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Economia

Não é o consumo que cria a prosperidade

25/11/2011

Não é o consumo que cria a prosperidade

Quando eu era estudante de economia, uma das tarefas mais difíceis sempre foi a de entender a relação exata entre gastos com consumo, poupança e prosperidade.  Ainda na graduação, fui alimentado com a teoria padrão fornecida pelas curvas IS/LM, que diz que o consumo é a força motriz da produção.  Essa teoria padrão pode ser resumida em algumas frases curtas, utilizando alguns "fatos" óbvios sobre o funcionamento do sistema econômico.

1. Empresas irão contratar trabalhadores e produzir coisas se, e somente se, elas esperarem com isso poder gerar receitas de venda suficientes para a) cobrir seus custos operacionais e b) obter alguma taxa de lucro.

2. As indústrias produtoras de bens de capital irão ajustar seus planos de produção de acordo com a demanda vivenciada pelas indústrias de bens de consumo.  Caso a demanda por bens de consumo diminua, qualquer que seja o motivo, as empresas irão reduzir sua produção e demitir empregados.

3. Durante períodos de crise econômica, diz-se que uma redução dos salários não será benéfica para o sistema econômico como um todo porque salários menores significam menores gastos com bens de consumo, o que agravaria ainda mais a crise.

4. A cura para tudo, diz-se, deve advir do aumento dos gastos públicos.  Tal aumento deve ser financiado por déficits orçamentários em conjunto com o aumento da oferta monetária e da expansão do crédito.

O propósito desse artigo é mostrar a exata relação entre gastos com consumo, poupança, acumulação de capital e prosperidade.  Será mostrado que o consumo em termos reais, bem como gastos com consumo expressos em termos monetários, não são a causa, mas, sim, um efeito de uma maior poupança e de uma maior acumulação de capital.

Demanda por bens não é demanda por mão-de-obra

Com o intuito de reconhecer a falácia da teoria padrão da maneira mais clara possível, é preciso antes estabelecermos uma conexão correta entre a demanda por bens de consumo e todas as outras atividades econômicas, particularmente, é claro, a demanda por mão-de-obra.

O primeiro passo nessa análise é entender a seguinte e simples observação: esses dois fenômenos, a saber, a compra de bens de consumo e a demanda por mão-de-obra, representam dois eventos fisicamente separados. Isto é, quando alguém compra um bem de consumo, essa pessoa não está comprando simultaneamente mais nada além do bem de consumo em questão.  Em particular, não se está comprando ao mesmo tempo mão-de-obra ou bens de capital.  A pessoa está comprando apenas um bem de consumo.  É importante, nessa etapa da análise, deixar de lado todas as outras possíveis consequências futuras dessa compra inicial, e manter o foco no simples fato de que a demanda por bens de consumo e, aqui, a demanda por mão-de-obra, constituem dois eventos separados.  Dizer que a demanda por bens de consumo deve ser vista e analisada separadamente não é o mesmo que de alguma forma desconsiderar o papel do consumidor ou da demanda do consumidor.  Ninguém nega o fato de que a compra de bens de consumo tenha consequências econômicas importantes para o processo de produção em questão.  Porém, com o intuito de se chegar a uma fotografia nítida das relações funcionais presentes nesse processo, é indispensável levar em consideração a separação lógica dos dois eventos.

Ademais, também é importante entender que quando alguém demanda bens de consumo, no sentido de se gastar uma quantia definida de dinheiro nele, este algum está reduzindo sua capacidade de demandar, digamos, serviços de mão-de-obra.  Este, obviamente, é um claro exemplo de escassez.  Se eu gastar toda a minha renda mensal em, por exemplo, jogos, eu não terei como comprar outras coisas.  O mesmo tipo de escassez se aplica com igual intensidade a um sistema econômico complexo, com a única diferença sendo que, o fator restringente nesse sistema econômico como um todo será a quantidade de dinheiro e o volume de gastos.

Mesmo em um sistema monetário em que a quantidade de dinheiro pode ser expandida rapidamente, a lógica da escassez se aplica com a mesma intensidade.  O ato de ter de se decidir entre demanda por bens e demanda por serviços de mão-de-obra já pressupõe a existência de escassez, independentemente de quão rapidamente a oferta monetária possa aumentar.

À luz da simples análise acima, é possível tirarmos conclusões importantes.  Afirmar, por exemplo, que a causa do problema do desemprego -- e, consequentemente, sua solução -- é uma insuficiente demanda por bens de consumo, significa cometer uma falácia lógica elementar.  Mais ainda: significa estar afirmando que a demanda por bens de consumo de certa forma incorpora a demanda por mão-de-obra; que, no exato momento em que alguém compra um bem de consumo, esse alguém está também comprando serviços de mão-de-obra.  Ou, colocando mais precisamente, tudo isso significa dizer que a demanda por bens de consumo envolve mais do que apenas isso, o que seria uma impossibilidade lógica.

