suas ideias continuam pautando as discussões econômicas atuais, tanto em termos fiscais quanto monetários.

Hoje, praticamente todas as publicações em jornais acadêmicos aceitam como fato consumado que Keynes estava certo e a ortodoxia monetária estava errada.  Baseando-se na tácita suposição de que o governo pode aprimorar o sistema monetário e o sistema bancário, desta forma elevando o produto agregado da economia, os debates convencionais conseguem obscurecer as questões que são de interesse das autoridades governamentais, como, por exemplo, a definição dos vários agregados monetários, o comportamento das autoridades do banco central e os sinais que elas enviam ao mercado, e os indicadores de previsão do impacto da política monetária sobre os preços, as taxas de juros, a produção e o emprego.

Existem também economistas pró-livre mercado que rejeitam a ortodoxia monetária e tentam argumentar em prol de um livre mercado para a moeda e para o sistema bancário baseando-se em premissas mercantilistas-keynesianas.  Estes economistas afirmam que a oferta de dinheiro tem de ser constantemente adaptada para corresponder às necessidades do comércio ou para gerar o equilíbrio monetário (ver mais aqui).  No entanto, eles creem que as instituições necessárias para garantir esta permanente adaptação irão muito provavelmente surgir no mercado livre e desimpedido.

É difícil prever qual caminho o pensamento convencional sobre sistema bancário e política monetária irá tomar.  Para economistas libertários, há amplas e vastamente inexploradas oportunidades de pesquisa relacionadas particularmente ao impacto de uma oferta monetária controlada pelo governo sobre a economia e sobre a sociedade como um todo, e às melhores maneiras de se abolir a intervenção governamental na moeda e no sistema bancário.

 

Sobre o autor

Jörg Guido Hülsmann

É membro sênior do Mises Institute e autor de Mises: The Last Knight of Liberalism.

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