Os agregados keynesianos escondem justamente o essencial
A abordagem austríaca é relevante tanto para o capital quanto para a mão-de-obra. Nos modelos-padrões keynesianos (bem como na maioria dos outros modelos macroeconômicos), o capital é visto como sendo uma massa homogênea, indistinta, indiferenciada. O modelo keynesiano também presume que as taxas de juros não equilibram a oferta de poupança com a demanda por fundos para serem investidos. Consequentemente, de acordo com o modelo keynesiano, quando as pessoas decidem poupar mais -- o que por si só gera um redução nos juros --, não há nenhum sinal enviado aos investidores de que eles devem investir mais para o futuro. Como resultado, o declínio no consumo gerado pelo aumento da poupança faz com que as empresas invistam menos e que seus estoques se avolumem, e tudo isso sem que haja nenhum aumento nos investimentos em outras áreas da economia em decorrência das menores taxas de juros. Logo, de acordo com o modelo keynesiano, não ocorre para contrabalançar um aumento da poupança.
Na visão austríaca, o investimento não pode ser e não é tratado com tamanho nível de agregação. O processo de produção que leva à criação de bens de consumo é formado por várias etapas de produção, começando com os estágios "iniciais" de pesquisa e desenvolvimento, bem como a extração de matérias-primas, e terminando nos estágios "finais", como vendas no atacado e gerenciamento de estoques, os quais são os mais próximos do consumidor final.
Analisar a estrutura de produção desta forma permite aos austríacos observar que, quando a poupança aumenta e faz com que os juros caiam, recursos serão retirados dos estágios finais -- por exemplo, haverá uma redução de investimentos para a formação de estoques -- e serão realocados na forma de investimentos nos estágios iniciais do processo de produção, uma vez que juros mais baixos fazem com que processos de produção que envolvem mais estágios se tornem relativamente menos custosos. Ao longo do tempo, a poupança promove esses processos mais alongados, mais voltados para o longo, os quais são mais produtivos e que, principalmente, fornecem à economia uma maior oferta de capital, o que possibilita um crescimento econômico mais sustentável.
Ao fazer essa desagregação do investimento, o modelo austríaco também mostra que diferentes tipos de bens de capital têm de "ser combinados" corretamente para que possam ser produtivos. Isso se torna bastante claro quando o banco central tenta gerar crescimento econômico por meio da inflação monetária. Nesse caso, as taxas de juros mais baixos produzidas pela criação de dinheiro levam a um aumento nos investimentos daqueles mesmos estágios iniciais. No entanto, ao contrário do nosso primeiro relato, no qual esse aumento do investimento foi financiado por uma redução no investimento nos estágios finais, a inflação também aumenta o consumo ao longo de toda a economia, uma vez que juros mais baixos desestimulam a poupança e estimulam o endividamento. A expansão do crédito não cria nenhum recurso novo (imprimir dinheiro não faz com que bens surjam do nada), mas faz com que haja mais investimentos tanto nos estágios iniciais quanto nos estágios finais do processo de produção. Essa é a fase do crescimento econômico artificial do ciclo econômico.
No entanto, como uma ferrovia sendo construída simultaneamente desde dois pontos opostos, com seus trilhos partindo desalinhadamente, os planos desses dois conjuntos de investidores são insustentáveis, e os projetos, no final, não serão completados, pois não há recursos suficientes na economia para tal. A expansão monetária, ao reduzir artificialmente os juros, enganou os empreendedores, fazendo-os crer que havia mais poupança do que de fato havia. A recessão se instala. [Para uma explicação mais completa deste processo, veja este artigo].
A mão-de-obra também
Tudo o que foi dito para o capital também se aplica para a mão-de-obra. A maioria dos modelos keynesianos também trata a mão-de-obra como um agregado indistinto, referindo-se a coisas como "o" mercado de trabalho e "os" salários. Porém, quando analisamos os processos microeconômicos inerentes à estrutura de produção, vemos que cada um desses estágios possui o seu próprio mercado de trabalho. Assim, quando os recursos são direcionados de um estágio para outro, a demanda por mão-de-obra também será alterada, levando a mudanças nos salários pagos em cada setor. Setores em crescimento irão atrair mais mão-de-obra, e setores que estiverem encolhendo irão liberar mão-de-obra.
Durante um período de crescimento econômico gerado pela expansão monetária, a mão-de-obra, assim como o capital, será alocada erroneamente ao longo dos estágios de produção. E quando o crescimento se tornar recessão, trabalhadores perderão seu emprego tão logo os projetos nos quais estiverem trabalhando forem abandonados. O desemprego sobe à medida que a economia entra em recessão. Contudo, esse desemprego, assim como a alocação errônea e insustentável de capital, não será uniformemente distribuído por toda a economia. Para ver os custos reais de um ciclo econômico gerado pela inflação monetária é necessário ir mais além dos agregados. Só assim é possível ver e entender os mecanismos fundamentais das mudanças que ocorrem na economia.
Centrar-se excessivamente nos agregados keynesianos também provoca equívocos quanto à melhor forma de sair de uma recessão. Os agregados fazem parecer que tudo o que é necessário é aumentar o investimento, o consumo ou criar mais empregos. Porém, quando entendemos que os "fundamentais mecanismos de mudanças que ocorrem na economia" estão relacionados à alocação insustentável de capital e mão-de-obra ocorrida durante o período da expansão econômica, torna-se então possível entender que o necessário é permitir uma realocação desses recursos para aplicações mais produtivas, e não expandir ainda mais esses recursos. O capital deve ser liberado dos investimentos mais improdutivos e realocado para as linhas de produção mais produtivas e mais demandadas pelos consumidores. E o mesmo vale para a mão-de-obra.
Gastos governamentais, pacotes de estímulo e de socorro a empresas falidas, e ampliação do seguro-desemprego irá somente impedir que os mecanismos fundamentais da mudança atuem para corrigir os erros cometidos durante o período da expansão. A cura para uma descoordenação macroeconômica está em liberar o processo empreendedorial do mercado, permitindo que ele realoque e coordene os recursos.
Mas 80 anos após Hayek ter explicado esse processo, o fascínio dos economistas e dos políticos com os agregados keynesianos continua a ocultar os mecanismos fundamentais da mudança. E, ao fazer isso, continua impedindo o processo por meio do qual uma recuperação sustentável possa ocorrer após uma recessão.
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