quinta-feira, 22 dez 2011
Entre
os intelectuais, o modismo de sempre é culpar todas as mazelas da sociedade no
livre mercado. Basta dar uma olhada no
conteúdo dos cursos universitários, nas palavras dos professores, nas
publicações acadêmicas e mesmo nos jornais dos grêmios universitários. Todos eles concordam entre si nesse quesito.
O
desprezo popular pelo mercado é angustiante.
Poucas instituições são tão universalmente vilipendiadas, e talvez
poucas instituições sejam tão universalmente incompreendidas. E essa desinformação é perigosa: os radicais
que protestam tão veementemente contra o funcionamento do livre mercado
raramente percebem que estão defendendo o fim da única instituição que pode
aprimorar o padrão de vida das pessoas.
Parodiando
o poeta Robert Frost, deveríamos primeiro examinar como funciona o paraíso para,
só então, tentarmos mudar o mundo. Em
outras palavras, devemos entender como algo é antes de começarmos a falar como
ele deveria ser. Nesse artigo, farei
precisamente isso: vou esclarecer a definição de "livre mercado" e então
argumentar que os chamados 'pecados' do mercado são erroneamente interpretados.
Cabe
a nós, antes de tudo, definir aquilo sobre o qual estamos falando. Muitas discordâncias têm suas origens na
incompreensão e no equívoco. Portanto,
vamos definir o "livre mercado": o site dictionary.com define um "mercado" como
"uma oportunidade de comprar ou vender" e um "livre mercado" como "um mercado
econômico no qual a oferta e a demanda não são reguladas ou são reguladas com
restrições mínimas". "Livre mercado" e
"capitalismo" são praticamente sinônimos, e é George Reisman quem define
o capitalismo de maneira eloquente:
O capitalismo é um sistema
social baseado na propriedade privada dos meios de produção. É caracterizado pela busca do interesse
próprio em termos materiais — em um ambiente livre da iniciação de força
física —, e seus alicerces são culturalmente influenciados pela razão. Baseado em suas fundamentações e em sua
natureza essencial, o capitalismo é mais detalhadamente caracterizado pela
poupança e pela acumulação de capital, pelas trocas voluntárias intermediadas
pelo dinheiro, pelo interesse próprio financeiro e pela busca do lucro, pela
livre concorrência e pela desigualdade econômica, pelo sistema de preços, pelo
progresso econômico, e por uma harmonia da busca pelo interesse próprio
material de todos os indivíduos que dele participam.[1]
Assim,
podemos definir o "livre mercado" como um sistema social baseado na troca
voluntária de títulos de propriedade. E,
ainda assim, o "livre mercado" é quase que universalmente vilipendiado dentro
da academia.
Várias
críticas populares ao mercado são tão batidas que já asseguraram a caricatura
de clichê (críticos do capitalismo diriam que tais críticas são um
"axioma"). Elas podem ser condensadas em
algumas poucas proposições amplas, as quais consideraremos aqui. Elas são: o mercado é antissocial, o mercado
atropela os direitos humanos, o mercado é o inimigo do meio ambiente e o
mercado é a arma dos ricos contra os pobres.
Vamos analisar uma de cada vez.
Um
dos mais populares mitos sobre a economia de mercado é que ela necessariamente
gera uma tipicamente hobbesiana "guerra de todos contra todos", um mundo em que
todos se devoram e todos competem em uma briga por recursos, sendo que o final
é um jogo de soma zero. Outros já
chegaram inclusive a afirmar que o mercado pode levar toda a espécie humana à
autodestruição. A conclusão, portanto, é
que o mercado é algo belicoso e hostil: se os recursos são finitos e todos
vivem para consumir, então conflitos — e guerras — serão necessariamente o
resultado natural.
Mas
conflitos e guerras são a exata antítese dos princípios do livre mercado. A essência das trocas de mercado é a
cooperação: dois lados trocam bens e serviços, e ambos saem enriquecidos dessa
troca. Você vai a uma loja e paga por
uma gravata. A loja compra a gravata do
fabricante. O fabricante paga pela
mão-de-obra e pelo capital necessários para produzir a gravata. Todos ganham no processo.