O conceito do gasto produtivo

A existência de demandas distintas por bens de consumo, bens de capital e serviços de mão-de-obra, respectivamente, nos permite fazer uma distinção estrita entre os dois tipos de gasto que existem na economia de mercado.  O primeiro tipo pode ser chamado de gastos com consumo, e está relacionado à demanda por bens de consumo.  O segundo tipo pode ser chamado de gastos produtivos, e está relacionado aos gastos feitos por empresas e indústrias com a compra de bens de capital e serviços de mão-de-obra.  Uma característica distinta dos gastos produtivos é que eles, obviamente, devem ser feitos com fundos que foram anteriormente poupados -- isto é, que não foram gastos na compra de bens de consumo.

Observe -- e este é outro ponto importante -- a diferença crucial entre os dois tipos de gastos.  Do ponto de vista do consumidor, o dinheiro que ele gasta na compra de bens de consumo vai embora, e os bens de consumo que foram comprados, tão logo eles estejam fisicamente extintos ou de alguma forma deixem de ter serventia ao consumidor, devem ser novamente adquiridos.  Para que possa comprar os bens e serviços de que necessita, o consumidor deve ter uma fonte de renda monetária.  Esta é uma característica distinta dos gastos com consumo: eles dependem de fontes externas.

Já os gastos produtivos, por outro lado, são feitos por indústrias e empresas com o propósito específico de trazerem subsequentes receitas de venda, as quais normalmente superam os custos monetários incorridos no processo de produção.  Do ponto de vista de um empreendedor, os gastos produtivos constituem um meio para se obter uma quantia de dinheiro maior do que aquela que foi gasta.

A poupança e os gastos produtivos, e não os gastos com consumo, são os dois fatores que constituem a demanda por mão-de-obra e por bens de capital.  São eles que permitem alargar e sustentar os processos de produção capitalista, os quais, por sua vez, possibilitam às empresas e indústrias aumentarem sua produção e, como consequência, cortar os custos de seus produtos.

Quanto maior for a poupança e os gastos produtivos dos empreendedores e dos capitalistas, maior será a demanda por mão-de-obra e por bens de capital em relação à demanda por bens de consumo, e maiores serão os salários e a produtividade da mão-de-obra -- essa última por causa da produção e do emprego de mais bens de capital por trabalhador.

O surgimento de assalariados em conjunto com uma abundância de bens de consumo a preços baixos gerou, pela primeira vez na história da humanidade, o fenômeno do mercado de massas e do consumo em massa.  E, como a palavra "massa" sugere, a esmagadora maioria dos consumidores, e a vasta significância econômica que eles possuem, representa a recém-criada classe de assalariados.  Como já deve estar ficando claro, o consumo em massa é, na realidade, o efeito, e não a causa, da maior produtividade e prosperidade -- contrariamente ao que pensam os defensores da teoria de que um baixo nível de consumo é a causa dos males econômicos.

A oferta cria sua própria demanda, e não o contrário.  E, principalmente durante períodos de crise econômica -- os quais sempre foram exclusivamente produto de uma política governamental de inflação monetária e expansão do crédito --, a medida mais perniciosa que pode ser tomada é aumentar os gastos do governo em detrimento da poupança e do gasto produtivo.

Isso significa que principalmente a tributação dos lucros corporativos, das heranças e da distribuição de dividendos irá confiscar fundos que de outra forma seriam utilizados para a demanda de bens de capital e mão-de-obra, e desviá-los para gastos com consumo do governo.  Assim, todos os tipos de gastos públicos elevados desta forma, incluindo-se aí os projetos com um caráter aparentemente benéfico, como obras públicas, construção de infraestrutura na forma de rodovias ou meios de comunicação, gastos para educação e escolas etc., podem apenas contribuir para o aumento do desemprego. 

E se o gasto governamental for elevado por meio da criação de mais dinheiro, a única maneira como isso poderá aumentar a demanda por mão-de-obra e bens de capital não será em decorrência de sua mera existência, mas somente se as adicionais receitas de venda resultantes desse aumento monetário forem poupadas e produtivamente gastas por seus recebedores.

Conclusão

O erro básico dos defensores da teoria de que um baixo nível de consumo é a causa dos males econômicos está na crença de que a prosperidade está correlacionada direta e positivamente aos gastos com consumo; na crença de que, ao demandar bens de consumo, um indivíduo estará, de alguma forma, demandando serviços de mão-de-obra em conjunto com bens intermediários que contribuem para a produção do bem final.  O erro advém da incapacidade de identificar as forças que na realidade são as responsáveis pelo consumo em massa e pelo aumento da prosperidade em termos reais.  Tais forças são a poupança e os gastos produtivos feitos pelas empresas e indústrias.

Com relação à teoria econômica, é muito importante entender que uma compreensão correta da relação funcional entre consumo, poupança, gastos produtivos e prosperidade não pode ser adquirido por meio da ciência econômica contemporânea, uma vez que esta consegue confundir coisas básicas em tal grau que a torna praticamente inútil.


Sobre o autor

Wladimir Kraus

É membro sênior da FCA Markets Analysis and Risk e co-autor do livro Engineering the Financial Crisis: Systemic Risk and Failure of Regulation (University of Pennsylvania Press, 2011). Possui Ph.D. em Economia pela Universidade de Aix-Marselha.

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