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Economia

Os efeitos de uma expansão de crédito não respaldada pela poupança

09/02/2012

Os efeitos de uma expansão de crédito não respaldada pela poupança

Este artigo é uma síntese da terceira parte do capítulo V do livro Moeda, Crédito Bancário e Ciclos Econômicos, de Jesús Huerta de Soto.

 

A criação de dinheiro pelo sistema bancário e sua materialização através de créditos concedidos via sistema de reservas fracionárias (criação de crédito artificial) produz na estrutura produtiva efeitos iniciais bastante similares ao aumento de crédito via poupança prévia voluntária.  No entanto, esse aumento artificial de crédito não diminui a demanda final de bens de consumo, diminuição esta que liberaria recursos para a manutenção dos diferentes agentes econômicos durante os processos produtivos.  A expansão artificial do crédito impulsiona um processo de desajuste ou descoordenação entre o comportamento dos agentes econômicos, gerando um exemplo típico de indução a um erro de cálculo econômico ou estimativa por parte dos empreendedores.

A descoordenação se manifesta, primeiramente, no surgimento de um período de grande otimismo em virtude do fato de os agentes se sentirem capazes de ampliar a estrutura produtiva sem o sacrifício de algum consumo -- necessário para gerar poupança -- e acúmulo prévio de capital, pois a expansão creditícia tem o efeito de fazer parecer que houve um aumento na oferta de bens presentes, os quais passam a ser demandados devido às taxas de juros artificialmente mais baixas.  Consequentemente, a movimentação da renda nas etapas produtivas (oferta e demanda de bens presentes), bem como a renda nominal em um período considerado, também é alterada.

Embora ocorra esse aumento inicial na atividade econômica e otimismo fruto da expansão creditícia artificial, tal situação é anômala e, portanto, insustentável.  Existem mecanismos microeconômicos que interrompem e revertem essa descoordenação "macroeconômica".  Tais mecanismos existem em função da reação espontânea do mercado frente à expansão creditícia artificial, pois toda agressão ao processo social -- na forma de intervenção governamental, coação sistemática, manipulação de indicadores essenciais ou concessão de privilégios que ferem os princípios tradicionais do direito -- dá lugar espontaneamente a processos de interação social que, movidos precisamente pela capacidade coordenadora da função empreendedorial, tendem a interromper e reverter a descoordenação e os erros cometidos. Vejamos quais são estes mecanismos:

a) Aumento de preço dos fatores de produção -- ocorre devido a duas causas distintas que se reforçam mutuamente.  Por um lado, a maior demanda monetária por recursos originários (trabalho e recursos naturais) efetuado pelos capitalistas; por outro, a menor oferta dos fatores originários, pois não ocorreu a poupança voluntária prévia que os liberou.  O efeito conjunto, como não poderia ser diferente devido à interação entre oferta e demanda de fatores, é o progressivo aumento de preços no mercado desses fatores, o qual tende a se acelerar como resultado da concorrência entre os próprios empreenddores das diferentes etapas (e que é sustentado pelo crédito artificial disponível, que possibilita aos empreendedores pagar mais para conseguir os fatores escassos);

b) Posterior aumento nos preços de bens de consumo -- os preços de bens de consumo aumentam de forma relativa em comparação ao aumento de preço dos fatores originários pelos seguintes motivos combinados:

1. crescimento da renda dos fatores originários de produção descrito anteriormente, o que causa um crescimento da demanda monetária por bens de consumo;

2. uma relativa demora na produção de mais bens de consumo final em função do aumento e da criação de novas etapas de produção;

3. devido à distorção do cálculo econômico, os empreendedores tendem a calcular seus custos em função do custo histórico e da capacidade aquisitiva de fatores a níveis anteriores ao início do processo inflacionário.  Isso leva ao surgimento aparente de bonança empresarial, pois a receita nominal aumentou mas os custos seguem aparentemente estáveis.