O
leitor deve também observar que as pessoas nunca começam guerras de conquista e
subjugação com a intenção de ampliar as trocas voluntárias de bens e
serviços. Com efeito, muitas guerras
ocorrem fundamentalmente por motivos anticapitalistas:
a saber, disputas comerciais. Vale a
pena sempre recorrermos à sabedoria de Frédéric Bastiat, que alertou que,
quando os bens deixam de cruzar as fronteiras, os exércitos cruzarão.
Outra
crítica popular ao livre mercado é que ele atropela os direitos humanos. Escravidão, racismo, machismo e "trabalhos
precários" são filhos do capitalismo; portanto, a economia de mercado deve ser
derrubada e destruída o mais rápido possível.
Em
primeiro lugar, a escravidão é antimercado por definição: mercados livres são
guiados pelo princípio do voluntarismo.
Em segundo, racismo e machismo são difíceis de serem sustentados em
mercados competitivos: não importa o quanto um determinado empregador odeie
negros, mulheres, judeus, homossexuais etc., os consumidores raramente estão
dispostos a pagar o preço extra que seria necessário para que ele satisfaça eternamente
seu desejo pela discriminação.
Tragicamente,
regulamentações sobre as condições de trabalho e a imposição de um salário
mínimo maior tendem a exacerbar — ao invés de mitigar — as discriminações,
pois removem as penalidades que empregadores preconceituosos sofreriam em um
mercado competitivo e eliminam uma importante margem que poderia ser utilizado
por grupos marginalizados. Quando as pessoas
não mais podem competir com base em preços, quantidade e qualidade, as empresas
passam a poder discriminar com base em algo que não seja a produtividade.
Em
um mercado livre e desimpedido, um empregador racista seria penalizado (lucros
menores que os de seus concorrentes) se ele incorresse em qualquer tipo de
discriminação. Sem um salário mínimo imposto, seria caro para um
empregador racista negar a mão-de-obra de um trabalhador negro que se
dispusesse a trabalhar por um valor menor que o de um branco. Porém,
quando o estado passa a fixar o preço da mão-de-obra, e as condições de
trabalho são determinadas por decreto, esse mesmo empregador estará apto a
exercer suas preferências racistas sem que receba uma merecida punição
capitalista. É por isso que um salário
mínimo mais alto acaba com o único trunfo que os grupos historicamente
discriminados têm a seu favor.
Ademais,
o mercado tem sido profundamente benevolente mesmo para as mais oprimidas
minorias. Em sua magistral obra Competition and Coercion: Blacks in
the American Economy 1865-1914, Robert Higgs narrou cronologicamente
os espetaculares ganhos e conquistas obtidos pelos filhos e filhas de escravos
quando eles passaram a poder participar da economia de mercado.
Em
terceiro lugar, temos de fazer duas perguntas quando consideramos a má situação
da mão-de-obra em "trabalhos precários".
Primeira: por que as condições de trabalho são tão miseráveis? Segunda: quais são as alternativas boas para
esses trabalhadores? As condições de
trabalho no terceiro mundo são ruins exatamente porque vários desses países
apenas recentemente começaram a adotar as instituições que caracterizam as
economias de mercado do ocidente. As
melhores alternativas para esses trabalhadores são normalmente pavorosas:
crime, prostituição e fome. Se os
trabalhos precários forem proibidos, essas serão as únicas alternativas
sobrantes.
Também
é bastante popular acusar o mercado de ser o inimigo do meio ambiente. Outra mentira; a degradação ambiental ocorre
exatamente quando os direitos de propriedade são debilmente especificados,
fiscalizados e zelados. Se há alguma
entidade que fracassou quanto a isso, é o estado. Há ampla evidência desse fracasso nos países
comunistas: vários lagos, rios e correntezas da antiga União Soviética são tão
poluídos, que são inutilizáveis. A afirmação de
que "o mercado é o inimigo do meio ambiente" é baseada em ficções.
A
economia de mercado também é acusada de ser a arma suprema dos ricos contra os
pobres. A "meritocracia" capitalista
seria a responsável pela ampla e difundida pobreza, pela desigualdade
desenfreada e pelo domínio mundial das grandes corporações. Embora esses desafios às instituições
capitalistas tendam a gerar uma retórica intrigante, eles são completamente
falsos.
Os
países pobres de hoje já eram pobres muito antes de as modernas e liberais
economias de mercado se desenvolverem na Europa e na América do Norte;
portanto, não se pode culpar o capitalismo pela pobreza deles. Muitos críticos também apontam para a
desigual distribuição de riqueza como evidência das mazelas do capitalismo, mas
tal acusação ignora dois pontos cruciais.
