Considero
um erro metodológico, e um prejuízo ao avanço do estudo da ciência econômica, a
união dos princípios da mainstream economics (ME) com os da
escola econômica austríaca (EEA), praticado por alguns dos seus
defensores, dentro do campo da teoria de capital[*]. Ignoram a dimensão do disparate das suas
pretensões ao colocar, no mesmo prisma, conceitos totalmente distintos do ponto
de vista da ME e da EEA.
A
diferença entre as escolas começa com o próprio conceito de equilíbrio
econômico, mas se estendem ao do tempo, do capital, do investimento, da
poupança, das taxas de juros e da renda. Os 'austríacos', a começar, não trabalham
com situações de equilíbrio, mas com a economia em constante desequilíbrio. Ora são as quebras de safras, ora o aumento da
demanda por um determinado produto, ora uma nova mercadoria que surge no
mercado, entre tantos outros desbalanceamentos econômicos. Os
empreendedores mais atentos, que conseguem perceber os desequilíbrios antes dos
demais, entram comprando, vendendo, produzindo ou investindo. São ações movidas pelo lucro, mas que ajustam
os desequilíbrios. Aliás, quanto mais
inventiva for uma economia, mais desequilíbrios ela tenderá a gerar e,
consequentemente, mais ganhos tenderá a propiciar aos empreendedores mais
hábeis, sem contar que a maior parte dos desajustes estão relacionados
à estrutura de capital.
Não
é para menos que a estrutura de capital, devido à sua complexidade, é o local
onde surgem as divergências mais acentuadas entre a ME e a EEA. Enquanto o tempo é uma categoria econômica
para os austríacos, é negligenciado pelos defensores da mainstream economics,
dando, por isso, uma interpretação unidimensional ao capital. Encobrem os
seus aspectos multidimensionais, como a dimensão da sua estrutura, formada por
vários estágios de produção, responsáveis pela fabricação dos bens
intermediários (prédios, máquinas, equipamentos, matérias prima, insumos, entre
outros) que vão integrar mais adiante a fabricação dos bens de consumo finais.
Quanto
mais distante estiver cada estágio de produção do consumo, dado pelo tempo que
leva da fabricação do bem intermediário até a venda dos bens de consumo final,
maior será o juro implícito do negócio. Como
a ME não trabalha com uma estrutura de capital multidimensional, desconsidera
as funções específicas do tempo real, dos custos, dos juros, dos lucros e
riscos integrados em cada etapa de produção. Se conhecessem todo esse intricado processo,
talvez desistissem de somar o capital e de apresentá-lo de forma agregada, na
tentativa de trabalhar com um conceito econômico - diga-se de passagem! -
burro: a média.
Outra
consideração importante dentro da teoria de capital austríaca é a
impossibilidade de separação do conceito de investimento do
de poupança, considerada coisas distintas pela ME: seus líderes
desconhecem que a essência de ambos é a mesma. O capital, no seu longo trajeto da fabricação
dos bens intermediários até os bens de consumo finais, gera renda,
principalmente salários, juros e lucros. Era isso que Jean Baptiste-Say queria nos
dizer na sua célebre frase: "é a oferta que gera a
demanda". A poupança é a renda gerada
e não gasta em bens de consumo. Contrário
ao que a ME prega, a poupança não fica ociosa. Ela se mantém dentro do sistema econômico,
investida na estrutura de produção intermediária (prédios, máquinas,
matérias-primas, insumos e na própria mão-de-obra dos diversos estágios de
produção, assim como na compra de bens de consumo duráveis) ou conservada como
um poder de compra temporário.
Ainda
que possa haver boa intenção dos "macroeconomistas mainstream", as tentativas de agregação desse complexo sistema não
têm nexo verdadeiramente econômico. São elucubrações tão irreais quanto os
"faz de conta" dos socialistas e estatistas na elaboração do cálculo econômico
fora do mercado, criticada por Ludwig Von Mises, com uma analogia dos jogos de
guerra, praticados por uma criança (ME), e uma verdadeira guerra, enfrentada em
campo de batalha por um soldado (EEA). A agregação, da mesma forma, fornece
resultados utópicos, irreais, sem validade teórica pelos mandamentos da EEA. Logo, não se trata de "purismo acadêmico",
como alegam os macroeconomistas austríacos, mas uma batalha contra algo
vazio ou com custos maiores do que benefícios.
Friedrich
Von Hayek, a propósito, o maior mentor positivista da Teoria do Capital
Austríaca e dos ciclos econômicos, faz um alerta no Prefácio do seu "La Teoria Pura del
Capital", ao comentar que o intento de sistematização dentro da teoria de
capital abre lacunas que deixam o conteúdo praticamente inútil para as análises
complicadas. E os erros se acentuam nos
estudos mais avançados dos ciclos econômicos. As agregações escondem que os excessos
monetários ou creditícios, que levam aos 'booms', afetam os
diversos estágios de produção de maneira heterogênea. Nos 'busts' (recessões), então,
quando a atividade econômica para se recuperar precisa, antes, do desmanche dos
investimentos e empregos malfeitos, a agregação não se torna apenas nula e
inútil, mas fortemente nociva, abrindo o espaço para as incursões da ME, que
acredita ser possível apagar o fogo usando mais gasolina (mais excessos
monetários).
Ao
passarmos, então, do estudo positivista da teoria do capital para o
praxeológico, o erro das agregações e das diagramações sofisticadas se
agiganta. Ludwig Von Mises, no seu "A
Ação Humana", comenta que:
A Economia não é,
como os ignorantes positivistas repetem a toda a hora, atrasada pela falta de
mensuração quantitativa. Ela não é 'quantitativa' porque não trabalha com dados
ou variáveis constantes.
Elas
obscurecem a análise das ações empreendedoras dos indivíduos, feitas geralmente
na busca da redução dos custos, dos prazos, da inovação tecnológica, dos novos
meios de se fazer as escolhas, da melhora da qualidade dos bens de capital e do
produto final.
A
inutilidade dos resultados das agregações dentro da teoria de capital e dos
ciclos econômicos torna-se saliente quando se analisa passo a passo as ações
dos indivíduos. O maior custo das agregações, como se depreende, recai no
aprendizado econômico. Os fundamentos praxeológicos deram força
científica ao estudo da economia e das demais ciências sociais. Qualquer empecilho que venha a enfraquecer ou
tolher a análise do emaranhado social e econômico dentro do campo da ação
humana e da sua categoria universal, no tempo e no espaço, deve ser suprimido
sob qualquer pretexto.
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[*] Roger W. Garrisson, "Time and Money: The Macroeconomics
of Capital Structure" (Veja
o PowerPoint em português), traduzido e simplificado em "A Macroeconomia Da Estrutura
De Capital", por Ubiratan Jorge Iorio (Fev/2010)