c) Aumento relativo dos lucros das empresas das etapas mais próximas do consumo final -- o preço dos bens das etapas intermediárias aumenta de forma mais lenta que os preços dos bens de consumo final, o que se reflete no aumento dos lucros aparentes das empresas deste setor.  Além disso, os preços dos bens intermediários experimentam um aumento menor que o aumento dos custos de produção.  Essa combinação inicia um movimento espontâneo dos empreendedores para reconsiderar seus investimentos, retirando recursos de projetos mais intensivos em capital e redirecionando-os para projetos mais próximos ao consumo final;

d) Fim do Efeito Ricardo -- o aumento de preço de bens de consumo mais que proporcional à renda dos fatores originários causa a queda do salário real.  Isto é o contrário do Efeito Ricardo e todas as suas consequências.  Os empreendedores tendem, assim, a substituir capital por trabalhadores, reduzindo ainda mais demanda por bens de capital, o que acaba por agravar a latente diminuição dos lucros descrita no item anterior;

e) Aumento das taxas de juros dos créditos artificiais a um nível até superior ao que vigente antes da expansão -- o aumento se dá pelo efeito combinado dos seguintes fenômenos:

1. Incorporação das expectativas inflacionárias (ou perdas de poder aquisitivo da moeda nos empréstimos), causadas pela expansão creditícia artificial;

2. Os empreendedores, na medida em que já comprometeram importantes recursos em novos projetos de investimento, estarão dispostos a pagar taxas de juros mais altas se os créditos lhes proporcionarem a possibilidade de terminar os projetos -- projetos estes que foram iniciados insustentavelmente em função da distorção do cálculo econômico.

f) Surgimento de prejuízos nas empresas relativamente mais distantes das etapas de consumo final: o inevitável surgimento da crise -- a combinação dos efeitos anteriormente descritos resulta em prejuízos das empresas mais distantes do consumo final, fazendo-se necessário o encerramento dos projetos insustentavelmente empreendidos, retirando recursos das etapas mais distantes e redirecionando-os novamente para as etapas mais próximas do consumo final, as quais agora são relativamente mais viáveis economicamente. É o início da reestruturação da estrutura produtiva -- ou seja, a recessão econômica.

A crise se manifesta, em resumo, por falta de poupança prévia e por investimentos errôneos e insustentáveis, pois a expansão creditícia artificial induziu os empreendedores a um erro no cálculo econômico.  Como resultado, numerosas fábricas encerram suas atividades, especialmente aquelas mais distantes das etapas de consumo final, o que provoca a demissão de muitos trabalhadores.  A sociedade é tomada pelo pessimismo e pela idéia de que se entrou em uma inexplicável crise econômica pouco tempo depois de um acentuado período de otimismo.

A crise faz com que a estrutura produtiva volte ao seu normal.  Ela se torna mais curta (em função tanto da destruição de etapas como da redução do tamanho de etapas existentes), menos intensiva em capital e, consequentemente, com uma menor produção de bens e serviços.  Ainda que a renda nominal continue igual à época da expansão creditícia artificial, sua distribuição variou em favor das etapas próximas ao consumo final.

Essa estrutura produtiva que resulta após o reajuste não pode continuar sendo igual à que precedia a expansão creditícia artificial, pois as circunstâncias mudaram sensivelmente.  Houve um irreversível consumo de capital, o que provoca uma diminuição na quantidade de capital per capita, na produtividade do trabalho e nos salários em termos reais.

Portanto, não existe nenhuma possibilidade teórica de que uma expansão de crédito bancário que não seja respaldada por poupança prévia permita reduzir os necessários sacrifícios que o crescimento econômico exige.  Como foi dito, toda agressão ao processo social dá lugar espontaneamente a processos de interação social que tendem a interromper e reverter a descoordenação e os erros cometidos.  Esta reversão, a recessão econômica, é benéfica no sentido de realocar os recursos escassos a projetos mais prioritários, possibilitando assim a retomada do crescimento econômico.  

No entanto, como a recessão não é desejável politicamente para os governantes, eles lançam mão de novas rodadas de expansão creditícia (parte substancial das quiméricas "políticas anticíclicas"), o que em verdade retroalimenta todo o processo de descoordenação e seus efeitos (dilapidação de capital e concentração forçada de renda), prolongando a crise econômica e dificultando a retomada efetiva e sustentável do crescimento econômico.


Sobre o autor

Domingos Crosseti Branda

É mestre em Economia da Escola Austríaca pela Universidade Rey Juan Carlos, Madri.

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