O
primeiro é a mobilidade de renda: dependendo da liberdade econômica do país,
alguém nascido na pobreza tem uma boa chance de ascender na escala social. Segundo, embora a distribuição de renda
monetária seja desigual, a facilidade de acesso aos bens de composição
tecnológica similar aumentou consideravelmente.
Durante a maior parte da história mundial, a diferença entre ricos e
pobres era a diferença entre aqueles que comiam e aqueles que morriam de fome. Na economias de mercado atuais, a diferença
entre os super ricos e os pobres é a diferença entre aquele que dirige um Dodge
Viper e aquele que dirige um Chevrolet da década de 1980.
O
leitor deveria também observar que o poder que se imagina que as "grandes
corporações" tenham está exagerado. Uma
característica exclusiva do capitalismo de livre mercado é que as maiores
recompensas vão para aqueles que satisfazem às demandas do cidadão comum. Nos EUA, por exemplo, pense no Wal-Mart, o
bode expiatório favorito dos intelectuais de esquerda: a clientela do Wal-Mart
é formada quase que exclusivamente de pessoas das classes média e baixa. O capitalismo gera uma riqueza fantástica, e
os benefícios vão quase que inteiramente para os menos afortunados dentre nós.
Ludwig
von Mises disse tudo de maneira sucinta em uma série de palestras publicadas
postumamente como o nome de As
Seis Lições. Ele observa que
Este é o principio fundamental
do capitalismo tal como existe hoje em todos os países onde há um sistema de
produção em massa extremamente desenvolvido: as empresas de grande porte, alvo
dos mais fanáticos ataques desfechados pelos pretensos esquerdistas, produzem
quase exclusivamente para suprir a carência das massas. As empresas dedicadas à fabricação de artigos
de luxo, para uso apenas dos abastados, jamais têm condições de alcançar a
magnitude das grandes empresas. E, hoje,
os empregados das grandes fábricas são, eles próprios, os maiores consumidores dos
produtos que nelas se fabricam. Esta é a
diferença básica entre os princípios capitalistas de produção e os princípios
feudalistas de épocas anteriores.
A
"relação de poder", um conceito tão caro aos marxistas, é exatamente oposta
àquela imaginada: os consumidores, e não os produtores, é que ditam o rumo da
produção.
Não
obstante tudo isso, os inimigos do mercado argumentam que a única razão pela
qual as pessoas toleram as economias de mercado é porque elas são obrigadas a
tal. A evidência das imigrações
ocorridas ao longo do século XX não dá respaldo a essa hipótese. Milhares de pessoas morreram tentando cruzar
as fronteiras da Alemanha Oriental e da Coréia do Norte — e não havia o mesmo
movimento na direção oposta.
Similarmente, milhares de cubanos arriscaram suas vidas e integridade
física tentando fugir para os EUA. Até
onde se sabe, nenhuma pessoa desafiou o oceano em uma balsa caseira em busca de
melhores condições de vida em Cuba.
Finalmente,
trata-se de ignorância pura e simples dizer que o mercado "falhou" de alguma
maneira significativa. Ao proferir tal
sentença, seria necessário propor uma alternativa superior. Nesse caso, tanto a teoria quanto a história
estão firmemente a favor do livre mercado.
Mises e Hayek demonstraram que o cálculo econômico racional é impossível
sem que haja propriedade privada dos meios de produção. Isso não significa que uma "economia
socialista" seja ineficiente — significa que uma economia socialista é uma
contradição prática. Nossa experiência
com revoluções radicais e economias planejadas ao longo do século XX não é nada
estimulante: em nome do "povo", Che Guevara matou
milhares, Hitler milhões,
Stalin e Mao dezenas
de milhões.
Pode
até ser chique culpar a economia de mercado por todas as mazelas da sociedade,
mas não apenas essa acusação é sem sentido como também a fé dos intelectuais em
alternativas para o mercado é inteiramente fictícia. Nunca nenhum regime socialista teve eleições
livres, e nenhum livre mercado já produziu algum campo de extermínio. Contrariamente às opiniões de acadêmicos e
intelectuais populares, o mercado funciona.
E pode botar essa na conta.
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Notas
[1] Reisman,
George. 1996. Capitalism:
A Treatise on Economics (Ottawa,
IL: Jameson Books), p. 19.